Review Porradeiro: Kengan Ashura

Uma rinha de pokémons…só que sem pokémons!

Uma coisa que eu sempre notei existir pouco no mundo dos animes são séries focadas em artes marciais. Não, não estou falando de artes marciais com lasers sendo disparado a cada dois minutos, como Dragon Ball Z, por exemplo.Destes existem as toneladas! Falo de animes focados em artes marciais pura e simplesmente, com combates corpo a corpo sem a adição de super-poderes capazes de destruir montanhas ou um planeta inteiro. Dá pra contar nos dedos as produções desse tipo, sobretudo de uns 10 ou 20 anos pra cá, mesmo com tantos mangás sobre o tema.

Meus maiores referenciais para este tipo de anime nos anos 90 eram Street Fighter II V e Street Fighter II: O Filme. Eu assistia e reassistia a exaustão, sempre maravilhando com as coreografias dos combates. Em menos escala tínhamos Fatal Fury, mas ele se encaixava mais em “anime de poderzinho” que de porradaria. No meio dos anos 2000 estava cansado dos Dragon Balls e Narutos da vida e queria ver um anime de porrada franca, foi quando lembrei de um OVA lançado no Brasil por volta de 1996 chamado “O Ultimo Combate”, o qual assisti em fita de vídeo. Fui pesquisar na internet e acabei descobrindo que se chamava Grappler Baki e que havia uma série produzida em 2001 e que tinha duas temporadas. Baixei, assisti, me horrorizei com o roteiro medonho na mesma medida que me apaixonei pela porradaria absurda mas franca. Mas seus cinquenta e poucos episódios acabaram e eu voltei a ficar órfão. Foi quando em 2016 a Netflix anunciou que produziria uma nova temporada de Baki e lançou um trailer. Fiquei animadíssimo, sobretudo pela qualidade, já que a série de 2001 tinha dois episódios bem produzidos para quatro animados por um cego maneta.

 

Capa do VHS O Ultimo Combate que adaptava os primeiros capítulos do mangá Grappler Baki e que segue sendo um de meus OVAs favoritos pela sua qualidade impecável.

Personagens de Baki na primeira temporada do anime em 2001. Baki é o jovenzinho de cabelo laranja acima, bem diferente do que aparece na Netflix.

A série só estreou em 2018, dava continuidade as duas temporadas anteriores (até hoje não entendo por que a Netflix não comprou as duas primeiras para encher o buraco de 2 anos antes do lançamento) e não apenas me fez vibrar novamente com esta maravilhosa série de roteiro horrendo, como ela angariou certa fama. E, talvez por isso, a Netflix tenha ido buscar mais mangás com temática similar para produzir animes originais.E , muito provavelmente, foi por isso que chegou até Kengan Ashura, anime de porradaria louca e alucinada que estreou dia 31 de julho na grade do serviço de streaming.

Desconfiado que sou, fui ler os primeiros capítulos do mangá pra ter uma ideia do que esperar e, para minha NÃO surpresa, o roteiro parecia ser tão horroroso quanto o de Baki. Mas tudo bem, não esperava um Machado de Assis das artes marciais. E eis que o anime estreia com 12 episódios, e eis que eu assisto e eis que…sou surpreendido DE VERDADE, pois só os primeiros capítulos tinham um roteiro cheio de absurdos, breguices e vergonha alheia quanto Baki. Kengan Ashura tem uma história MELHOR (o que não é difícil) e BEM MAIS INTERESSANTE que a de Baki. E com BEM MENOS absurdos! Como esquecer essa nada clássica cena de Hanma Baki aconselhando seu filho sobre os caminhos para a força?

Antes de mais nada, uma (não muito) breve sinopse:

Kazuo Yamashita é um assalariado na casa dos 50 que não tem grandes aspirações na vida. Ele mora com seus 2 filhos que o ignoram completamente, sua mulher o abandonou 10 anos atrás e ele simplesmente não consegue se impor contra ninguém, sempre baixando a cabeça e levando desaforo as toneladas pra casa. Certo dia, voltando do trabalho, ele vê um garoto e um brutamontes gigantesco entrando em um beco. Percebendo que eles vão lutar e vendo a diferença absurda entre os adversários, ele resolve espiar. Ao perceber que o garoto está tranquilo e até confiante ante o gigante que se revela um yakuza, Yamashita  prevê um massacre. Mas é surpreendido quando o garoto não apenas vence o duelo como dá uma surra homérica no gigante. Abismado, sem querer ele se revela ao jovem que pensa que ele também quer lutar. Yamashita diz que não (em pânico, claro) e pergunta o nome do jovem, que diz se chamar Ohma Tokita.

