Review/ Dica: Reino dos Malditos
Uma boa HQ pouco falada.
Christopher Grahame é o escritor infantil de maior sucesso da atualidade ( por “atualidade” leia-se “2004”), ultrapassando nomes de peso como J.K. Rowling (cujo a fama é tão grande quanto a escrotidão). E tudo começou meio que por acidente. Após sentir fortes dores de cabeça seguidas de um desmaio aos sete anos pro qual os médicos não encontraram explicação, Christopher passou um longo tempo de cama e pra passar esse tempo, seu pai lhe trouxe uma pilha de livros. O garoto pegou gosto pela leitura e quando não haviam mais livros para serem lidos, seu pai deu-lhe a ideia de que escrevesse suas próprias histórias. Christopher assim o fez! Mas tudo que ele escrevia era derivado de algo que já existia, e Christopher queria algo próprio, algo só seu! Então criou o mundo de Castrovalva, um lugar onde ele criava as regras, e decidia a geografia. Não haviam limites, tudo que sua imaginação mandasse se tornava real em Castrovalva.
Porém, a morte súbita de seu pai fez com que Christopher, apesar de ainda criança, tivesse que assumir responsabilidades para ajudar sua mãe. Com isso, Castrovalva foi deixada para trás bem como sua vontade de escrever. Ela só voltaria com o nascimento de sua primeira filha, o que lhe deu a ideia de escrever historias para a menina. Mas tudo mudaria após sua esposa secretamente mandar os manuscritos dessa pequena história para uma editora e Christopher receber uma proposta de trabalho. O sucesso veio de maneira tal, que Christopher estava desenvolvendo um novo livro para o universo de Alice de Lewis Caroll, que se chamaria Alice Através do Balde. Mas eis que algo inesperado acontece.
Muitos anos depois, Christopher volta a sentir as fortes dores de cabeça até que um dia desmaia. Só que dessa vez ele acorda em um local estranho, um local que mais parece um campo de guerra. Cercado de lama, explosões e o que parecem ser soldados de baixa estatura, Christopher se surpreende ao descobrir que os tais soldados eram ursos de pelúcia, os quais tem verdadeira aversão por humanos! Só que Christopher acaba por reconhecer um desses ursos-soldados. Era seu ursinho de infância, Fuzzbox. Após o emocionante reencontro, Fuzzbox explica que anos atrás, após Christopher sumir de Castrovalva, a população local achava que nunca mais veria o menino de novo. Até que um dia ele voltou a aparecer, mas apesar de igual, estava, de alguma forma, diferente. Esse Christopher era cruel e violento. O garoto cresceu, se uniu as terríveis criaturas que vivem embaixo da cama, e decidiu declarar guerra a Castrovalva. O mundo de fantasia como Christopher lembrava não existia mais. Castrovalva agora era o cenário de uma guerra que já durava anos. Mas quem é na verdade essa figura que apareceu como o pequeno Christopher e destruiu toda a paz de Castrovalva? Estaria Christopher alucinando? Então por que tudo parecia tão real? Só posso dizer que as respostas serão surpreendentes.
Reino dos Malditos foi originalmente lançado como minissérie em 4 partes em 2004 pela Dark Horse e trazido ao Brasil em 2006 pela Pixel Media (ou simplesmente Editora Pixel, como prefiro chamar) em uma edição encadernada em capa cartonada e papel couchê custando o nada convidativo preço de R$32,90, um preço um tanto quanto absurdo pra época. Pra vocês terem uma ideia, a edição de de 10º aniversário de Marvels lançado pela Panini em 2005 com as mesmas especificações técnicas mas com pouco mais de 100 páginas a mais custou R$24,90 e era a edição de luxo da época! Claro que a Pixel não era uma editora grande como a Panini e blá,blá,blá…mas o fato é que o preço não estava convidativo de maneira nenhuma! Talvez por isso não se tenha ouvido falar muito dessa HQ.
