RPMTNT- Garouden: O Lobo Solitário

Pra quem não entendeu o “RPMTNT” no título, é a sigla pra “Review Pra Matar Tempo No Trabalho”.

Após o sucesso de Baki, a Netflix percebeu que o nicho “anime de porrada sem poderzinho” era uma boa e resolveu investir mais nele. Primeiro com Kegan Ashura e agora com Garouden: O Lobo Solitário.

A história por trás da obra é curiosa. Garouden nasceu em 1985 como uma serie de novels escritas por Baku Yumemakura. E caso você não conheça o termo, não, novel não é mesma coisa que as novelas que a Record produz tão magistralmente, com roteiros impecáveis e efeitos especiais que fazem os olhos de James Cameron brilharem com a luz de quem almeja alcançar tal nível de maestria um dia. Novel são livros! Sim, aquelas coisas chatas cheio de letras e sem nenhuma figurinha que você provavelmente comprou algum na New Pop porque achou que se o desenho da capa era bonito, imagine o do miolo.

Com o sucesso dessas novels, claro que surgiram as adaptações em mangá. A primeira foi levada a cabo em 1989 por Jiro Taniguchi, autor que já teve vários títulos lançados no Brasil pela Pipoca e Nanquim, sendo uma delas As Crônicas da Era do Gelo da qual já falei em um post que você pode ler clicando AQUI. A segunda adaptação é a mais famosa de todas por ser obra de um certo Keisuke Itagaki que, caso não esteja ligando o nome a pessoa, é o autor de uma certa obra estrelada por um certo rapaz chamado Baki Hanma. O mangá correu em paralelo com Baki já que foi publicado de 1996 à 2010 ainda com um prequel no meio, de 2004, chamado Garouden Boy. O mangá entrou em um hiato indefinido até hoje. O ultimo mangá lançado baseado na série de novel foi Shin Garouden de Masami Nobe, lançado de 2013 à 2014.

Garouden ainda rendeu dois jogos para PS2 em 2005 e 2007. Como eu disse, a versão mais famosa do mangá é a do Keisuke Itagaki, tanto que os jogos de PS2 usam o seu mangá como referência tanto em termos de história como de visual. Porém, se você viu qualquer material promocional da série, deve ter notado que ela não tem NADA a ver com o visual exagerado do Keisuke Itagaki e eu achei isso ÓTIMO! Explicarei mais adiante.

Garouden também ganhou um longa metragem em live action em 1995.

Antes é preciso esclarecer, pra quem acompanha o mangá do Itagaki e estranhou a trama e o visual da série da Netflix, que ela adapta uma parte muito especifica do mangá onde o protagonista…não é o protagonista! Calma, eu explico! Na obra original, o protagonista se chama Bunshinchi Tanba, um praticante de karatê que adora desafiar celebridades das artes marciais que aparecem na TV e, claro, vence todos. Até que um dia ele acaba por enfrentar um campeão de luta livre e perde feio. Ele some pra treinar e tempos depois volta melhor e mais forte e acaba sendo alvo de um mestre da luta livre e de um mestre do karatê que o querem como discípulo.

E o Bunshichi Tanba também está em Garouden: O Lobo Solitário, mas não como protagonista. Aqui ele aparece como coadjuvante de luxo. Na série da Netflix vamos acompanhar o karateca Juzo Fujimaki que após matar o homem que estuprou a filha de seu mestre, por quem era perdidamente apaixonado, acaba se tornando um fugitivo da justiça. Após ver o horror nos olhos da sua amada ao matar o bandido, Fujimaki decide que jamais irá lutar contra outro ser humano. E é justamente quando um urso ataca um casal de turistas numa região gelada que Fujimaki volta a dar as caras. Após especialistas em artes marciais verem o corpo do urso, reconhecem o estilo de Fujimaki e ele agora passa não apenas a ser caçado pela policia como também por uma organização secreta que promove um campeonato clandestino é que inclui-lo nele. Agora o Oscar de melhor roteiro original vem!