No dia seguinte, ainda engolindo sapo como quem engole  um saco de jujubas na empresa onde trabalha, Yamashita é chamado para ver o presidente. Todo mundo, inclusive Yamashita, acha que ele fez alguma merda e será demitido. Só que o que acontece é algo bem diferente. O presidente da empresa, o senhor Nogi, revela a Yamashita que as disputas comerciais entre grandes empresas no japão não se resolvem com negociatas ou tramites legais. Existe um torneio secreto chamado “Kengan”, onde os presidentes das maiores empresas do país escolhem um lutador e as disputas empresariais são resolvidas em combates de 1 contra 1. Yamashita fica confuso do porque Nogi estar lhe contando algo que deveria ser segredo, já que ele é um mero funcionário e nem é dos melhores. Nogi revela que quer que ele represente a empresa no torneio servindo de tutor de um lutador. E o lutador é ninguém mais ninguém menos que Ohma.

Mas por que Nogi escolheu Yamashita? Por enxergar potencial em um de seus mais antigos funcionários? Nada disso! Acontece quem em breve começará o Torneio Kengan de Vida ou Morte (ou Torneio de Aniquilação Kengan), uma versão mais hardcore das disputas Kengan comum onde quase não existem regras e é permitido inclusive matar! O prêmio é a cadeira na presidência de toda a organização Kengan, e o plano de Nogi é patrocinar várias pequenas empresas independentes secretamente, fazendo-os assinar um contrato com uma divida milionária que só será paga caso uma dessas pequenas empresas vença e use o prêmio, tomar a presidência ou nomear terceiros para o cargo, para lhe entregar o cargo como novo chefe da organização Kengan. Yamashita foi escolhido justamente por sua total e completa INCAPACIDADE de se impor e dizer não e quando descobre que agora deve milhões a seu chefe, só lhe resta incentivar Ohma a lutar e tentar vencer o tal torneio.

Como eu já disse, Kengan Ashura até começa com uns momentos imbecis no roteiro a la Grapller Baki mas a bobajada acaba logo no primeiro episódio. Pra deixar mais claro, a bobjada a que me refiro acontece logo após Yamashita ver Ohma vencer oi Yakuza. Ele vai a puteiro, pega uma quenga e o narrador diz que isso é algo comum no reino animal já que ao ver alguém mais forte ele sentiu o instinto de perpetuar a espécie. Ou seja, a total e completa incapacidade de autores de mangás de ação de entenderem sentimentos de humanos normais se faz presente aqui. Enfim, a medida que a história avança ela se torna MUITO MAIS coesa, pé no chão e até interessante. A ideia da disputa empresarial na base da porrada pode não ser grandes novidades mas é bem bacana, pois cria muitos sub-plots dramáticos bobinhos mas mais interessantes que um adolescente cujo a mãe fica excitada com ele sempre que o vê lutando e ficando tão forte quanto o pai, garoto esse que vai lutar contra um gorila gigante pra ficar mais forte que o pai, sujeito que é praticamente invencível e consegue parar um terremoto com um soco no chão. Sério…esse é o plot da primeira temporada de Baki.

Baki vs o gorila branco Yasha.

Os personagens são carismáticos, apesar de serem bem clichês, como Ohma, que é o Ikki de Fênix, o Hiei, o Vegeta e todo personagem com cara de mal e caladão que acaba despertando uma fúria interior em determinado momento da luta que existe em um porrilhão de mangás e animes por aí. O Yamashita, por sua vez, é um baita de um acerto, já que é um bostão mas, em muitos momentos durante o torneio, acaba sendo confundido com um sujeito extremamente inteligente, confiante e sagaz, tudo por total acidente e isso rende momentos hilários.

