Review Triunfante: Batman Child of Dreams

Ou, simplesmente, Batman Mangá, como foi batizado pela Mythos no Brasil.

Quem leu meu post sobre o mangaká Kia Asamiya  aprontando as mais incríveis estripulias na Marvel e DC no inicio dos anos 2000, conheceu a trágica história sobre o encadernado do mangá do Batman e minha falta de verba (que  segue firme e forte até hoje). Bem, assim que acabei aquele post fui ao Mercado Livre dar outra olhadela, ainda com fagulhas de esperança no coração de encontrar a tal edição a um preço menor que uma perna. Por sorte, ao colocar na categoria “livros” ao invés de “HQs e mangás”, eis que encontro meu objeto de desejo por apenas 10 golpinhos! Só alegria! Pedi, chegou, li e agora darei minhas impressões sobre esta obra que esperei 14 anos pra ler em sua totalidade! Mas vamos por partes.

Imagem: Guia dos Quadrinhos

Imagem: Guia dos Quadrinhos (se você não sabia pela marca d’água gigante, procure um oftalmologista URGENTE!).

A Trama

A saga do Morcegão, escrita e desenhada por Kia Asamiya, foi dividida em duas partes, sendo que a primeira se passa em Gotham e a segunda no Japão. No Brasil, a Mythos dividiu o mangá em quatro partes, que ficaram conhecidos como “Volume 1 partes 1 e 2” e “Volume 2 partes 1 e 2”. O encadernado compila os 4 números, claro, mas vou dar a sinopse geral, já que, apesar de divisão acima citada, a história é sequencial.

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O Volume 1.

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O Volume 2.

Tudo começa quando a repórter japonesa Yuko Yagui vai a Gotham City junto de sua equipe para fazer uma reportagem sobre o famoso vigilante que protege a cidade, o Batman. No entanto, a cidade parece entrar em caos completo justamente após a chegada da repórter, já que vários vilões da galeria do Morcegão começam a espalhar o terror quase que em sequencia. Tudo começa com o Duas-Caras fazendo reféns em um prédio, segue com o Pinguim explodindo igrejas, continua com o Charada roubando joalherias e culmina com o Coringa em posse de uma bomba no centro da cidade. Todos, claro, são devidamente impedidos pelo Batman.

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No entanto, algo estranho começa a acontecer. Os vilões, poucas horas após serem presos, começa a morrer e seus corpos ficam mumificados. Após verificar que o Coringa continua preso e descobrir que o que está nas ruas é um impostor, o Batman acaba por descobrir a existência de uma nova droga chamada “Fanatismo”, que é capaz de mudar o metabolismo da pessoa que a ingere e a transforma na pessoa que desejar. O efeito colateral, caso não seja administrada regularmente, é uma morte agonizante, onde o usuário parece “derreter” até mumificar.

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Claro que rola romancezinho entre Bruce Wayne e Yuko Yagui, e a moça acaba revelando que tem um fascínio absoluto pelo Batman por motivos que serão revelados apenas mais adiante, mas que tem muitas semelhanças com a infância de Bruce Wayne. E é justamente por esse envolvimento com Yuko que a garota acaba sendo usada pelo falso Coringa para chegar até o Batman. Após uma breve luta, o Coringa, agonizando, acaba revelando indiretamente que alguém maior está por trás desta trama toda, e não apenas isso, tudo parece apontar que o tal “vilão misterioso” conhece a identidade secreta do Cavaleiro das Trevas.

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Porém, quando os “clones” pareciam ter acabado é que surge a maior surpresa para o vigilante de Gotham: Um sósia do Batman surge para lutar com ele. Só que o tal clone não apenas possui os mesmo reflexos e habilidades de luta do original como tem um diferencial a mais, força aumentada. No entanto, o Batman tem a vantagem de…ser o Batman,e derrota sua cópia, descobrindo que o sujeito tem uma ligação com Yuko e que a fonte de todos os problemas parece estar no Japão. Agora nosso herói deve ir até lá e descobrir quem é por que está por trás dessa misteriosa trama.

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Bem, toda essa sinopse compreende apenas a primeira metade da trama. Ela não é das mais originais, mas é interessante dentro do que Asamiya poderia fazer, já que uma das normas quando Marvel e DC contratam autores japoneses para produzir histórias com seus personagens parece ser “Pode fazer o que quiser, menos mexer com vilões e histórias canônicas. Aliás, pra isso não acontecer…cria um vilão novo! Que tal?”. Se você ler Wolverine: Snikt de Tsutomu Nihei ou mesmo Batman: As Máscara da Morte, vai ver que é exatamente assim. NUNCA vemos vilões canônicos serem utilizados, os autores criam seus próprios vilões e podem fazer o que quiserem com eles, inclusive matá-los. Asamiya teve um ideia simples mas que foi uma boa sacada, criar uma droga que transformava pessoas comuns em vilões consagrados da galeria do morcego, assim ele poderia desenhá-los e ainda dar finais trágicos pra eles sem mexer no cânone do universo principal do Batman.

