Review Paciente: O Justiceiro da Netflix.
O que está havendo com a Marvel…?
Sim, por que enquanto ela está indo muito bem nos cinemas com produções que se encontraram na fórmula “leve ,divertido e pra toda família”, na TV ela começou capengando feio com Agents Of Shield, a famosa série que “fica boa depois de uns 30 episódios”, partiram pra parceria Marvel/Netflix e elevaram o nível muitos degraus acima com a INCRÍVEL primeira temporada do Demolidor e fizeram um ótimo trabalho com Jessica Jones, que cometeu um único pecado: se arrastar demais. E enquanto Demolidor era uma série de ação com boas doses de humor (sem nunca cair no pastelão) e dramas (sem nunca cair na pieguice) Jéssica Jones era uma série sobre uma ex-heroína que agora era detetive particular, assim ninguém esperava uma série cheia de ação, claro (não duvido que algumas pessoas tenham criado essa expectativa errônea, óbvio), mas sim uma série com um roteiro envolvente, uma trama cheia de reviravoltas e um bom final. Boa parte das expectativas foi cumprida, com o bônus de ter um baita vilão na pele do adoravelmente revoltante Killgrave, mas, como eu disse, ela se arrastou demais com seus desnecessários 13 episódios quando uns 8 já resolveriam e fechariam muito bem a trama. Aí vinham Luke Cage, Punho de Ferro e a segunda temporada do Demolidor, que arrancou na frente e saiu antes e, de brinde, trouxe o Justiceiro entre os novos personagens. E foi aí que a coisa começou a ficar estranha…
A segunda temporada do Demolidor tinha um ritmo um pouco mais travado que a primeira e o roteiro parecia muito inferior em comparação. Não chegou a ser ruim, longe disso, mas se a primeira temporada era nota 10 a segunda ficava ali, entre o 7,0/7,5 e, por vezes, um 8,0 com muita boa vontade. Era o bom aluno que tinha relaxado. Aquilo parecia um sinal…um sinal de que algo muito errado estava pra acontecer. E aí vieram Luke Cage e Punho de Ferro, ambas as séries com heróis que prometiam grandes doses de ação, principalmente na estrelada pelo guardião de Kun-Lun. O sucesso seria certo, era só o caso da Marvel aprender com os erros da segunda temporada do Demolidor e colocar toda a ação vertiginosa e carga dramática da primeira em ambas. Mas, por alguma razão, acharam que seria uma boa ideia substituir isso pela fórmula “muita conversa e pouca ação” de Jéssica Jones, um erro que rendeu uma série do Luke Cage bem abaixo da média e uma série do Punho de Ferro bem abaixo da merda (sim, isso não foi um erro ortográfico, aquela série é uma bosta. Se não acredita, leia minha resenha AQUI e contra-argumente, se puder).
Aí foi anunciada a série do Justiceiro. O personagem tinha sido bem introduzido na segunda temporada do Demolidor, e parecia certo que a série solo do sujeito seria uma das mais fáceis, pois a proposta é básica quando se trata do Justiceiro: tiros, explosões, porradaria, morte e uma trama cheia de famílias mafiosas tremendo de medo à simples menção de seu nome. Uma fórmula simples! NÃO HAVIA COMO ERRAR! Mas aí olhamos pra trás e lembramos que a Marvel já errou TRÊS VEZES com filmes que não sabiam nivelar a história do personagem. O filme estrelado por Dolph Lundgren em 1989 entregava o protagonismo ao detetive vivido por Louis Gosett Jr. e fazia do Justiceiro um coadjuvante em seu próprio filme, isso sem falar na produção de baíxissimo orçamento e da direção capenga de Mark Goldblatt ( o sujeito só tem dois filmes no currículo como diretor e O Justiceiro é um deles).
