Sexta do Restolho – Mini-Saga (que não prestou em audio)
Conto que não funcionou no áudio, só me serviu pra me atrasar meses tentando editar pra parecer algo bom.
A narrativa que usei no texto deixou a narração/edição complicada demais (fora que ficou LONGO PARA CARALHO). Então não vejo melhor alternativa que jogar aqui pra vocês lerem! Fiquem agora com:
Ponteiro Solto
Sempre quis morar num apartamento no antigo centro da cidade. É uma área que sempre me soprou ares dos anos dourados, de uma época sem tantas preocupações e mais abundancia. Como minha casa precisará ser demolida para um novo viaduto ser construído, decidi entrar em contato com uma imobiliária que pudesse me por a par dos preços. Incrivelmente os preços eram módicos e as condições cabiam perfeitamente com a indenização que o governo me dera. Não perdi tempo, marquei uma visita para um apartamento que estava disponível. Segunda-feira, as 10h da manhã, Cinquentinha, tratar com Larry, 5% de comissão. Alto luxo do passado com preços interessantes. Até entendi as razões, os anos passados, bem, passaram. E a região não era mais a mesma. Não inspirava mais luxo muito menos sua cor era dourada. Mas mesmo assim, uma visita não me tiraria pedaço algum. Cada dia que se seguia desde a visita me deixavam cada vez mais ansioso. Era um sonho que se realizaria e uma nova etapa de minha vida. Sabia das dificuldades de morar naquele bairro. O alto movimento de carros, a violência, os roubos, a prostituição… Mas era uma realização. Dependendo das condições do local, fecharia negocio, não importa os perigos. Chegado o dia da visita ao local, respirei fundo e mentalizei a frase:
-Não se deixe levar apenas pelos seus sonhos. Analise o imóvel, estude as condições da estrutura. Não faça bobagem.
Mas minhas veias pulsavam com ardor pela ansiedade. Era preciso se acalmar. Tomei um café quente, fumei um cigarro e sai de casa. A avenida principal apitava com um grande engarrafamento que se estendia por toda cidade, desde o novo centro, passando por bairros de classe media, aeroporto, até o antigo centro. Peguei o metrô. Melhor alternativa e uma doce surpresa! A prefeitura aparentemente decidiu reativar uma estação antiga que a muito estava desativada. Lia-se a mensagem em um outdoor na estação:
– Viva os bons tempos.
Muitas pessoas de negócios, todos com suas maletas e ternos de bom corte. Comum numa segunda-feira de caos no transito. Após uns minutos de espera, o trem chega a estação. Que maravilha! A prefeitura decidiu revitalizar junto um dos antigos trens abandonados que a muito me enchia os olhos num velho deposito dos limites da cidade. O dia estava ficando a cada segundo melhor! Após entrar no vagão, me acomodei confortavelmente ao lado de senhores, que do alto de seus jornais, julgavam-me indiscretamente com os olhos. Não foi uma situação agradável, porem logo que o trem entrou em movimento, mergulharam novamente em suas noticias. Após essa situação desconfortante, observei a manchete principal.
Em letras grandes lia-se:
“Negociações entre Rússia e América se intensificam.”
Novamente? Provavelmente deve-se a guerra que se desenrola na Ucrânia. Apaguei aquilo da cabeça e segui destino ao centro. Uma voz nos alto-falantes do trem falaram:
-Senhores, bom dia, este trem segue para o centro da cidade, façam uma boa viagem.
Maravilhado com o tato do condutor, mencionei com um senhor de fedora, segurando a maleta e o guarda-chuva nas mesmas mãos.
-Cordialidade infinita deste locutor, não?
-Ele fala a mesma coisa todos os dias. Nunca andou de trem, filho?
Agora percebi que todos do trem me olhavam estranho. O trem parou, olhei o mapa das estações rapidamente e vi que a próxima era a do antigo centro. Decidi descer antes e terminar o restante do caminho a pé devido ao desconforto de ser encarado. Quando sai do trem, outra surpresa. A estação, esta que era uma velha estação que havia sido reformada com os novos parâmetros do metrô moderno, estava revitalizada para sua antiga aparência. Eu respirei profundamente e vi o trem indo embora enquanto olhava os detalhes dos barras de sustentação de aço que apoiavam o teto da estação. Lembrei do apartamento e me preocupei com a hora. Vi um senhor sentado num banco da estação e lhe perguntei as horas. Olhando estranho para mim, ele pegou um relógio de bolso:
-São 9:30, mas não sei se o circo abre a esta hora. -disse emburrado, dobrando o jornal e se levantando em direção ao trem que chegara.