No entanto, volto a bater na tecla: a trama não é a coisa mais original do mundo! Ela é simples, os mistérios são facilmente resolvidos pelo leitor ainda na metade da história (aliás, o principal já fica de cara logo no começo, se você sabe que a história gira em torno de uma droga) e, por vezes, Asamiya não faz a menor questão de escondê-los. Isso a tornar uma história ruim? Não! Apenas simplória e meio bobinha as vezes, mas nada no nível Jeph Loeb, apesar de eu ter usado ele como comparativo no post anterior. É apenas um fã famoso brincando com seu personagem favorito com a permissão da editora dona do personagem.

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Dos pontos realmente negativos quanto a trama, tirando a previsibilidade, ficam alguns trejeitos na fala do Batman que não cabem ao personagem, mas creio que a culpa disso caia na tradução da Mythos. Dando um exemplo, digamos que o Batman vê algo que o surpreende e, ao invés de soltar um “Hmm…” demonstrando estar intrigado, ele me solta um “OXENTE!”. Já os demais problemas se devem ao Asamiya mesmo, que faz os personagens falarem frases expositivas o tempo todo, do tipo “Estou acordando agora. Isso significa que estava dormindo antes.” totalmente dispensáveis. Algumas vezes essas frases expositivas servem pra explicar algo na trama do tipo “Então você é Bruce Wayne, o milionário que ficou órfão após ter seus pais mortos quando criança e que agora está aqui, conversando comigo”, o que acaba deixando a narrativa robótica e meio imbecilóide. Aí entra uma teoria minha, já que isso era muito comum nas HQs e Asamiya revelou em uma entrevista (que está na edição da Mythos, nclusive) que foi orientado a se aproximar do Batman dos Comics o máximo possível e depois diz que os quadrinhos americanos deveriam deixar a imagem falar mais que as palavras. Em uma cena esse diálogo expositivo chega a um nível tão ridículo que você não crê que o Asamiya tenha feito isso e fica torcendo pra ter sido coisa da versão americana do mangá, já que a edição da Mythos é uma reprodução da edição lançada nos EUA, com páginas invertidas para a leitura oriental e tudo o mais. A cena em questão se passa no Japão, quando o Batman está em cima de um prédio e vê um gato. Aí, o maior detetive do mundo diz “Um gato…aqui?” e isso soa completamente IDIOTA, já que não há nada de estranho em ver um gato! E a página ficaria mais impactante sem essa frase estúpida! Prova de que a cagada é a da Mythos está na imagem abaixo, retirado de uma tradução feita por fãs. Olha como ficou mais lógico e fluído (apesar do Batman agora parecer o Pui-Piu falando…)!

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A Arte

A arte de Kia Asamiya é algo único! Isso é um fato! Seus personagens alongados, com narizes enormes e olhos pequenos são uma marca registrada inconfundível. E isso pode causa estranhamento com quem está acostumando ao traço mangá “mais tradicional”. Traçando um paralelo com os comics, eu diria que Kia Asamiya é o John Romita Jr. dos mangás, com um estilo diferente, que causa estranheza em alguns e verdadeira adoração em outros. Eu, particularmente, ADORO o traço do Asamiya. Acho bonito, estiloso e até grandioso quando precisa ser. Seus personagens tem expressões bem definidas e verdadeiras, e ele sabe trabalhar isso muito bem. Aqui uso como exemplo a protagonista feminina do mangá, a Yuko. Suas expressões de de dor, medo, raiva, angustia, amor e serenidade são passadas com total verdade, e a expressão de seus olhos é extremamente marcante em quaisquer dessas situações.

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Como eu já disse no post anterior, Asamiya é um extremado fã dos dois filmes do morcegão dirigidos por Tim Burton e estrelados por Michael Keaton, e tanto seu Batman quanto seu Bruce Wayne são “versões corrigidas” do personagem visto nestes filmes. Seu Bruce Wayne, ao contrário do vivido por Keaton, é alto e imponente mas, assim como o Bruce Wayne de Keaton, não é festeiro a ponto de justificar a alcunha de “playboy”. Ele é sério, introvertido, mas simpático quando está conversando com alguém e um galanteador com as mulheres, bem longe do Bruce Wayne que tenta transparecer estar “defecando e locomovendo” pra tudo pra disfarçar seu verdadeiro eu, como é visto em muitas fases dos quadrinhos ou nos filme do Nolan.

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Já seu Batman tem  o comportamento idêntico ao de Keaton, chegando sempre intimidador, só que, aqui, com o tamanho certo pra isso, sempre parado nas sobras e fazendo o minimo de movimento possível pra derrubar um vilão. Um dos artifícios que ele mais usa pra derrubar a bandidagem é o Bat-Gancho. Lembram da cena de “Batman: O Retorno” onde o Batman atira o Bat-Gancho em direção a um palhaço com uma refém e, aparentemente erra, só pra revelar que ele queria puxar um pedaço da parede na nuca do Pennywise do crime? Pois é, aqui ele faz algo parecido umas 3 vezes!  No entanto, isso não significa que ele não saia caia na porrada! Sim, ele o faz e com direito a porradaria pesada e acrobacias aéreas, mas sem nunca esquecer seu Bat-Apetrechos de seu cinto de utilidades.