O filme de 2004, estrelado por Thomas Jane, tinha uma pegada mais PG-13, um ERRO pra um filme protagonizado pelo personagem. O longa trazia momentos de humor, um Justiceiro mais contido, que preferia fazer “pegadinhas” ao enfiar uma bala nos miolos de seus inimigos, além de uma história de origem extremamente esquisita, com TODA a família não apenas de Frank Castle como de sua esposa, sendo mortas em um “almoço de domingo”. Ah, e por se passar todo na ensolarada Califórnia e mostrar um Frank Castle que se vestia com camisas floridas antes da morte de sua família, esse se tornou o famoso “Justiceiro do Havaí”.
Já Justiceiro: Zona de Guerra não parecia que ia falhar. No lugar de Thomas Jane entrou Ray Stevenson, um Frank Castle mais velho e mais pavio curto, o que era ótimo. O filme trazia muita violência e um dos principais vilões das Hqs do personagem, o Retalho. O grande problema é que a violência exagerada tomava ares cômicos, fator que era apenas fortificado pelos efeitos especiais baixa renda, e o vilão se tornou um Coringa genérico, cheio de piadinhas e extremamente irritante. Não era possível que a série da Netflix fosse cair nestes mesmos erros. Devo dizer que não caiu. Mas escorregou feio em muitos momentos…
Uma das coisas que eu sempre dizia em tom de piada sobre a vindoura série do Justiceiro assim que terminei de me torturar com Punho de Ferro era “Só falta o Justiceiro ser preso no primeiro episódio e a série dele se passar toda num tribunal com 13 episódios de conversação”. Como fui inocente. Não, a série não é assim, mas ela tem MUITA CONVERSAÇÃO SIM! A droga de uma série simples, onde só precisavam colocar um cara numa trama genérica onde caçaria bandidos e destruiria famílias mafiosas foi transformada na droga de uma série com uma trama genérica de conspiração governamental. Sim, transformaram o Justiceiro em um Jason Bourne de R$1,99.
Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala: O Justiceiro não é tão ruim quanto Punho de Ferro. Está ANOS LUZ longe disso, na verdade. Aliás, acho que só Inumanos pode lutar por essa “honra”, dado os reviews que li e ouvi por aí. O Justiceiro é lento SIM! Tem núcleos chatos SIM! Tem um ou dois personagens irritantes SIM! Mas compensa isso com muitos personagens carismáticos, alguns questionamentos morais pertinentes, uma relação de amizade que se constrói de forma convincente e cenas de ação empolgantes, mesmo que escassas. Isso sem falar no final que te faz se perguntar “Por que a luta final de Punho de Ferro foi aquela BOSTA? Por que não fizeram algo tenso e empolgante assim?”.
Eu não vou dar resumo da trama, já que este texto está tão enorme e eu nem comecei o review propriamente dito, então vou assumir que vocês assistiram a série e VOU DAR SPOILERS, assim sendo só leiam se tiverem mesmo visto ou se não ligarem. Primeiro vamos falar dos pontos negativos e que me incomodaram DEMAIS! E os minutos iniciais da série já conseguem esse feito mostrando os acontecimentos pós-segunda temporada do Demolidor, quando Frank Castle assume o manto do Justiceiro de vez e sai matando quem, em teoria, faltava para completar sua vingança. Isso dura QUATRO MÍSEROS MINUTOS contados no relógio! Aí o sujeito me queima o colete com a caveira e temos um salto de 6 meses onde um barbudo e cabeludo Frank Castle, sob a alcunha de Pete Castiglione (que, originalmente, era o nome de um famoso jogador de baseball), quebra paredes à marretadas em uma construção. Nesse momento eu só parei e pensei “Não, pera…é sério? Eu não vou ver uma série do Justiceiro? Vocês vão me entregar ‘As Incriveis Não-Aventuras de Frank Castle?’ “. E é EXATAMENTE O QUE ACONTECE POR DEZ EPISÓDIOS SEGUIDOS! Nada de uniforme com caveira no peito, só Frank Castle falando enquanto olha pros dois lados como se estivesse atravessando uma rua eternamente, cortesia da interpretação de uma nota só de John Bernthal. Sério, não acho o cara ruim…gosto dele como Frank Castle, apesar de não ter 2 metros de altura e se parecer com um tanque humano, como sempre é descrito nas HQs (Dolph Lundgren tinha o perfil certo, mas no filme errado). Mas o cara parece um desenho do Steve Dillon vivo, e isso conta MUITOS pontos a favor. Só esse hábito de falar tudo balançando a cabeça como se fosse o Stevie Wonder me incomoda um pouco por que parece que estou vendo o Shane (papel de Bernthal em The Walking Dead, lembra?) de um universo alternativo.
