Review Confuso: As Cruzadas

O que diabos eu acabei de ler…?

A Opera Graphica encerrou suas atividades com quadrinhos em 2008 e voltou ao meio editoral se focando em livros a partir de 2012, mas em todo esse tempo em que trabalhou com quadrinhos a editora sempre lançava materiais diferenciados, as vezes para o bem como Novos Deuses , e as vezes para o….bizarro, exatamente como esse As Cruzadas, quadrinho que eu só fui descobrir que a editora havia lançado ontem, quando o vi numa feira de livros no shopping custando míseros 5 contos. Ganhei de presente de minha “senhoura” que percebeu que eu fiquei fascinado pela estranheza do título e prontamente comprou-o para mim. E, bem…vamos a sinopse antes:

Em 2001, relatos de que uma estranha figura vestida como cavaleiro medieval, com direito a cavalo e todos os apetrechos opcionais, vem matando bandidos pelos becos da cidade de Nova Iorque. Obviamente o assunto ganha a mídia e o radialista Anton Marx não para de contestar a existência de tal figura em seu programa, achando que isso é uma jogada da maior dupla de mafiosos da cidade, Tony Quetone e o “Papa”, para encobrir os crimes e as mortes que sua guerra por território vem gerando.

Em meio a tudo isso, a colunista chamada Vênus, amante de Anton, atravessa sérios problemas pessoais ao mesmo tempo em que vê seu caminho se cruzar com o da lenda do misterioso cavaleiro.

Fonte da imagem: Guia dos Quadrinhos

Escrito por Steven T. Seagle e desenhada pelo controverso Kelley Jones, As Cruzadas é uma série em 20 edições publicada no ano de 2001. O problema é que essa foi justamente a série que a Opera Graphica NÃO PUBLICOU! As mini-série em duas edições, que seria mais tarde compiladas nesse fino encadernado de 60 páginas, aparentemente é uma versão resumida do inicio da história afim de chamar o publico para a série principal. Pelo menos foi isso que eu entendi, apesar de não fazer sentido NENHUM você rescrever e redesenhar 60 páginas de uma HQ pra promovê-la sendo que publicar as 60 que fazem parte da série principal seria muito mais prático e lógico.

Capas da primeira publicação em duas partes.

Mas já que foi essa versão que eu li, vamos falar dela. A história, que leva o selo Vertigo, se foca DEMAIS em Anton apresentando seu programa, entrevistando mendigos que dizem ter visto o cavaleiro, falando com ouvintes e reclamando de tudo e isso acaba sendo MUITO CHATO já que a história quase não anda por umas 20 ou 30 páginas. O cavaleiro, apesar de estampar a capa e, supostamente, ser o foco central da trama, pouco aparece e quando Anton sai de cena entra Vênus e seus problemas de personagem feminina clichê, cujo a mãe sempre reclama por não ter casado, cujo namorado a trata como lixo, que é igualmente tratada como lixo no trabalho e por aí vai. E a forçação de que por ser Vertigo tem que ter sexo, violência, palavrão e mafiosos agindo como se estivessem num filme do Tarantino não ajuda em nada. E muito disso pode ser atribuído ao roteirista Steven T. Seagle, o qual aparece em um pequeno texto falando dos autores ao fim da primeira parte e te deixa se perguntando “Mas porque deixaram esse cara escrever isso…?”.

Acontece que, bizarramente, no texto escrito por Heitor Pitombo, o roteirista é celebrado até que Pitombo começa a enumerar suas principais obras que…acabaram em fracasso em sua maioria esmagadora! O tal texto fica hilário, pois claramente Pitombo estava tentando enaltecer o sujeito pra vender a HQ mas o roteirista colecionou tanto fracassos e projetos cancelados que fica difícil levá-lo a sério. A coisa só fica mais tragicômica ainda quando o texto de Pitombo vai começar a falar do desenhista Kelley Jones e fecha as considerações sobre Steven T. Seagle com um “Ao contrário de seu parceiro em As Cruzadas, Kelley Jones foi bem mais sucedido em suas empreitadas”. Assim você não me ajuda a te ajudar, Pitombo…

A serenidade no olhar de quem não tá nem aí pra anatomia correta.

