Review de Guerra: Zero Eterno

Quando querer viver é a maior prova de coragem.

Eis um mangá que sempre tive vontade de ler, tanto pelo tema, já que sempre tive verdadeira fascinação por histórias envolvendo aviação na guerra, como pelas belíssimas capas que vinham com uma ilustração completa na capa e uma pequena ilustração em fundo branco na contracapa, o que deva um ar meio romântico a edição. No entanto, não cheguei a pegar a publicação do mangá na época de sua publicação pela JBC em 2015 e pegar todas as edições de uma vez seria um golpe meio violento para os bolsos, já que a edição era de luxo para a época (hoje já é um formato bem comum) e custava R$24,90. No entanto, graças a uma feira de livos que aconteceu aqui em Caruaru City, consegui  4 das 5 edições de Zero Eterno por R$5,00 cada! A número 1 faltante…bem…digamos que a internet é benevolente…

Pra começar é preciso dizer que eu não sabia de ABSOLUTAMENTE NADA da trama do mangá e já esperava historinhas de guerra fechadas em cada edição mostrado aviadores em aventuras  emocionantes e combates de tirar o fôlego. Fico feliz em dizer que quebrei a cara. Zero Eterno é um drama de guerra daqueles que luta bravamente pra não deixar seus olhos secos….e vence essa luta com ridícula facilidade. Mas, antes de me aprofundar nessas questões emocionais, vamos a uma pequena sinopse:

A história começa por meados de 2004. Conhecemos o jovem Kentaro Saeki, um jovem de 26 anos que já foi reprovado 4 vezes no exame para se tornar advogado. Completamente  desmotivado, Kentaro já pensa em desistir de vez do ramo da advocacia e procurar outro caminha na vida. É quando sua irmã, Keiko, uma jornalista bem sucedida, aparece com uma proposta. Acontece que após a morte da avó de ambos, seu avô acaba revelando que ele não era, de fato, seu avô materno. A verdade é que o verdadeiro avô de Kentaro e Keiko havia morrido em um ataque kamikaze durante a Segunda Guerra Mundial e isso atiçou não só a curiosidade de Keiko bem como sua vontade de escrever um livro sobre o assunto. No entanto, ocupada como era, contrata o desocupado irmão pra fazer toda a parte de de pesquisa afim de descobrir mais sobre seu verdadeiro avô, um piloto chamado Kyuzo Miyabe. Agora Kentaro irá tentar descobrir mais sobre o misterioso passado de um avô que nunca conheceu através da visão de seu antigos companheiros sobreviventes e tentar entender como ele se tornou um Tokkotai (abreviação de Tokubetsu Kōgekitai  que significa “Unidade de Ataque Especial”, nome oficial do batalhão dos kamikaze).

Ah, vale citar que o Kentaro é a cara do avô!

A partir daí a história se desenrola com revelações que, inicialmente, fazem Kentaro e Keiko acreditarem que seu avô era um grande covarde que evitava os conflitos a todo e qualquer custo. No entanto, a cada novo encontro com os ex-companheiros de seu avô, ambos percebem que a “covardia” que muitos viam em Miyabe era, na verdade, o ato mais corajoso que um homem poderia ter sendo um militar e um japonês naquela época: prezar pela vida em prol das pessoas que amava. Enquanto todos estavam dispostos a morrer cegamente pela sua pátria sem levantar um único questionamento sobre o porque de tal ideologia, Miyabe fazia de tudo para se manter vivo e voltar para a sua esposa e filha, já que eles só tinham um ao outro no mundo. E não pense que Miyabe realmente fugia do combate para tanto. Muito pelo contrário! Ele se esforçava ao máximo não apenas para ser um ótimo piloto bem como para abater o máximo de inimigos que conseguisse.

Miyabe treina para conseguir mais força no braço e puxar o manche nas manobras mais difíceis.

Em um momento da história Miyabe acerta um avião americano mas o piloto consegue ejetar a tempo. Durante a descida de paraquedas, Miyabe atira contra o indefeso  piloto americano e destroça o seu paraquedas, fazendo-o cair para a morte em alto mar. Esse atitude o torna alvo de insultos e desrespeito por parte de seus superiores e colegas de pelotão. Porém, mais adiante, Miyabe confessa a um de seus amigos o poque de ter feito o que fez. Segundo ele, os americanos já estavam em vantagem tanto armamentista quanto tecnológica e pra cada avião abatido, muitos outros e melhorados tomariam seu lugar. Mas aviões poderiam ser pilotados por qualquer um, no entanto aquele piloto em especial era excepcional e quase tirou a vida de Miyabe com uma bala que atravessou o vidro do cockpit. Miyabe então percebeu que se deixasse aquele piloto americano vivo, ele certamente voltaria com uma máquina melhor e muitos de seus amigos seriam mortos, bem como a próxima bala a atravessar o cockpit poderia acertá-lo em cheio e isso ele não poderia permitir.