Pra falar das lutas, antes de mais nada, eu preciso falar da animação. Sim, é CG! E, não…por um MILAGRE, não é uma tragédia! Obviamente muita gente vai continuar odiando, torcendo o nariz, falando mal, dizendo que eu estou errado e que fiquei maluco mas…o CG funciona muito bem aqui! O modelo dos personagens é muito bem feito, o cell shading é bem aplicado e ainda usam um efeito de hachuras que fica muito bacana. Em resumo, é o CG que aquela adaptação NOJENTA de Berserk em CG queria ser e nunca conseguiu!

Sim, existe um momento ou outro em que os personagens ficam esquisitos, sobretudo os gigantes musculosos quando movem um braço pra cima ou pro lado e parece que um dos músculos sumiu dentro de seu corpo, mas isso é o de menos. A vantagem da animação em CG aqui é que o padrão de qualidade dos episódios se mantém, coisa que não acontecia com Baki ( que as vezes inventava de meter um CG no meio do episódio e ficava muito escroto), além de dar uma fluidez e realismo as lutas mas sem perder o tom dinâmico dos animes. Aliás, tanto as lutas quanto a movimentação de câmeras que contribuem para torná-las mais ágeis seria um ótimo referencial pra galera que produziu o novo Cavaleiros do Zodíaco dar uma guaribada naquelas lutas monótonas e com câmeras estáticas que vimos nos 6 primeiros episódios. GENTE, PELO AMOR DE DEUS, É CG!  QUASE NÃO HÁ LIMITAÇÃO NA HORA DE MOVER A CÂMERA OU ANIMAR UMA LUTA! FAÇAM A CÂMERA ENTRAR PELO CU DO SHIRYU E SAIR PELA BOCA QUANDO ELE FOR TACAR UM CÓLERA DO DRAGÃO NO INIMIGO! MEXAM ESSA PORRA!

https://www.youtube.com/watch?v=vOyCDGXep7Y

De negativo temos os clichês, tipo sempre arrumar uma história triste pro passado de cada maldito lutador antes ou durante as lutas e o lance do sujeito que está claramente quase morrendo sempre se recuperar no ultimo segundo, se erguer e vencer a luta com um golpe ou uma força tirada do rabo. Mas isso não é realmente negativo, pois caso fosse, todo e qualquer anime de ação teria esse problema. Mas de REALMENTE negativo só tenho a apontar o péssimo hábito da Netflix de ter uma série em animação já pronta e só me lançar metade dos episódios. Foi assim com Castlevania, onde lançaram 4 episódios pra só depois de muito tempo lançarem os 8 restantes, está sendo assim com Cavaleiros do Zodíaco, com 6 dos 12 episódios lançados (muita gente acha que é pra fazerem melhorias de acordo com as reações dos fãs mas eu duvido muito, pois se fosse assim Shun teria voltado a ser homem já que a mudança de sexo do personagem se mostrou irrelevante pra trama) , foi assim com Baki que, por alguma razão, teve os 24 episódios lançados lá fora mas a Netflix dividiu em duas temporadas de 12, e está sendo assim com Kengan Ashura, que teve 12 episódio lançados e já tem mais 12 prontos, sendo que a série termina ainda no comecinho do campeonato (Ohma só luta UMA vez no Kengan de Vida ou Morte pra você ter uma ideia do quão precoce foi esse fim de temporada).

Eu poderia apontar de negativo também as várias histórias puladas do mangá pra chegar logo ao campeonato mas eu não cheguei a lê-las, só “folheei” por alto e não me pareciam realmente essenciais pro desenvolvimento da trama, sem falar que o anime consegue construir uma história bem consistente mesmo limando essas partes.

No mangá existe um capítulo onde o Yamashita sonha que o Ohma é uma mulher com vestidinho de empregada e o fan sevice rola solto. Graças a Odin ignoraram isso no anime.

Ah, quanto a dublagem, eu não posso opinar. Assisti legendado mas vi alguns pedacinhos dublados e posso dizer que provavelmente capricharam pois o dublador do Yamashita é o Hélio Ribeiro, o mesmo dublador do Steve Martin, do Bill Pulman e do Robert De Niro, ou seja, não é aquela dublagem podre de Campinas que a Netflix enfia em algumas produções mais capengas pra economizar.

Bem, fica a dica: Kengan Ashura é anime de porradaria do bom e onde o CG acaba sendo um ponto mais a favor do que contra. Assistam, divirtam-se e sejam felizes!

Nota: 8,5