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Outro ponto que demonstra a afeição de Asamiya pela obra de Burton a frente do morcego, está no Batmóvel. Ele é uma versão mais “hardcore” da vista nos filmes, com SEIS rodas! Uma coisa LINDA que eu adoraria ver em um filme!

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Pra fechar os comentários sobre o Batman do Asamiya, vale dizer que, se dependesse dele, ele se basearia completamente no universo estabelecido por Burton. No entanto, a DC pediu pra ele manter uma grande parcela de fidelidade aos quadrinhos. O resultado, no entanto, é um Batman de Tim Burton com o Batman “gigantesco” e ameaçador que viria a ser visto na série de jogos Arkham anos mais tarde. Ah, e as vezes, de perfil, o Batman de Asamiya acaba ficando parecido Mads Mikkelsen, graças ao “beicinho” acentuado.

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Ah, e antes que eu termine de falar sobre o desenho, eu havia dito que não sabia se o desenho desordenado da musculatura nos desenhos do Asamiya era estilo ou apenas “não sei fazer”. Agora eu tenho certeza que é estilo, já que ele mantém uma constância. No entanto, o posicionamento desses músculos nas pernas e braços é um pouquinho de “eu não sei fazer” mesmo, acho…

A Edição da Mythos

UM HORROR! Acho que isso define bem. Eu tinha as duas primeiras edições deste mangá que havia comprado lááá por 2002 em um sebo ( a primeira, inclusive, estava sem capa e custou 1 conto), mas nunca tinha visto nem sombra das duas edições finais nas bancas, tanto que minha surpresa foi gigantesca quando vi a largura da edição encadernada que não consegui comprar em 2003. No entanto, sabem como funciona o processo de “encadernamento” da Mythos? Eles pegaram as 4 edições, que deviam ter ficado no encalhe, tiraram as capas, juntaram tudo e colocaram uma capa cartonada por cima. Sério, dá pra ver as divisões EXATAS de cada edição original.  Não houve um trabalho de revisão, não houve um novo tratamento, não houve NADA! Inclusive, há um quadro com o texto original japonês sem tradução (e invertido, já que vinha de uma edição americana), textos descentralizados dos balões e até balões sem texto algum que não foram corrigidos justamente pelo trabalho vagabundo de encadernação! Isso sem falar que as primeiras páginas do encadernado sofreram um corte de uns 3 centímetros de sua margem, o que acabou cortando parte do texto e do desenho. Aliás, tem um “Almanaque do Juiz Dreed” nas bancas que, de acordo com o Godoka, é feito com o mesmo “esmero”…

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Capa da edição japonesa.

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Contra-capa da edição japonesa

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Lombada da edição japonesa

Outro problema é a impressão em papel jornal. Certo que os mangás são assim em sua esmagadora maioria. No entanto, a impressão da Mythos é escura e cheia de terrores. As duas primeiras partes, que se passam em Gotham, são compreensivelmente mais escuras, coisa feita pelo próprio Asamiya pra dar o clima da cidade a história. No entanto, eu dei uma olhada na edição original americana através de um scan (as páginas que permeiam esse post são dele) e vi que a história era mais “trevosa” sim, nesse ponto, mas não tanto quanto a edição da Mythos. A luta final ente os dois Batmans no final dessa primeira parte sempre foi um problema pra mim, pois eu não entendia nada pelo excesso de preto e pela impressão escura. Através desse scan foi que descobri que o excesso de preto não atrapalhava EM NADA a narrativa e, sim, a páginas escuras no papel jornal vagabundo da Mythos. A Panini havia anunciado a republicação de Child Of Dreams para julho de 2015 e, como todos sabemos, o lançamento não aconteceu. Torço para que, um dia, a Panini retome esse plano e lance uma edição com o mesmo esmero da edição americana, que vem com aquela sobre-capa e com um papel de qualidade, tal qual o papel utilizado em Berserk, Lobo Solitário, Vagabond e tantos outros mangás da própria Panini. Caso fosse lançado, eu FARIA QUESTÃO de comprar de novo!

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Capa da versão americana.

 

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Contra-capa da versão americana.

Lombada da edição americana

Lombada da edição americana

Veredito

Batman Mangá , ou Child of Dreams é uma história simples do Batman mas bastante divertida. A trama é previsível, a motivação do vilão final é meio babaquinha (sem dar spoiler, ele faz o que um fã do Batman do mundo real faria se pudesse) mas está LONGE de ser uma das piores coisas feitas com o personagem. Sem falar que a arte e a narrativa de Kia Asamiya é um atrativo por si só (pra quem gosta do estilo, claro). Fica aqui a torcida pra que a Panini relance como prometeu, ainda que tardiamente, e que venha com todos os extras da versão americana. Gosta de mangá? Gosta de Batman? Gosta de mangá e de Batman? (Gosta de batata?) Então eis uma obra que você precisa conhecer! Se não gosta de mangá e nem de Batman…não custa dar uma chance e ler algumas páginas. Quem sabe você não muda de ideia sobre um dos dois! Caso não, sempre teremos os comics, baby!

Nota: 7,5