Xenogears
Eu sou o Alfa e o Ômega. O inicio e o fim. O primeiro e o último. Xenogears é complexo. Sempre citado nas listas de maiores (e melhores) RPGs. Épico. Essencial. Espetacular. Outras palavras com E.
Uma mistura incrível de entidades antigas, religião, Cabala, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Carl Jung (aqui tem mesmo metáforas Junguianas entre outras), conflitos psicológicos pesados (nada tipo um “bandido matou meus pais num beco e vou ficar o resto da vida caçando trombadinha” ou ” minha raiva oprimida me transforma num incrível monstro verde” ), Xenogears é uma grande saga em forma de jogo.
A apresentação em anime mostra uma gigantesca (270 kilometros?!!!) nave espacial, a Eldridge, sendo atacada por dentro por uma força misteriosa, algo como uma infecção nos sistemas da nave. A tripulação tenta frenéticamente impedir o avanço de da crise, mas sem sucesso. E notam que, seja lá o que for que está tomando a nave está começando a calcular uma rota para o planeta central. O capitão tenta contato com a Engenharia para medidas de emergência. Tudo está mudo. E a tripulação assiste em choque quando uma mensagem toma todas as telas da ponte “Vocês vão ser como deuses”.
O capitão decide que é melhor evacuar a nave. Mas o atacante tem outros planos e usa os sistemas de armas da nave para destruir todos os veículos de fuga. Horrorizado o capitão toma uma decisão.
Abre um medalhão com uma foto da esposa e filha e lança mão de sua última cartada. Ele dá o comando de auto destruição da nave o que a arremessa de encontro à um planeta despovoado próximo. Uma mulher nua, com longos cabelos se ergue dos destroços e observa a alvorada em uma praia.
A história começa de forma simples. O personagem principal é Fei, um sujeito que está morando em uma tranquila aldeia no meio de lugar nenhum, desde que foi trazido lá, ferido e desmemoriado, alguns anos antes. A aldeia está se preparando para o casamento de seu melhor amigo Timothy e Alice, que aparentemente gosta dele (Fei).
É quando você é mandado para buscar uma câmera para fotografar o casamento na casa do dr. Citan, próxima da aldeia. E no caminho até la umas cabras nervosas lhe darão uma demonstração de como o combate funciona.
A principio é semelhante ao Active Battle da série Final Fantasy, com uma barra que vai enchendo e indicando quando pode-se fazer um ataque. Há três tipos de golpes, Fraco, Médio e Forte. Cada um deles usa uma certa quantidade de AP (Action Points) para ser usado, um, dois ou três, dependendo da intensidade do golpe. o segredo então está em usar com estratégia esses pontos em cada rodada. Quando a quantidade de pontos vai subindo no passar do jogo e principalmente, com a liberação dos Combos e Deathblows esse pensamento estratégico passa a ser mais importante ainda. Usar um golpe forte ou três fracos? Acumular um ou dois pontos nessa rodada para disparar um Combo depois? Há também as magias ou Ethers. Cada personagem tem os seus e alguns tem os personalizados, com nomes diferentes entre os personagens como o “Chi” de Fei e o “Arcane” do Dr. Citan.
Resumo das coisas, você vai, encontra o Dr. pega a câmera e depois de mais algumas lutas contra cabras nervosas, está de volta. PRA ENCONTRAR TUDO INDO PELOS ARES!
A aldeia virou palco de uma batalha entre Aveh e Kislev, dois países em guerra há gerações. Tudo está em chamas e os aldeões correm de um lado ao outro. As coisas pioram quando começam a entrar em batalha os Gears. Gears são robôs imensos. Um grande Gear negro cai perto de Fei, e seu piloto morto cai no cockpit. Ao ver seu amigo Timothy ser morto, Fei entra na máquina. E vai tudo para o inferno de vez. O Gear (ou Fei, ou ambos) sai do controle e vaporiza tudo ao redor, incluindo todos que ainda estão na aldeia, a aldeia em si e Alice, que parece em choque sem entender o que está acontecendo.
Compreensivelmente, os aldeões não querem Fei por perto. Então junto com o Dr Citam, que resolve acompanha-lo por um tempo, Fei parte, levando o Gear negro, aparentemente a causa da batalha. Então, no controle do Gear negro, chamado Weltall, você aprende como as batalhas nos Gears funcionam. Não é tão diferente assim das batalhas à pé.
O movimento do Gear é limitado pelo combustível e cada ataque gasta um pouco desse combustível, dependendo da intensidade. Da mesma forma que à pé é possivel acumular ações para usar um Deathblow e também acumular Deathblows para chegar em Hyper Mode e causar danos e combos muito maiores. É possível também recarregar um pouco de combustível abdicando de agir naquele turno e usando o Charge ou usar o Booster para agir mais rápido a um custo maior de combustível. Um Gear sem combustível só pode usar o Charge ou Ehter, presumivelmente as magias do piloto dentro da máquina. E como no combate à pé, estratégia se torna vital mais pra frente. Não basta encher seu Gear de equipamentos e itens, gerenciar seu combate é crucial.
Na floresta, eles encontram Elhaym Van Houten (Elly para encurtar), uma piloto da misteriosa organização militar Gebler, que estava envolvida na tragédia da aldeia. Os três são capturados pelo pirata do deserto de Aveh, Bartholomew ( Bart) e a história vai seguindo.
