Review Nacional: Lâmina Selvagem
Func, func…sentem esse cheiro…func, func…é cheirinho de anos 90…
Olha, vou ser bem franco aqui: A maioria ESMAGADORA dos autores nacionais de quadrinhos que aparecem querendo fazer um “super-herói nacional” se mostram verdadeiras máquinas de xerox do que liam nos anos 90, com muita enfase em Image, a editora que apostava em muito visual e pouco conteúdo na época. Os personagens são, em sua maioria também esmagadora, cópias descaradas de personagens americanos, os plots são cópias descaradas de HQs famosas e, as vezes, até os desenhos são cópias descaradas de desenhistas famosos. E não falo apenas do traço não, falo das poses dos personagens e das composições de cenas! São praticamente decalques feitos em uma cara de pau de fazer inveja a mais perfeita mesa de jacarandá!
No entanto, no mundinho desses sujeitos, eles estão fazendo algo inovador para o quadrinho nacional, o qual já tem muita gente fazendo algo inovador DE VERDADE e sem precisar copiar ninguém e nem soar datado pra cacete, como Danilo Beyruth (Necronauta, Bando de Dois) Shiko (Lavagem), Vitor Cafafggi (Valente) e Bianca Pinheiro (Bear), só pra citar alguns que preferem homenagear vez ou outra as coisas que liam na adolescência do que se pautar somente nisso pra criar um “estilo sem estilo”. Por que estou falando tudo isso? Porque irei falar de uma HQ nacional que, para mim, tem o diferencial de ser feito por um conterrâneo de Pernambuco, mas não vou deixar argumentos como “Vamos apoiar a HQ nacional” ou “Uma HQ feita por gente da minha terra” influenciar no meu julgamento, como vi muita gente fazendo. Vou ser honesto e direto. Então, senhoras e senhores, lhes apresento o projeto independente que nasceu do Catarse, Lâmina Selvagem de Adriano Silva.
Mas primeiro, uma breve sinopse: Em 1993 uma empresa chamada Biotec, localizada no Rio de Janeiro, começa a realizar estudos no uso da biotecnologia, no entanto os testes em animais tem se mostrado desastrosos. Preocupado com a falta de avanços e impossibilidade de fazer testes em humanos, o presidente da Biotec, o Sr. Liefeld, recebe uma dica de seu cientista chefe: E se utilizassem mendigos como cobaias, já que não haveriam procuras por párias da sociedade desaparecidos? Liefeld concorda e a pesquisa se segue. Anos depois, um grupo de super-soldados chamados de Esquadrão Selvagem surge combatendo o crime nas ruas do Rio, eles são o resultado de anos de pesquisa da Biotec no ramo da nanotecnologia. O que muitos não sabem é que os corpos do integrantes do Esquadrão Selvagem estão recusando os implantes nano-tecnológicos que agora os consomem como um tipo de câncer. Paralelo a isso, a Biotron, uma empresa rival, rouba os dados da pesquisa da Biotec afim de não apenas fazer uso de sua tecnologia mas, também, de aperfeiçoa-la. O resultado é a criação de um ciborgue chamado Mutilador, o qual usa uma armadura de metal moldável graças ao uso da nanotecnologia e que é programado para caçar e matar todos os integrantes do Esquadrão Selvagem. Após um ataque letal ao Esquadrão, o único sobrevivente é Anderson, o qual começa sentir fortes dores de cabeça e ter flashbacks de uma vida da qual não se lembrava. Após invadir a Biotron afim de descobrir um modo de parar o Mutilador, Anderson é preso e acaba sendo submetido ao mesmo procedimento para se tornar um ciborgue assassino. Só que algo dá errado e Anderson foge, agora também munido de uma armadura de metal moldável e disposto a buscar vingança.
Como já deu pra notar, o roteiro não é nada de inovador, mas a maneira como a história é pobremente contada acumula uma série de pontos contra. Segundo o próprio autor logo na introdução da edição, ele diz que gosta de misturar ficção a fatos históricos e usa a famosa Chacina da Candelária como pano de fundo para o inicio da trama. No entanto, isso é pouco explorado no decorrer da história e, caso o autor não avisasse em sua introdução, tal fato passaria completamente desapercebido.
Mas esse não é o único problema da trama. A HQ sofre com diversos problemas narrativos! A história é corrida demais em alguns momentos, em outros dá saltos estranhos de tempo, não faz as transições de cena de forma fluída, esbarra em incoerências constantemente e os clichês comem soltos pelas páginas. Vou dar alguns exemplos de incoerência começando pelo fato de o Esquadrão Selvagem ser apresentado como seres superpoderosos e praticamente imparáveis. Porém, algumas páginas após isso ter sido estabelecido, quase todos os membros são mortos em uma emboscada feita por traficantes armados com fuzis. Mais adiante, Anderson, o personagem principal, invade a Biotron afim de descobrir mais sobre o ciborgue Mutilador mas é atacado por um cientista que ATIRA PARA MATAR. Ele derruba o cientista que, em seguida, larga um “Eu vim ajudá-lo” totalmente incondizente com sua ação anterior seguido de “É você quem eles querem” dando uma importância ao personagem principal para os planos da Biotron que não fora estabelecida até aquele momento. É tudo simplesmente jogado na sua cara com a esperança de que você aceite sem questionar muito.