Sem entender o porque ele disse aquilo, saí meio corrido da estação. Foi aí que percebi que estava algo muito errado. O metrô, as pessoas, e agora a cidade. Dobrando a esquina vinham um Chevrolet Bel Air e um Ford Thunderbird. Carros que sempre sonhei em ter. Fora uma serie de tantos outros que sempre vi mas não me recordava o nome. Todos de em media 60 anos atrás. Um guarda na esquina parou o movimento para os pedestres passarem. Maioria homens, com seus chapeis, maletas e guarda-chuvas. Agora eu não estava mais encantado, estava nervoso. Decidi ignorar tudo isso e focar no apartamento. Deveria ser piração de minha cabeça. Então segui andando pela avenida, passando pelas lojas de eletrodomésticos, com TV’s, rádios e lavadoras nas vitrines. Eu suava cada vez mais. Finalmente cheguei ao prédio. Um bellboy uniformizado me olha com cara de poucos amigos e me pergunta:
-Que é que você procura aqui? – Rispidamente.
-Eu sou John Hemingway, vim fechar a compra do apartamento da cobertura.
Ele se riu enquanto chamava os amigos dele para falar, debochadamente:
-Hey!! Vejam só! O negão aqui disse que veio comprar o apartamento da cobertura! – Disse apontando para mim enquanto os outros funcionários da portaria do prédio olhavam e faziam gracejos para mim. Até que um homem magro e alto, terno risca-de-giz, óculos de armação redondas de aro-de-tartaruga, gravata-borboleta e chapéu panamá aparece na recepção, todos ficam quietos. Logo o bellboy fala polidamente para ele:
-Bom dia, senhor. Esse maluco chegou aqui dizendo que veio comprar o apartamento do topo, mas já tava enxotando ele daqui, para não incomodar o cliente que chegará em breve.
-Mas é exatamente ele quem eu estava esperando- Disse o homem magro sorrindo largamente e estendendo a mão para mim:
-Olá, John, não é? Larry! Pensei que iria se atrasar uns 60 anos! Hahahahaha!
Aquele aperto de mão meio que me deixou aliviado e ao mesmo tempo ainda mais assustado com tudo aquilo.
Enquanto todos os funcionários pediam desculpas para mim baixinho, eu seguia o Larry até o hall do elevador enquanto ele falava coisas como o clima, enquanto ele falava eu observei o elevador de portas pantográficas douradas na minha frente, adornadas com mármore e granito. Quando o elevador chegou foi que percebi de fato o que ele estava falando:
-Ah! Odeio este clima de chuva! É sempre uma umidade enorme, meus sapatos ficam molhados e nunca estaciono perto de onde preciso! (…) Mas ao menos é bom para o cliente verificar infiltrações no imóvel, não é John?! HAHAHA!!
Acenei positivamente com a cabeça e um sorriso desconcertado na cara. Enquanto subíamos, pessoas entravam e saiam do enorme elevador. Todo este trajeto, o Larry estava balançando-se alegremente, movendo os calcanhares para cima e para baixo. Com as mãos cruzadas na frete. Ficamos calados todo o tempo. Subimos até o ultimo andar. 58, 59, 60. O toque do elevador chegando pareceu um gongo em minha cabeça.
-Hey John! Vamos lá! Tem muito o que ver no apartamento e você ainda deve estar cansado da viagem!
