Review Mangástico: Cidade da Luz
Esse lugar era uma colina, por isso é bem ensolarada. É por isso que chamam de Cidade da Luz.
Inio Asano foi publicado pela primeira vez no Brasil em 2011 pela L&PM que trouxe Solanin em 2 volumes pela sua linha Pocket. Não comprei na época por não saber do que se tratava, apenas anos depois, quando o volume 1 se tornou uma raridade e descobri do que se tratava, resolvi ir atrás. Por sorte consegui comprar os dois volumes mais baratos que o preço da época, já que em 2011 custavam R$15,00 cada volume e quando comprei, creio que em 2017, só se encontrava o volume 2 nas lojas e estava por uns R$28,00 e o volume 1 só se encontrava nos market places e a galera tava cobrando de R$80,00 pra cima. Paguei R$27,00 nos dois volumes graças a velha e boa garimpada em rincões pouco visitados da internet. Recentemente a L&PM relançou os dois volumes e você encontra baratinho na Amazon.
“Mas o que diabos essa história tem a ver com o post, tio Hellbolha?” vocês devem estar se perguntando, impacientes leitores e leitoretes! Bem, Solanin foi a primeira obra do Inio Asano que li e ela me acertou na alma! A trama gira em torno de um jovem casal que lida com as dificuldades da vida adulta e as desilusões que nos afligem a todos em algum momento. Porque eu estou nesse emprego se eu poderia fazer mais? Será que vou viver o resto da minha vida assim? O que aconteceu com aqueles sonhos que eu tinha quando era mais novo? E por aí vai.
Solanin é uma história que tem momentos felizes, tristes, introspectivos mas, ainda assim, é uma história que termina com um tom de “a vida continua, vamos tentar viver da melhor maneira que podemos, por nós e pelos nossos”. Depois disso quis ler mais do Asano e corri pra comic shop da cidade pra pegar um dos dois outros mangás do sujeito que haviam sido lançados aqui. A JBC lançou Nijigahara Holograph no que, na época, era o “formato de luxo” e hoje é só o mangá comum de banca com capa cartão mais durinha e papel off set custando R$24,90. A Panini lançou Cidade da Luz ( Hikari no Machi) no formato tradicional, capa cartão um pouco mais vagabunda e papel jornal custando R$13,90. Até pensei em pegar Nijigahara Holograph mas estava esgotado, então levei Cidade da Luz. E foi aí que veio a primeira porrada na alma que levei do Inio Asano. Mas primeiro, uma sinopse básica:
Um conjunto de apartamentos construídos em uma antiga colina, o que faz com que a luz do sol bata diretamente neles, ganhou o apelido de Cidade da Luz. De longe, parece um lugar calmo e comum como qualquer outro. Mas assim como em qualquer lugar comum e calmo, basta olhar mais de perto pra descobrir que por trás de toda calmaria tem sempre pequenas tempestades. E são as tempestades de alguns dos moradores da Cidade da Luz que vamos acompanhar e descobrir que apesar de cada uma dessas pessoas ter um mar revolto de emoções pessoais, as vezes esse mar sangra e deságua no mar de outros formando uma grande onda que acaba quebrando nos arrecifes do destino. E toda onda quebra nos arrecifes… ( Nossa… não sei se fui profundo ou extremamente brega aqui…)
Se em Solanin o menino Asano se focava nas relações de um casal comum, seus sonhos e aspirações e seus questionamentos perante o mundo, em Cidade da Luz Asano trabalha elementos que se tornarim recorrentes em seus demais trabalhos: A crueldade humana, a completa falta de empatia, o desespero e o desamparo, a fragilidade das relações, o encontro de almas perdidas e, apesar de tudo isso, o amor em meio ao caos. Porém, nem sempre com final feliz. Aliás QUASE NUNCA COM FINAL FELIZ, ASANO, SEU DOENTE!
Pra vocês terem uma ideia do nível de desgraçamento mental de alguns dos personagens, nos vamos ter 3 histórias centrais, uma curta além de um prólogo e um epílogo. Nessas 3 histórias centrais vamos conhecer um garoto cuja profissão é acompanhar suicídios e meio que “dar apoio” aos suicidas pra seguirem em frente com seus “planos”, dois sujeitos que moram juntos e criam uma menina que pode ser filha tanto e um quanto do outro e enquanto um deles tenta viver decentemente o outro é um criminoso e, por fim, um mangaká extremamente pessimista que resolve tirar um dia de folga pra dar um passeio com a namorada. Esse plot do casal é o mais “leve” e “normalzinho”, porém, como eu disse antes, todas essas histórias vão se cruzar em algum momento, direta ou indiretamente.
O bacana das obras de Inio Asano é que ele escreve roteiros que num primeiro momento parecem simples mas depois que você lê uma segunda vez vai percebendo detalhes que ficam em segundo plano mas falam muito do que não é verbalizado e também vai notando as ligações intrincadas entre as tramas. Até um simples gato que aparece em dois momentos rápidos em todo o mangá vai ter um significado no final.
Apesar de enfiar o dedo na ferida da cultura japonesa da cobrança por perfeição, seja na escola, faculdade, vida profissional e vida como um todo e como os japoneses estão um tanto alheios aos problemas que esse comportamento acarreta na saúde mental de cada indivíduo, Asano acaba trabalhando a ideia de ciclos. Tudo está destinado a se repetir, a questão é como você vai administrar a nova “volta” quando chegar ao ponto de partida novamente. O final do mangá leva esse conceito de ciclo a um nível mais elevado revelando que nem todo ciclo vai ser perfeito como se espera mas o importante é torcer pelo melhor para os que já não estão mais presos ao nossos ciclos.
Rapaz…eu fui bem vago nesse review, né? Mas é que explicar um mangá do Asano é complicado sem ter que dar spoilers. E Cidade da Luz merece ser lido. Uma história dura e cruel em muitos momentos mas que também guarda momentos de beleza. Não sei se pode ser encontrado facilmente ou barato online, mas… dá pra encontrar online, se é que me entendem…
NOTA: 8,0
PS: Planejava ler Nijigahara Holograph logo em seguida mas esqueci que tinha guardado num lugar onde preciso tirar caixas pesadas da frente e não estou podendo pegar peso graças a cirurgia que fiz recentemente. Porém, devo dizer que esse “escancaramento” do comportamento mesquinho que os japoneses parecem ter entre si que o Inio Asano demonstra em Cidade da Luz é levado a enésima potência em Nijigahara Holograph. E isso, unido a seu roteiro cheio de complexidade embrulhado enganosamente num papel de simplicidade faz, sem querer entregar muito, o filme Efeito Borboleta parecer uma comédia da Globo Filmes. Foi o primeiro e único mangá que eu li duas vezes seguidas pra tentar entender. Continuei não entendendo totalmente e, ainda assim, achei maravilhoso!
PS 2: Inio Asano elevaria o fator “desgraça humana” a níveis radioativos num mangá que tem o primeiro volume mais aparentemente inofensivo de todos: Boa Noite Punpun. Esse negócio é uma espiral descendente de desgraceira! E o pior é que eu e o Evandro dissemos isso pro Godoka tentando impedi-lo de comprar o primeiro volume do mangá. E graças a nossos alertas ele não comprou o primeiro volume! Não…ELE COMPROU O BOX COMPLETO! E o pior…ELE ADOROU! Meu Deus, onde esse mundo vai parar…