Enquanto o mangá de Keisuke Itagaki é (me perdoem os fãs do homem) apenas mais um Baki só que com personagens com outros nomes, o mangá de Jiro Taniguchi era mais realista, com lutas sem exagero e focadas muito mais na luta livre que no karate. E Garouden: O Lobo Solitário decide ir por esse caminho mais contido. A luta livre não é o foco, afinal ela é mais ligada a história de Bunchichi Tanba, mas as lutas de karate de Fujimaki com seus adversários não tem os exageros de Baki ou de Kengan Ashura, elas são mais realistas e praticamente 90% delas acabam com uma chave de braço ou perna se aproximando mais do Jiu Jitsu. Pra manter esse realismo, muitas das cenas de luta fazem uso da rotoscopia e apesar de gostar desse realismo, eu confesso que um pouquinho do exagero inerente aos animes de porrada faz um pouquinho de falta sim. E também devo dizer que as lutas em rotoscopia apesar de ficarem até bonitas, não soam como lutas em boa parte do tempo mas como se tivessem feito uma rotoscopia de um treino do tipo “1,2,3”, onde os golpes são sempre soco,soco e chute. Que foi o que de fato aconteceu, como vocês podem ver nos making of abaixo. Além disso os personagens caem em chaves muito facilmente e sem demonstrar muita resistência bem como se livram delas com a mesma facilidade. Faltou um pouco mais de ousadia nas coreografias. Elas são bem mornas, eu devo dizer.

Morno também é o andar da trama. O tal campeonato, que parece ser o foco da série quando se vê o trailer, ocupa apenas uns dois episódios e já parte pra outra trama sem muito drama ou questionamentos. Isso tira o peso e a força de alguns personagens que aparecem como sendo os grandes vilões da série mas depois mandam um “Legal. Você é bacana. A gente tá de boa? Dá um abraço aqui e vai lá que tu é gente fina paca!”. Outro ponto mal explorado é a tal “fera interior” que o Fujimaki fica refreando por toda a trama mas em momento nenhum deixa realmente sair ou tem algum momento em que se aprofunde no assunto. Ter apenas 8 episódios pra empurrar a história inteira também não ajuda. De positivo tem o fato de não termos as doidices dramáticas do Itagaki como colocar o pai do Baki invadindo o quarto dele antes de “coabitar” pra dizer “É isso aí, meu filho, meta-lhe a vara mermo!” ou fazendo mãe o Baki sentir atração sexual pelo próprio filho. Sério, vejam a série clássica do inicio dos anos 2000 pra ver essa viagem de ácido do caralho. Itagaki é doente…

Também é preciso citar um ponto positivíssimo pra mim mas pro qual muitos dos fãs do Itagaki torceram fortemente o nariz que foi o fato do anime não seguir o visual do mangá do Itagaki. E eu acho isso maravilhoso! O visual do Itagaki é muito único e apesar de gostar dele em Baki eu acho que outro anime com aquele visual iria dar um nó na cabeça em quem só conhece Baki pela Netflix e não sabe das outras obras do Itagaki pois, apesar de ter esse estilo único e muito mais dinâmico que o Kurumada, seus personagens tem a mesma cara e os mesmos corpos.

O Visual do anime foge do visual do Itagaki como o diabo foge da cruz.
Keisuke Itagaki em momento Kurumada desenhando com carimbo. A esquerda Yujiro Hanma do mangá Baki, a direta Hisroshi Nagata de sua adaptação de Garouden.

O visual de Garouden é mais limpo e reto. Em muitos momentos o trabalho do estúdio NAZ, responsável pela série, me lembrou um dos segmentos do longa animado que adapta o jogo Dante’s Inferno, produzindo numa colab entre estúdios, um surto que tomou a industria entre 2003 e 2005 graças a Animatrix. Porém, o segmento de Dante’s Inferno tem o traço um pouco mais detalhado e foi produzido por outro estúdio cujo nome não sei.

Enfim, Garouden: O Lobo Solitário trouxe coisas que eu esperava, como uma pegada mais pé no chão que Baki e Kengan Ashura, mas acabou deixando quase tão tedioso quanto a própria realidade. A história corrida também acaba prejudicando o ritmo mas o saldo final ainda é positivo. Não é uma Brastemp mas mantém os alimentos refrigerados a contento.

NOTA: 7,0