Um aviso, Xenogears tem mais subtramas que os X-men nos anos 90 e é realmente difícil a partir de um certo ponto seguir o “Todo” da história. Desatenção quanto ao que os personagens estão falando leva mais tarde a se perguntar o que está acontecendo e quem é esse sujeito que apareceu e parece importante. Tive que jogar duas vezes para entender quem era o Krelian por exemplo, entre outros pontos. Mas ao contrário de sagas como Infinity e Flashpoint, a história é interessante e capaz de prender, mesmo sendo tão exotérica quanto é.
Sério, se for para falar da igreja Ethos, que é quem escava os Gears e outras relíquias das civilizações antigas, Solaris, Shevat, a guerra Aveh e Kislev, Anima Relics, Rico, Zeboin, Miang, Grahf, reencarnações, nanotecnologia, destino e metade de Xenogears seriam necessários pelo menos 4 posts. Foram mais de 90 horas de jogo, quase tudo com alguma importância na história. Todos os personagens estão ali por um bom motivo, mesmo os mais bestas que você certamente vai deixar de lado são carismáticos e bem elaborados.
É interessante notar que há duas “cenas pós sexo”. Nada explicito ou algo assim, mas fica bem claro que as duas pessoas em questão deram umas antes de conversar sobre assuntos importantes.
Talvez por isso e pelas muitas, muitas, bastante mesmo, referencias religiosas esse jogo nem chegou a ser lançado na Europa e quase não vai pra América.
A historia de como o jogo em si é conturbada. Originalmente pensado como um novo Final Fantasy e recusado por ser “muito complexo e sombrio”, Xenogears quase não vê a luz do dia. Na metade do projeto, a Square resolve puxar o fio da tomada. Os produtores então queimaram o cosmo e apressaram o máximo possível o término do jogo. Isso explica o segundo disco.
Como era praxe na época, Xenogears veio em dois discos. Você terminava o primeiro, certo, tudo bem. E de repente o segundo disco é na maioria do tempo um personagem sentado numa cadeira explicando o que aconteceu em tal e tal momento, pontuado por alguma batalha ou exploração de algum lugar. Sem world map até quase o final. Essa parte ainda assim é muito boa, se você chegou até aqui já está fisgado pela história e vai seguir em frente. Mas é pra se pensar que foda seria se os caras tivessem tempo para trabalhar como queriam.
Uma vez aberto o world map você vai de um lado ao outro, à pé o em algum veiculo. E tudo funciona como num RPG clássico. Equipe os personagens, aumente seus atributos e magias e tals. O mesmo vale para os Gears, cuja performance pode ser bastante melhorada com equipamentos e peças. As batalhas são aquelas aleatórias, que os fracos criticam, só porque não dá pra eles verem os inimigos na tela e fugirem como as putinhas que são.
Os personagens são um pouco pixelados, principalmente se pensarmos que era PS1 e eles se destacam um pouco demais dos belos cenários. Na época quase me fizeram torcer o nariz pro jogo. Felizmente o começo espetacular do jogo me impediu. Mas não me interpretem mal. Os personagens estão bem caracterizados e em pouco tempo você passa a achar isso normal. Os Gears são feitos de polígonos (e metal, imagino) e extremamente bem trabalhados. Sem querer ser pela-saco mas alguns deles tem os melhores visuais de mechas que já vi até hoje, e Weltall está no meu top 10 de mechas de todos os tempos. Os cenários também são excelentes e variados, a imensidão do deserto, o peso do tempo nas ruínas antigas e a escrotidão fedorenta dos esgotos.
A trilha sonora é de uma beleza ímpar, com canções variadas como Leftovers from The Dreams os the Strong, a tensa Grahf, Emperor of Darkness, a fenomenal Bonds of Sea and Fire, a celestial The Beginning and the End, cantada pelo Coral Feminino da Bulgária e Small Two of Pieces, uma bela canção de amor que traz lágrimas masculinas até hoje, cantada pela cantora celtica Joanne Hogg. Mas como a trilha de Xenogears estava nas mãos de Yasunori Mitsuda, responsável também por Chrono Trigger. Isso já diz o bastante do pedigree musical de Xenogears não?
Não houve e provavelmente jamais haverá uma continuação ou prequel de Xenogears. Xenosaga, da Namco, feito por boa parte da equipe (a Monolith Soft após sairem da Square) ficou sendo mencionado como o prequel de Xenogears, pois tem muitos dos elementos do primeiro, como o Zohar e mesmo alguns personagens bem familiares. Mas o diretor de ambos Tetsuya Takahashi afirmou que os jogos tem em comum o fato de serem feitos pelas mesmas pessoas e a aparição de elementos ou personagens semelhantes deve ser encarada como a aparição rápida do diretor num filme que ele dirigiu.
Xenogears não se tornou um sucesso, em parte porque a Square não permitiu. Não deu tempo para os caras terminarem o jogo, não lançou na Europa, achou que não vendeu o bastante e parece ter feito o possível para sabotar a coisa toda. É um jogo longo e complexo, mas é uma experiência absolutamente necessária.
Está disponível na PSN e valerá cada centavo e segundo investido. Quantos jogos são sempre seguidos de “caralho mano, esse era foda ” quando são mencionados?