No caso de Kelley Jones, como eu já disse, ele é um artista controverso. Há quem o ame (beijo, Luquinhas) e há quem o odeie (beijo, Daniel HDR). Eu fico entre os dois, achando ele um bom desenhista ruim. E, mais uma vez, o texto de Heitor Pitombo não ajuda a defender o desenhista, mesmo sendo sua intenção. Segundo Pitombo “O estilo arrojado, onde a disposição de luzes e sombras tem muito mais peso do que a própria anatomia…”, uma frase que não ajuda convencer quem já acha os exageros na musculatura dos personagens de Jones uma verdadeira abominação. Segundo Daniel HDR “Os músculos que ele desenha parecem cranco mole”, sentença contra a qual não consigo argumentar. Mas como o único personagem musculoso na história, o cavaleiro, aparece pouco e os diálogos tomam 99% da história, Kelley Jones se foca em deformar outros aspectos de seu traço. Dessa vez seus erros se concentram nos rostos dos personagens, que não conseguem se manter o mesmo de um quadro pro outro, e as vezes você precisa se esforçar pra entender que, de fato, é o mesmo personagem falando por dois quadros seguidos.

Eis um exemplo de “mutação facial” a la Kelley Jones.

Além disso, Jones tenta dar um dinamismo “videoclipesco” as páginas e as vezes parece que estamos assistindo um clip de pop rock dos anos 80, e não falo isso em tom elogioso. Outro hábitozinho detestável do desenhista é colocar Vênus em posições que passam o limite do sensual e entram no pornográfico em alguns quadros, não tanto nessa história, mas na série 20 edições, na qual dei uma olhada por alto após terminar de ler a edição da Opera Graphica, essa apelação fica ridícula e em alguns momentos fica claro que Jones usou frames de filmes pornô como referência, sobretudo quando Vênus aparece em uma cena de conversa casual fazendo pose de capa de DVD das Brasileirinhas. Abaixo alguns exemplos:

A edição da Opera Graphica tem capa cartonada com orelhas contendo pequenos históricos do roteirista e do desenhista, papel couché e custava originalmente R$14,90 há época de seu lançamento em 2006, o que já era carinho na época. Mas o que chama atenção é a arte da capa. Numa primeira olhada ela até chama a atenção pela escolha das cores de fundo, mas quando você começa a prestar atenção na arte percebe que simplesmente pegaram a ÚNICA imagem onde o cavaleiro aparece de corpo inteiro e meteram um recorte da splash page da primeira página onde o cavaleiro está montado em seu cavalo, mas só colocaram a cabeça do cavalo por trás e a impressão que dá é que o cavalo não tem traseiro e que ele está sendo cavalgado por um dragãozinho trajando uma capa gigante. Ao invés dessa presepada, eles poderiam recortar esse desenho da splash page e fazer uma arte que tomaria capa e contra-capa. Mas o que é um pum fedorento pra quem já está todo cagado, né…

Fonte da imagem: Guia dos Quadrinhos

Outro erro crasso pra vender essa mini-série foi a Opera Graphica dizer que ela é uma história fechada e que a trama é cheia de plots que se interconectarão ao final em uma revelação surpreendente. Mas NADA DISSO EXISTE e obviamente a história termina em aberto e muito bruscamente, pois, como já dito, a intenção original era levar o leitor a mini-série em 20 edições.

Enfim, eu não havia ouvido falar de As Cruzadas e agora percebo que teria sido melhor continuar não ouvindo. Uma história mal contada e que, ao ver a série original, parece não ser muito melhor…

Nota: 2,0