Outro fator de incomodo constante pra mim foi o “núcleo policial” da série. A agente Madani teve momentos em que eu me pagava com a cabeça longe de tão chato que sua parte na trama ficou. Ele só sabia remoer a morte de seu ex-parceiro e falar com sua mãe, a qual tem voz de atendente de disque-sexo,e seu parceiro quase-cômico. Eu tenho um sério problema com os núcleos policiais nas histórias do Justiceiro desde o filme com Dolph Lundgren. Como eu disse, o filme colocava o Justiceiro em segundo plano pra seguir uma dupla de detetives encabeçado por Louis Gossett Jr. e isso me irritava profundamente, mais que o próprio clima canastrão do filme. E isso se estendeu aos quadrinhos também, onde os detetives que apareciam na fase do Garth Ennis eram bem menos irritantes, mas eu já tinha um preconceito com eles por causa do trauma com o filme do Lundgren. Aqui não é diferente e o caráter monótono da trama envolvendo a Madani não ajuda.
Mais uma coisa que me incomodou e que foi totalmente contra não apenas o trailer da série como à natureza do personagem: Micro obrigando Frank Castle a NÃO MATAR! Isso foi de uma idiotice tal que eu não conseguia acreditar! Assim que os dois entram em acordo, Frank diz “Tudo bem, mas com uma condição. Eu mato todos eles!” ao que Micro responde “Por mim, tudo bem!”, essa cena está no trailer. Aí, minutos depois o cara me vem com “nada de matar, Frank”? VÁ A MERDA! O pior não foi isso, foi Frank Castle, O JUSTICEIRO, aceitar esta porcaria de condição! Sim, eu fiquei puto da cara e desgraçado da minha cabeça com isso!
Agora vamos aos pontos positivos! Em contraponto a esta ultima reclamação, a relação entre Frank Castle e David Lieberman, o Micro, é muitíssimo bem construída. Nascida da desconfiança e com alguns momentos onde você fica meio apreensivo( principalmente quando Frank parece estar a um passo de enfeitar a testa de David), ela se solidifica aos poucos e o que começou como uma relação de beneficio mutuo se torna uma amizade sincera e com um dos momentos mais emocionantes em um dos últimos episódios da série, quando Micro entra em desespero ao perceber que pode perder seu único amigo em muito tempo.
Um plot que começou meio sem pé nem cabeça pra mim estava nas reuniões de veteranos comandadas pelo Curtis. Não me entendam mal, achei as reuniões bacanas, o Curtis é um baita personagem a quem você se apega fácil por ter aquela aura de gente boa. Falo da atenção dada ao garoto Lewis Walcott e ao gordo chato cujo nome não lembro. Esse foi um plot que me pareceu meio jogado a principio, parecia ser apenas um pano de fundo pra mostrar a relação de amizade de Curtis e Frank e o contraponto nas escolha dos dois. Muito me surpreendeu o crescendo que a situação de Lewis teve e as implicações e consequências disso. O personagem não apenas mostrou a realidade de muitos dos jovens que passam por uma guerra como mostrou o que poderia ter sido de Frank Castle se a mão do destino virasse um pouquinho pra esquerda.