Entramos numa porta de carvalho adornada com linhas douradas em formas geométricas diversas. Entramos em uma ampla sala mobilhada com moveis de ébano. Estofamento vermelho. Varanda larga com cortinas brancas, que sacudiam com o vento dando um ar ainda mais nostálgico para o ambiente. O quarto era amplo e arejado. Uma cama de mogno centralizada com lençóis brancos e grandes travesseiros. Uma buffet com varias garrafas de licores atrás de um pequeno bar me chamaram a atenção. Logo Larry pegou dois copos rocks de cristal e uma garrafa de whisky. Tirou a tampa de vidro e deixou o liquido acastanhado descer no copo, quando atingiu a metade ele me ofereceu. Com a mão tremula, peguei o copo , desabei em uma das poltronas e levei-o a minha boca, que estava seca. ele terminou de se servir e colocando a garrafa de volta, falou:
-O da direita está alugado para um cara que tem uma empresa de viagem aeroespacial privada. Sabe, são poucos que sabem de nossos serviços. E menos ainda os que se interessam. Mas você? Ahh! Você sabia exatamente o que queria! E é o primeiro que chega aqui sem precisar de indução ambiento-cerebral! Quando ligou para a empresa, achei que se estava interessado no apartamento em estado deplorável que tem por lá! Mas se está aqui, e na hora e dia certos, é porque sabe o que quer e pode pagar por isso! Afinal, não é qualquer um que vem nestes tempos.
-Para. – Falei apos sorver o restante do whisky de meu copo – Você disse o preço no telefone DESTE apartamento?
-Claro! Cinquenta milhões em notas não numeradas, em mãos.- Disse Larry sorrindo, e logo dando mais uma talagada no copo.
Agora eu suava frio. Eu pensei que eram 50 mil. Terei que passar pelo constrangimento de dizer que não estava interessado e rumar fora? E se ele for me cobrar esse whisky? Só o copo que eu estava segurando devia custar umas 300 pratas! Percebendo meu nervosismo, o Larry falou, calmamente:
-Olha só, é bem simples. Se você não tiver a grana suficiente, você pode pegar o que você trouxe e investir na bolsa. Assim, quando você voltar pra casa hoje a noite, talvez tenha o suficiente. Porque você acha que minha comissão é de apenas 5%? Esse negocio aqui é pra ajudar a quem tem dinheiro a fazer dinheiro. Eu também tenho meus negócios por fora aqui também.
-Mas que diabos! Eu estava tentando relevar isso, pensando que estava ficando maluco! Mas pelo que parece eu viajei no tempo? É isso?!
Coçando a cabeça levemente por baixo do chapéu, ele franze as sobrancelhas e fala:
-Claro ué. Como você veio parar aqui no dia e no horário correto? Você ao menos sabe qual empresa você contatou?
-Uma imobiliária para alugar a antiga cobertura do Élyséen Centre no Centro Antigo… ?
-Quer dizer que você podia fazer isso o tempo todo e não sabia? Poucos somos os que podem passear por aí nas lembranças das cidades, garoto! Me diz uma coisa. Você não esperava alugar aquele pedaço de lixo, não é? O apartamento é puro mofo e as paredes estão se desmanchando! Dois dias depois do contato que você fez o negocio ainda pegou fogo com um incêndio por causa da fiação exposta. Faça investimentos aqui e viva melhor! Eu guio o pessoal que se perde por aí no relógio e só pego uma comissão. Aí você vive em paz no tempo que quiser! Mas se quer esse pedaço de chão aqui, aconselho pega-lo agora! Tem um cara que mexe numas coisas de computador querendo sair de uns anos antes do seu pra cá e ele tem grana certa já. Ih, rapaz! olha a hora! Vamos saindo, a gente viu o lugar já. Tenho que pegar uma menina do Século 34 que tá perdida no parque central.
Descemos no elevador comigo estagnado e em silencio. Larry continuava sorridente e com o movimento ritmado dos calcanhares, para cima e para baixo.
No térreo, ele fala enquanto pega um guarda-chuva com o bellboy de mais cedo. Fomos andando em direção ao parque central quando ele falou, entrando em um beco e me deixando ali na na chuva, o meio da avenida.
-Vou deixar você pensando. Você viu que o lugar é um sonho! Toma esse cartão da bolsa de ações e a gente se fala na sexta-feira! Abraço!
Ele me jogou uma maleta de couro na altura dos pés. Enquanto me abaixo para pega-la no chão pergunto:
-Tudo muito bacana, mas como eu volto pra casa?
Mas ele já havia sumido.