Foi lá por 2015, quando a Panin fez um de seus primeiros reajustes absurdos, quando capas duras passaram de R$24,90 pra R$56,90, que eu comecei a procurar encadernados baratos e desconhecidos em sebos virtuais como Estante Virtual e o falecido (e, aparentemente, ressuscitado de maneira muito esquisita) Livronauta. Um deles foi justamente Reino dos Malditos, que não lembro exatamente o valor mas estava bem barato, algo entre R$10,00 e R$12,00. Dei uma pesquisada pra ver do que se tratava antes e então comprei. E foi uma grata surpresa!
A história, escrita por Ian Edginton , dentro de seu conceito fantasioso, fala da perda da infância e da inocência, de como deixamos o pensamento lúdico, tão comum as crianças, pra trás enquanto nos encaminhamos a vida adulta, onde a imaginação e as coisa inocentes ou ficam em segundo plano ou são completamente substituídas pelo pragmatismo frio e cinzento. O maior exemplo disso está no fato de, após adulto, Christopher considerar Castrovalva um lugar tão absurdo a ponto de se sentir completamente alienígena lá, e isso só é reforçado quando a população local também o considera assim. E o ódio deles por um humano adulto que destruiu tudo, tirando a cor e a vida do local, é outro ponto central dessa ideia.
Claro que os reais motivos por trás dessa destruição e por trás do vilão perpetrador dela existem. Mas eles convergem pra essa mesma lógica. O vilão representa a necessidade de crescer e deixar as coisas de criança de lado que muita gente tem, sem se importar em sacrificar a bondade, decência e compaixão. Aliás, a revelação por trás da identidade do vilão foi algo que me pegou completamente de surpresa da primeira vez que li apesar de não ser um plot novo e hoje, quase 20 anos depois, já ter sido usado em muitas outras produções. Mesmo assim, ainda considero muito boa a maneira como a questão foi trabalhada.
A arte de D’Israeli é perfeita pra história! Com uma pegada meio cartunesca meio pintura expressionista, sobretudo no que tange as cores. Quando Castrovalva aparece em todo seu esplendor, ainda como a terra da fantasia idealizada originalmente por Christopher, ela é colorida mas com aqueles tons pasteis típicos de livros infantis antigos. Isso faz sentido, já que era algo da vivência de Christopher e estava encrustado em seu subconsciente. Quando é mostrado o “mundo real”, que seria o nosso mundo, tudo tem um tom de azul, meio que demonstrando a “segurança” da realidade, por mais tediosa e rotineira que seja. Quando nos é apresentada a Castrovalva em guerra, tudo é cinza, escuro e opressivo, mudando apenas para alguns tons de roxo igualmente sombrios. D’Israeli nos transporta pelos três mudos como um antigo morador de um bairro mostrando suas ruas.
Aliás, eu fui procurar esse tal D’Israeli, porque não lembrava de ver o nome dele em outros lugares. Descobri que D’Israeli é o pseudônimo do britânico Matt Brooker e, pra minha surpresa, o sujeito trabalhou em muita coisa famosa, como Batman, Homem-Aranha, Sandman, Juiz Dredd, Transmetropolitan, Fábulas entre outras. Em grande parte como arte-finalista, mas ele também j´a foi o desenhista principal em muitas histórias. Um exemplo curioso é uma história do Batman que ele desenhou no arco Terra de Ninguém. Eu achei que, por ser uma história do Batman, eu encontraria um traço bem diferente do visto em Reino dos Malditos, algo mais “realista”, por assim dizer. Qual não foi minha surpresa ao constatar que ele usou o mesmo etilo de arte, só um pouco menos refinado já que a história do Batman foi publicada em 1999. O resultado é algo parecido com aquelas quadrinizações da série animada só que com um tom mais sombrio.
Reino dos Malditos é uma boa HQ que acabou caindo no esquecimento por não ser tão acessível quando de seu laçamento. A boa noticia é que você pode encontrar ela a preços muito acessíveis online. No site da Comix vpcê encontra por R$9,90. no Mercado Livre você acha a edição a partir de R$10,00 e na Estante Virtual a partir de R$12,00. Se você tem um sebo bacana em sua cidade que ainda não esqueceu o que é ser um sebo e quer vender coisa velha pelo triplo do valor da mesma coisa só que nova, procure por lá também. Vale a pena. Uma bela história, com uma bela mensagem sobre o que deixamos pra trás embrulhado em uma bela arte.