Review Literário: 666- O Limiar do Inferno

Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela não, porque na casa NÃO TINHA UM DEDO DE DEUS!

Já faz algum tempo que li 666-O Limiar do Inferno e queria fazer algo sobre o livro, ou um Review.MP3 ou mesmo um vídeo. Mas a minha vida se tornou um caos nesse último mês e desisti desses dois formatos e resolvi voltar ao velho e bom post escrito que pode ter menos alcance mas come menos tempo e demanda bem menos trabalho. Isto posto, tentarei ser breve. “Tentarei” com muitas aspas, porque quem é leitor antigo sabe que dificilmente eu consigo…

Antes de falarmos do livro, precisamos voltar no tempo, mais especificamente pra o número 112 da Ocean Avenue localizada na vila de Amityville, Long Island. Em 1974 o jovem Ronald DeFeo, de 23 anos, assassinou seus pais e seus 4 irmãos menores com tiros de espingarda. O crime já é mórbido em si, porém dois detalhes o tornam ainda mais assustador. O primeiro é que TODOS morreram de bruços em suas camas com pelo menos um dos braços pendendo pra baixo, como se alguém os tivesse segurado por debaixo da cama. O outro é que foram tiros de espingarda durante a madrugada e nenhum dos membros da família acordou com o barulho dos disparos.

Em 1975, a família Lutz se mudou para a casa 112 na Ocean Avenue após adquiri-la por um preço muito abaixo da tabela de mercado. Porém, o que parecia ser a casa dos sonhos se mostrou a morada dos pesadelos quando todos os membros começaram a serem vitimas de estranhos acontecimentos sobrenaturais. Após apenas 28 dias, os Lutz fugiram da casa sob uma forte tempestade deixando todos os seus pertences para trás.

Entre 1976 e 1977, o escritor Jay Anson coletou documentos e entrevistas afim de organizar tudo cronologicamente em forma de livro. E assim, em 1977 chegava as lojas o livro Horror em Amityville que se tornou um best seller. O livro foi o maior sucesso da carreira de Anson que era mais conhecido como roteirista de documentários e filmes pouco expressivos.

Em 1980, Anson lança um novo livro que contava a história de uma família as voltas com uma misteriosa casa onde estranhos acontecimentos sobrenaturais os perturbavam. Não, ele não foi acometido por um terrível caso de Alzheimer e escreveu Horror em Amityville de novo! É que, basicamente, ele escreveu sua própria versão de Amityville com jogos e prostitutas. E este é 666- O Limiar do Inferno.

Agora sim, vamos falar do livro que dá título a este post. 666- O Limiar do Inferno foi o segundo e último livro de Anson que acabou falecendo no mesmo ano de seu lançamento com apenas 58 anos. Na trama acompanhamos o casal Keith e Jennifer que moram um pacato bairro de New Castle, afastado de Nova Iorque. Keith é um empreiteiro especializado em reformas de casas antigas e Jennifer era uma decoradora com escritório em Nova Iorque que largou tudo após se casar com Keith e agora vive como uma dona de casa. Um dia, após voltarem de uma viagem de férias acabam descobrindo que, do nada, uma casa colonial simplesmente brotou do lado deles. Após se informar com um corretor amigo seu, Keith descobre que a casa foi transportada de outra cidade, coisa rara mas não completamente incomum nos EUA. Ao tentar conhecer o novo morador, Keith acaba descobrindo que a casa estava não apenas destrancada como também vazia. Aproveitando que entrou no local, Keith põe seus dons de empreiteiro pra funciona e começa a analisar que tipos de reparos a casa precisaria. Ao entrar no banheiro, ele ouve um som metálico e descobre uma antiga moeda de bronze, a qual, ao tocar, sente um estranho calor emanar do objeto além de se sentir levemente estranho.

Voltando para casa, Keith aproveita que Jennifer convidou seu amigo dos tempos de Nova Iorque, David Charmichael, um negociante de antiguidades, para jantar e lhe pede pra tentar identificar a tal moeda antes de devolve-la ao dono da casa. Porém, ao tocar na moeda, David tem estranhas visões de homens sendo torturados no que parece ser uma época muito distante e acaba passando mal mas esconde a tais visões de Keith e Jennifer. Agora Keith, Jennifer e Dave vão se envolver numa misteriosa trama que envolverá não apenas os segredos que a tal moeda esconde, mas que a misteriosa casa e seu ainda mais misterioso dono também.