Outro problema sério também está na parte do letreiramento. Mas aí não sei se estava estabelecido no roteiro ou se foi algo do/da letrista, mas o fato é que o uso de aspas aparece fora de lugar MUITAS VEZES! Quem lê quadrinhos sabe que as aspas muitas vezes são usadas quando um personagem está falando e a cena no quadrinho ou página seguinte muda e sua fala se torna um breve “voice-over”. No entanto, se uma cena já começa com o voice-over dentro do balão e não em uma caixa de recordatório e a cena seguinte mostra quem está falando, as aspas não são necessárias. Já em uma determinada cena um personagem está fazendo um discurso grande e em um dos quadrinhos em que ele está presente, resolveram que seria uma boa ideia não colocar o balão mas sua fala solta no ar entre aspas. Em outro momento, o vilão Mutildor fala atrás do personagem Lâmina Mortal e, ao invés de colocar um balão com a “perninha” apontando pra fora da cena indicando que ele estava ali, preferem colocar um box com o a fala entre aspas, dando a impressão de que era uma lembrança e não uma frase dita no momento. Ah, cabe também destacar o “uso armadilha” de um asterisco no inicio do primeiro capítulo, quando um cientista diz a frase “…uma enzima chamada tripisina*” e você passa um minuto procurando nas bordas dos quadrinhos e da página tentando encontrar a explicação do que é “tripisina” até perceber que esqueceram de colocar.
E continuando em problemas narrativos, tem algo que é incomodamente comum nas HQs nacionais de super-heróis e que o Felipe Garcia, nosso querido Cavalo Manco, me fez perceber uma vez: Os caras fazem a HQ com o visual Image mas escrevem igual ao Chris Claremont nos anos 70/80. Não entendeu, jovem mancebo? Bem, caso você não conheça Chris Claremont, ele foi um dos mais importantes roteiristas dos anos 70/80, sobretudo para a mitologia dos X-Men. Só que o sujeito não é conhecido apenas pelas histórias memoráveis que escreveu, ele é conhecido também por ser um dos roteiristas mais REDUNDANTES de todos os tempos. Sim, nos anos 60/70/80 e até parte dos 90 era comum o roteiro das HQs terem redundância entre o texto e a arte, mas o Claremont pesava a mão nesse aspecto! Por exemplo, se um personagem tropeçasse e caísse, na caixa com recordatório estaria escrita “Sem esperar, Fulano tropeça e cai de repente” enquanto o personagem falava enquanto caia “Oh, céus! Tropecei e estou caindo!” sendo que a mensagem já estava bem clara no desenho. Em Lâmina Selvagem esse tipo de redundância é amplamente utilizada, só que as vezes ela serve pra tapar os buracos da narrativa visual e aí já é um problema da arte da HQ. Então, vamos falar dela agora!
Os desenhos ficam a cargo de Ricardo Jaime com as cores de Mike Stefan. E, muito honestamente, apesar de emular o estilo Image, onde a imagem era tudo, com grandes cenas criadas afim de impactar o leitor, aqui a arte falha nesse quesito (se bem que a própria Image também falhava no que se propunha…).Os desenhos não são horríveis, como muitos projetos que vejo no Catarse onde os desenhistas parecem não ter noções de suas limitações e os exibem sem nenhuma humildade, muito pelo contrário, aliás, o fazem com um orgulho quase desdenhoso. Porém são genéricos, sem identidade própria e, assim como o texto, sofrem de problemas estruturais tanto narrativamente quanto em termos de anatomia e proporções (infelizmente não achei imagens das páginas das quais falarei doravante, as duas acima são de uma pequena história introdutória no começa da edição que tem uma arte melhor cuidada). Na parte da narrativa usarei como exemplo uma cena onde um traficante com uma bazuca encurrala o Esquadrão Selvagem e é incentivado a atirar por seu comparsa. A cena corta pra um interlúdio súbito e volta pra cena da bazuca na mesma página, deixando tudo confuso, sem falar que não é mostrado a bazuca sendo disparada nem a explosão resultante, só vemos o Esquadrão Selvagem entre misteriosas chamas e só vamos entender o que aconteceu quando vemos o traficante comemorando com a bazuca soltando fumaça.
No tangente a anatomia, temos personagens mudando de rosto de um quadrinho para o outro além de erros anatômicos grosseiros, como em duas cenas com o Mutilador. Em uma delas ele aparece com o tronco muito fino em relação a pernas muito grossas sendo que uma delas é mais grossa que a outra. Em outro momento onde a coxa do personagem é desenhada tão curta que a mão dele fica na altura do joelho.