Agora vamos ao antagonista da série. E não, eu não estou falando daquele sacripantas do Rawlins. Falo, claro, de Billy Russo, melhor amigo de Frank e filho da puta de marca maior.E sabe o que foi mais legal nele? Minha falta de memória! Nesse momento você deve ter largado um justo “hein?”, mas calma que eu explico. Acontece que eu não lembrava de um pequeno detalhe referente ao nome Billy Russo, e é claro que me refiro ao fato do personagem ser o vilão Retalho, tão porcamente aproveitado em Justiceiro: Zona de Guerra. Só fui me tocar disso quando, lá pra frente, alguém o chama de “Billy, o belo” e aí me deu o estalo. Isso não apenas me fez pensar “CACETADA! Esse cara gente boa é, na verdade, um filho da puta!” como também me fez penar “ESSA É UMA HISTÓRIA DE ORIGEM!”. Dito e feito! O fato de colocarem o personagem como um amigo de Frank dos tempos das Forças Especiais não me incomodou de forma alguma, como pode ter incomodado muito fã mais puritano. Eu achei uma baita sacada, na verdade. E lembra que falei do combate final da série ser tenso e te deixar apreensivo? Pois é. Acontece que eu temia que fizessem o mesmo que fizeram com Ben Urich no Demolidor e matassem o personagem do nada, limando todo seu futuro como o vilão Retalho. E, em certo momento do combate, eu pensei que ia acontecer mesmo isso. Mas, não! Não apenas o sujeito sobrevive como tem sua “origem” magistralmente levada a cabo pelo Justiceiro e ainda se torna o gancho perfeito pra segunda temporada!
Agora vamos falar das cenas de ação. Como eu já disse, elas são poucas,isso é fato. Um pecado para uma série onde o personagem título deveria promover grandes cenas de carnificina a cada episódio. No entanto, elas são muito bem orquestradas. É IMPOSSÍVEL não largar um sorriso de satisfação com a cena da luta na construção perto do fim do primeiro episódio ao som de “Hell Broke Luce” do Tom Waits. Em compensação, te decepciona um bocado quando você descobre que vai demorar até ter outra cena que te empolgue tanto. E outra cena que empolga MUITO é a invasão ao esconderijo do Micro, onde vemos o Justiceiro que queríamos ver a série inteira, com direito a participação de um cover do Freddie Prinze Jr. Aliás, os episódios finais são bem bacanas e até redimem um pouco a lentidão da série. Não que eles se tornem mais velozes, mas ficam mais empolgantes por que é onde as pontas começam a se amarrar de vez.
https://www.youtube.com/watch?v=HhPqY0mO5Qg
Enfim, O Justiceiro ainda sofre da lentidão das séries Marvel pós-Jessica Jones, tem uma gordura que poderia ser facilmente retirada se diminuíssem sua duração para uns 6 ou 8 episódios, mas está longe de ser a pior série Marvel/Netflix, cargo ocupado com LOUVOR pelo novelão mexicano que é o “Usurpapunho de Ferro”. Ela deixa um baita gancho pra uma segunda temporada com muito potencial, basta os responsáveis pararem de pensar “temos que preencher treze episódios…como fazemos isso? Já sei! Vamos colocar tramas chatas e arrastadas que ninguém que ver e que vão servir apara fingirmos ter conteúdo intelectual!” e se focarem no fato de que o personagem nada mais é que um brucutu de filmes de ação. A família Gnucci é citada no primeiro episódio e eu vibrei com isso só pra descobrir que deixaram ela de lado pra fazer dessa primeira temporada um Tropa de Elite 2, com o Justiceiro ainda batendo na tecla do “meus superiores me traíram”. Espero que a segunda temporada se foque na união do Retalho com a Mama Gnucci, quem sabe. Assim a série me ganha desde o começo, e não aos 45 do segundo tempo como essa primeira temporada.
Nota: 6,5 (sim, a nota é baixa por que não assistiria tudo de novo, como faria fácil com Demolidor).
PS: Caso tragam a Mama Gnucci para a série, PELO AMOR DE ODIN, NETFLIX, CONTRATEM A CÁSSIA KISS PRO PAPEL!