Horror em Amityville é o meu segundo livro de terror favorito de todos os tempos, o primeiro posto é ocupado com folga por O Exorcista. O que mais atrai em Horror em Amityville não é sua escrita complexa e rebuscada, muito pelo contrário. Anson tem um estilo rápido e ágil, com uma escrita simples e direta. O que realmente atrai em Horror em Amityville é o tom documental, já que toda a história é alegadamente real e Anson ter trabalhado como roteirista de documentários contribui MUITO. Então ler 666-O Limiar do Inferno foi uma experiência interessante, já que Anson praticamente cria sua própria versão de Amityville se apoiando apenas em sua imaginação. E é interessante ver como ele não descamba pro terror de imediato. A construção da trama é mais lenta e o livro se assemelha mais ao suspense que ao terror propriamente dito. Em suas 252 páginas Anson dá mais destaque as relações entre os personagens, com destaque ao triangulo entre Keith, Jennifer e David. Confesso que em determinado ponto a história começou a se assemelhar demais a outro livro de sucesso dos anos 70, Tubarão de Peter Benchley.

Sim, caso você não saiba, o famoso filme de Steven Spielberg é a adaptação de um livro. E, ao contrário do filme, o livro Tubarão não se foca tanto nos ataques do monstrão mas enrola um bocado em subtramas dos personagens humanos. Uma dessas subtramas que ganha grande destaque no livro mas que nem sequer é cogitada no filme, é o caso extraconjugal entre Ellen Brody, esposa do protagonista, o xerife Martin Brody, e o oceanólogo Matt Hooper, personagem que no filme é interpretado pelo nada galante e menos ainda sedutor Richard Dreyfuss. Porém, enquanto no livro de Bencheley o caso vai pras vias de fato de modo a quase lembrar um romance Sabrina de banca, Anson usa a tensão sexual entre os personagens pra contribuir com o clima de suspense do livro sem se afobar. E essa é uma decisão acertadíssima!

Enquanto o ritmo lento pode afastar alguns, a outros ele pode culminar num desfecho surpreendentemente positivo, como foi meu caso. Você não vai encontrar fantasmas andando por corredores, objetos se movendo, satanás sambando no teto nem nada do tipo no decorrer do livro. Porém, a cena final é surpreendentemente boa. Não vou dar spoilers mas cabe citar uma curiosidade aqui. Em 1982 o livro ganhou uma edição especial com uma capa que simula um vitral de uma sala importante pra trama. A capa representa esse vitral quebrado e na parte quebrada podemos ver o rosto de Jennifer em terror enquanto uma bizarra mão segura seu pescoço. Porém, quando você abre a capa e vê a imagem abaixo toma um baita spoiler, pois ela representa a cena final do livro de uma maneira mais livre mas, ainda assim, revelando um personagem importante. Não vou por a imagem, mas a capa é esta. Você pode pesquisar por sua conta e risco depois.

O saldo final de 666- O Limiar do Inferno é positivo. Ele não é uma baita obra do terror contemporâneo e dificilmente vai figurar na lista de indicações dos amantes de terror, mas é um livro agradável de se ler e que não ofende. Inclusive poderia render até um bom filme, arrisco-me a dizer! Caso você tenha ficado interessado, o livro ganhou três lançamentos no Brasil, o primeiro em 1981 pela Circulo do Livro, a segunda em 1982 pela editora Melhoramentos e uma terceira em 1988 novamente pela Círculo do Livro. A edição mais comum de ser encontrada é a de 1981 e por preços absurdamente baixos. Na Estante Virtual, por exemplo, você encontra edições a partir de R$6,00. Aliás, aqui cabe mais uma curiosidade sobre capas. A edição de 1981 tem uma capa esquisitinha (inclusive é a edição que tenho) que mostra uma composição caóticas de uma casa antiga, dois rostos de mulher (que aparentemente são a mesma pessoa) e a silhueta de um homem caindo de cabeça pra baixo. Essa mesma capa foi utilizada um ano antes também pela Circulo do Livro para o livro Não Toque no Gato de Mary Stewart. A diferença é que em 666 eles espelharam a imagem, inseriram a imagem da casa e diminuíram as imagens das cabeças e da silhueta. Economia era a palavra chave da Circulo do Livro!

Então é isso, pessoal! Confesso que senti falta de escrever, apesar de post ser uma mídia quase falecida hoje em dia. Porém, sou um velho apegado aos costumes dos antigos então não estranhem se outro post pipocar em breve. Até lá!