As cenas de ação também não causam impacto algum e se resumem a “saltinho em posição selvagem” e “rasgação de inimigo com garras”. E todas se resolvem rápido demais.
Agora vou falar de algo que salta aos olhos assim que se olha pra capa da HQ: Adriano Silva era um baita fã da Image! Isso fica claro não apenas pelo nome do presidente da Biotec ser Liefeld como fica escancarado no visual do próprio Lâmina Selvagem, que nada mais é que uma cruza do Backlash com o Warblade do WildC.A.T.S, ambos personagens da editora nos anos 90. Caso você não conheça os personagens em questão, deixarei o comparativo logo abaixo:
Além do visual, as tramas governamentais cheias conspirações envolvendo grandes industrias que faziam uso de tecnologias experimentais eram a tônica mais comum nas tramas da Image, sobretudo nas super-equipes criadas pelo cambalacheiro de marca maior, Rob Lifeld.
Bem, uma coisa que muita gente já deve ter feito foi ter dado tapinhas nas costas do Adriano Silva e parabenizá-lo pela perseverança de ter colocado seu sonho no papel e ter conseguido publicar sua HQ de forma independente. Isso, obviamente, é digno de reconhecimento e congratulação, não nego e, inclusive, também o felicito por isso. No entanto, como leitor de quadrinhos, não deixo a história fora das páginas influenciar o que estou vendo nelas ( a menos que seja uma biografia em quadrinhos, como o maravilhoso Maus, mas vocês me entenderam) e se existem falhas no projeto eu não vou relevá-las por isso. Como leitor, eu estou lendo para me entreter, me divertir e, porque não, tirar uma mensagem do que estou lendo. E Lâmina Selvagem não conseguiu alcançar esses objetivos comigo . A HQ não me entreteve, pois a história não conseguiu me manter preso do inicio ao fim me fazendo largar a HQ de lado muitas vezes. Ela não me divertiu, pois as constantes constatações de “já vi isso antes” e os erros citados durante todo o post só me faziam sentir vontade de largar de vez a história. E, sobretudo, a mensagem deixada foi a já dita antes: Autores nacionais que querem enveredar pelo mundo dos super-heróis…busquem uma linguagem própria! Não deixem o saudosismo se tornar seu estilo! Homenagear uma HQ, um personagem ou uma fase que lhe introduziu ao mundo dos quadrinhos é bacana, mas juntar tudo isso pra criar algo e chamar de “novo” não! Isso só funcionária, talvez, em tom de paródia, mas o problema é que quem vai por esse caminho quer trilhá-lo do modo mais sério possível e isso é garantia de um trabalho cheio de conceitos datados, batido, carentes de originalidade e identidade!
Mais uma vez parabenizo o Adriano Silva pelo esforço e pela conquista, pois sei que não foi fácil. Mas quero que, caso ele venha a ler essa critica, não a tome como algo destrutivo mas como um indicativo dos problemas que ele pode reavaliar e corrigir em seus projetos futuros se achar que o que foi dito aqui lhe faz algum sentido. Então, para o esforço e pela conquista do Adriano eu dou nota 10, mas pelo produto final, infelizmente é…
NOTA: 2,0
PS: Já que estou falando sobre problemas com originalidade, me permitam estender o assunto pra o campo do mangá nacional. Sim, a carência de originalidade nesse meio também é gritante! Já vi muito mangá independente cujo os autores claramente emulavam One Piece, Naruto e, claro, Dragon Ball Z. Alguns, inclusive, publicados por editoras pequenas no circuito comercial! Então o aviso do “busque sua identidade” serve pra vocês também! Não se limitem a imitar o traço ou a história desse(a) ou daquele(a) autor(a), absorvam o que lhes agrada mas criem sua própria identidade. Certa vez fui praticamente coagido por um amigo a participar do projeto que um amigo dele estava fazendo para um mangá e queria transformar em animação de todo jeito! Ele dizia “Você precisa ver! A história é muito boa e os personagens já estão desenhados e são FODAS!” e quando ele foi me contar do que se tratava, nada mais era que uma mistura de Dragon Ball Z com Slayers que o sujeito assistia a exaustão na Band no inicio dos anos 2000. Nunca mais vi esse meu amigo, o tempo e os afazeres nos afastaram, mas quem dera encontrá-lo hoje em dia pra dizer tudo isso sem o mesmo constrangimento que me impediu de fazê-lo na época. Acho que precisamos de mais criticas construtivas do que tapinhas nas costas seguidos de um “Continue assim!” incentivando erros nesse meio.
PS2: A HQ ganhou uma “sinopse desenhada” que nada mais eram que 17 páginas apresentando os conceitos e personagens que viriam a fazer parte do produto final. É impressionante ver como a arte desse preview, mesmo ainda tendo o estilão Image, era assustadoramente melhor do que o que foi apresentado no produto final. Um downgrade e tanto…