Miyabe contra o perigoso piloto americano.

Baseado em um livro escrito por Naoki Hayakuta e publicado em 2006, o qual se tornou um best seller  em 2013, o mangá segue a história do livro fielmente sendo que não há créditos de roteiro apenas os dizeres “história original Naoki Hayakuta”, o que nos leva a crer que ou o próprio roteirizou essa versão ou teve apenas pequenas adaptações por alguém não creditado, enquanto a arte ficou a cargo de Souichi Sumoto.  A história narrada por Hayakuta não é apenas um drama de guerra, é um relato revelador dos bastidores de um dos capítulos mais dramáticos da Segunda Guerra Mundial. Através do olhar dos ex-colegas de esquadrão de Miyabe, vamos descobrindo o quanto  o nacionalismo pregado pelos governantes do Japão naquela época cegava muitos jovens idealistas a apoiarem suas causas em detrimento dos valores de suas vidas e como alguém que conseguia enxergar através desses absurdos e expressar seu total desacordo em voz alta, mesmo munido de toda lógica e razão, era tido como um contraventor e um covarde diante do “sacrifício pelo bem maior”. No entanto, cada soldado cujo a vida cruza com o “covarde Miyabe” acaba abrindo seus olhos para essa realidade e vendo que o sujeito não era apenas um piloto admirável, era também um homem extremamente corajoso ao manter seus ideias em meio a tanta repressão e pressão em prol de sacrifícios.

Os desenhos de Souichi Sumoto não são revolucionários, extremamente realistas com relação a figura humana nem nada do tipo. É um traço de mangá juvenil e lembra bastante o traço do mangá Street Fighter Alpha e Street Fighter Sakura Ganbaru, só que mais limpo e leve. Mas não se engane! Se o traço não é algo adulto, no nível de um Takehiko Inoue, tenha certeza de que as emoções são passadas com a mais extrema eficiência nos traços do senhor Sumoto! Você sente verdade em cada sorriso, lágrima, angustia e desespero dos personagens. E outro ponto que o sujeito acerta com louvor é a fidelidade aos equipamentos e vestimentas da época, tudo meticulosamente estudado e passado para o papel com uma precisão assustadora! Realmente impressionante!

Em 2013 foi lançado um longa metragem baseado no livro. Bem, creio eu que tenha sido baseado no livro, já que muitas cenas tem certas similaridades visuais com o mangá. No entanto, o filme de pouco mais de duas horas conta a história de um modo mais resumido, limando muitos personagens e histórias e contando o passado de Miyabe em uma ordem diferente da do mangá. Isso não prejudica de todo o longa, que ainda é eficiente na arte de emocionar, no entanto, nas histórias que acabaram sendo transcritas pro longa algumas cenas chaves e explicações foram deixadas de fora, o que acaba tirando o peso de muitas delas, como quando Miyabe e um de seus ex-companheiros que o odiava, entram em um “dogfight”, uma batalha área onde ambos os pilotos ficam circulando nos céus tentando alcançar a traseira do adversário. No mangá é explicado que este tipo de combate exige muito de um piloto pois a pressão do movimento continuo é extremamente alta, já no filme os atores fazem cara de esforço mas, caso você não entenda de aviação, não vai entender lhufas e vai achar que é só mais um daqueles momentos exagerados da atuação nipônica.

O longa também parece amenizar algumas questões, como o fato de muitas pessoas compararem os kamikazes aos terroristas contemporâneos. No filme isso é mostrado em uma cena rápida quando Kentaro entra em uma discussão com seus amigos em um restaurante.  No mangá, é um dos veteranos sobreviventes que dá uma verdadeira lição de moral em um jornalista amigo da Keiko que defendia com unhas e dentes que os kamikazes eram, basicamente, terroristas. O veterano não só refuta essa afirmação como revela que a imprensa foi uma das grandes responsáveis pela difusão do pensamento nacionalista extremo no Japão na época bem como a real e triste história por trás dos kamikazes, mostrando que não havia sacrifícios sem profunda tristeza. Apesar disso, ainda é um bom filme mas aconselho a vê-lo após ler o mangá para entender melhor alguns pormenores não explicados na versão em carne e osso.

Bem, falar mais de Zero Eterno é dar spoilers de uma obra que merece ser conhecida. E olha que eu acho que já dei spoilers demais nesse post! Mas, acreditem, o mangá guarda não apenas mais surpresas como grandes revelações históricas e uma mensagem belíssima. Confesso que o final me deixou meio pra baixo, mas de um modo positivo, pois mostrou o quanto eu havia me apegado ao Miyabe  e mesmo sabendo de sua morte desde o começo da trama, vê-la de fato ainda me causou impacto.  No mais, procurem essa belíssima obra, vale mais do que a pena. Não só como entretenimento mas também como aula de história e lição de vida.

 

Nota:10