Review Miraculoso: Miracleman.
♪♫ LÁ VEM O HOMEM-MILAGRE CORRENDO ATRÁS DE MIM! O HOMEM-MILAGRE QUE NÃO TEM ALMA E NEM CORAÇÃO!♫♪
Pra mim, Miracleman sempre foi um personagem que aparecia vez ou outra numa nota pequena de revistas tipo Herói, Comix Magazine, Heróis do Futuro e tantas outras que falavam sobre cultura pop/nerd nos anos 90. Eu não dava muita bola porque o personagem não era conhecido como um Homem-Aranha, Batman ou Superman. Pra mim, era só um cara loiro vestindo uma roupa azul estranha.
Anos se passaram e em 2013 a Marvel anuncia que vai relançar as revistas do personagem em 2014. Um burburinho gigante toma a comunidade de leitores de quadrinhos e eu continuei sem entender o porque, pois pra mim, continuava sendo aquele personagem que aparecia nas notas das revistas. Nem o nome “Alan Moore” me fez dar atenção ao anúncio. Dezembro de 2014 chegou e a primeira edição foi lançada no Brasil pela panini com três capas alternativas. Nessa época a Panini já havia diminuído o número de páginas de suas mensais e aumentado os preços e eu já não estava lendo quase nada que não fosse encadernado em capa cartão, e Miracleman ter apenas 68 páginas custando R$8,20 não ajudou em nada a captar meu interesse. Mal sabia eu que 6 anos depois isso ficaria ainda pior…
E chegamos a 2020 e ao anúncio do relançamento de Miracleman em uma edição de luxo e que provavelmente vá custar os 3 olhos (os dois da cara e o fedorento de “Thundera”), e então lembrei que na comic shop da cidade estavam vendendo algumas edições antigas da Panini por R$3,00. Elas correspondiam a ultima fase do Moore, chamada Olimpo. Comprei e iria ler só elas mas pensei “Por que não ler tudo e descobrir qual é da fama dessa história?”. Então baixei o scan (SIM, EU BAIXEI SCAN, SIM! SÁPORRA É VENDIDA CARA BAGARAI HOJE EM DIA), li…e percebi que ler a totalidade da obra escrita por Alan Moore não foi apenas uma decisão acertada mas também necessária.
Quem já é velho conhecido de Miracleman não vai achar nada de novo nesse post, não vou dar detalhes secretos ou curiosidades sobre a criação da saga de Alan Moore dando continuidade ao trabalho de Mick Anglo. Esse post trata simplesmente das impressões de alguém que acaba de conhecer o personagem e essa fase tão famosa. Mas pra galera que não conhece o personagem, vale um breve resumo de como ele surgiu. Miracleman surgiu em 1954 como uma medida desesperada da editora inglesa L. Miller & Sons,Ltd que publicava com enorme sucesso as histórias do Capitão Marvel/ Shazam. O problema é que a revista foi cancelada nos EUA e a editora ficou sem sua publicação de maior sucesso. Pra tentar tapar esse rombo, o escritor e desenhista Mick Anglo criou o personagem Marvelman, que nada mais era que uma cópia safada do Capitão Marvel/Shazam, com basicamente o mesmo plot e os mesmos poderes, com diferenças pontuais aqui e ali. O nome Marvelman foi mudado para Miracleman para evitar posteriores tretas com a Marvel. Em 1982 a editora Quality Communications resolve lançar uma revistas de antologias com personagens britânicos. É aí que Alan Moore entra com sua versão modernizada e sombria de Miracleman, sem descartar nada do que Mick Anglo havia criado mas usando tudo isso para criar um plot novo, perturbador e que viria a influenciar tantos outros autores no futuro além de ser uma espécie de laboratório de Moore para conceitos que usaria em outras de suas obras famosas, como Watchmen, por exemplo. Esse é um resumão bem básico mas você pode encontrar mais detalhes nesse raríssimo post escrito pelo Churrumino em 1602, basta clicar AQUI.
A história de Miracleman começa com Micky Moran, um jornalista freelancer de meia idade que tem tido estranhos pesadelos ultimamente. Neles, ele é um homem diferente, mais jovem, alto e forte e usa um uniforme azul além de poder voar e ter superpoderes. Ele é acompanhado por dois outros super-seres, um adolescente e um menino. O trio voa em em direção ao que parece ser uma aranha de metal gigante prestes a entrar na atmosfera da Terra. Ao se aproximarem, a aranha de metal explode e as chamas engolem seus dois parceiros de aventura derrubando Micky longe enquanto sua pele queima. É nesse ponto do sonho que ele sempre acorda, sendo amparado por sua esposa, Liz. Segundo ele, além do sonho que se repete quase toda noite, uma palavra martela em sua mente mas ele não consegue lembrar qual é.
As coisas mudam drasticamente quando Micky sai para cobrir um protesto numa usina nuclear mas acaba sendo feito refém junto a outros jornalistas por um grupo de terroristas. Micky passa mal e é arrastado para fora do local por um dos sequestradores. É quando ele vê, refletido em uma porta de vidro, a palava “Atomic” ao contrário e lembra que a tal palavra que martelava em sua mente era justamente “Kimota”. Ele a profere e uma grande explosão acontece. Micky Moran some e dá lugar ao poderoso Miracleman. Mas não sem consequências, já que a explosão decorrente de sua transformação deixa o sequestrador que o arrastava cego, surdo e com sérias queimaduras. Miracleman derrota os sequestradores e corre para casa para contar a Liz sua descoberta, a qual ri com cada detalhe das antigas aventuras narradas pelo herói, todas, obviamente, baseadas nas histórias escritas por Mick Anglo nos anos 50,ou seja, tudo era inocente e bobo demais. O que nem Micky nem Liz sabem é que a inocência dessas memórias do Miracleman escondem uma verdade mais complexa e sombria envolvendo criaturas alienígenas, manipulação genética, manipulação mental e os planos de um homem obcecado por se tornar um deus moderno, o cientista conhecido como Dr. Gargunza.
Enquanto escrevia esse post (que deveria ser MUITO MENOR) comecei a pensar se deveria dar detalhes da trama. E decidi que a melhor opção era não fazê-lo. A questão é que creio que seja uma boa experiência para quem não conhece praticamente nada do personagem, descobri-lo aos poucos, assim como aconteceu comigo. Se você é uma dessas pessoas, acredite, apesar de muitos conceitos da HQ serem tão comuns hoje, saber que eles tiveram origem exatamente aqui a torna muito mais admirável e até chocante. Então, basicamente, darei algumas considerações sem entrar demais no plot.
O fato mais notável em Miracleman é como Alan Moore pega um conceito tão inocente quanto o do Capitão Marvel/ Shazam, tira a fantasia da equação e, em seu lugar, insere elementos de ficção cientifica trazendo uma maior verossimilhança e uma crueza que até incomodam em certo momento. Mas um incomodo necessário pra trama, um incomodo que vem do uso da lógica em muitas questões que no Capitão Marvel ou mesmo no próprio Miracleman dos anos 50 não se dava muita atenção. Como esse garoto se torna um homem adulto e superpoderoso? Será que a mente dele continua agindo sobre esse corpo ou ele é algo totalmente diferente agora? O que uma criança com super-poderes faria? Seria um herói mesmo? O que impediria um desses super-seres de dominar o mundo? E como eles dominariam o mundo? Através da paz ou da violência? Existe paz na dominação? A raça humana está realmente no topo da preocupação desses ditos super-heróis? Até que ponto eles tem empatia com os humanos?
Some-se a tudo isso um trabalho narrativo que garante momentos espetaculares não apenas graças a Alan Moore (que eu jé escrevi Alan Morre umas 6 vezes enquanto escrevia esse post) mas aos fantásticos artistas que o acompanharam durante toda a saga, com destaque especial para John Totleben, que desenha todo o terceiro e ultimo arco da fase do Moore e transforma a HQ praticamente em uma mini-exposição de arte. Até mesmo em uma das páginas duplas mais perturbadoras que já vi em uma HQ presente na edição número 15, que é também uma das histórias envolvendo combate entre super-humanos mais perturbadoras que já li.
Ah, vale citar que muitos artistas que se tornariam famosíssimos mais tarde, trabalharam em Miracleman, como Alan Davis, Steve Dillon e até o Chuck Austen, que seria conhecido anos mais tarde como o roteiristas de uma das PIORES fases dos X-Men. É, Austen…deveria ter ficado só nos desenhos mesmo…
O único ponto negativo que me vem a mente é o fato do Alan Moore ENTUPIR as poucas páginas de que dispunha de textos. Isso não pesa tanto até chegarmos na edição 11 onde começa o terceiro arco, intitulado Olimpo. Ele é completamente narrado pelo Miracleman, até então a narrativa tinha mais participação de Micky Moran, e em uma edição Moran fala que o Miracleman pensa de forma poética. E quando chega a edição 11 em diante, o sujeito narra TUDO de forma desnecessariamente longa, empolada e simbológica. Um avião não é um avião, é uma ave de metal que singra os céus, a cidade não é uma cidade, é o lençol de luzes que se estende abaixo do firmamento abrigado pequenas fagulhas individuais que por ali transitam, um cu não é um cu, é um tecido endoplasmático rugoso que repousa entre as nádegas que se elevam como montes e blá,blá,blá…o que me faz pensar que se eu tivesse começado por aí, como eu quase faço, talvez eu não tivesse continuado. Mas, passando esses monólogos chatos pra porra, a história volta a engrenar.
Como eu disse, não vou me aprofundar na trama, vou dizer apenas que LEIA MIRACLEMAN! Não importa o meio, se a Panini lançar custando o preço de um carro popular ( o que é certo que irá acontecer), procure os scans feitos a partir das edições da Tannos lançadas no Brasil no final dos anos 80 mas re-traduzidas pra corrigir alguns erros. São fáceis de achar.
Miracleman não é apenas uma ótima HQ, ela é o berço das HQs de questionamento sobre os pontos de vista dos super-seres, suas fraquezas, suas falhas e seu laço frágil com a humanidade. Merece ser descoberta, lida e reverenciada.
Nota:9,5 (só não dou 10 por causa dos monólogos que ainda ecoam chatice na minha alma.)