Review Clamptomaníaco: RG Veda
Tornareis a ruptura que destruirás os céus.
Antes de mais nada, um pequeno contexto do que é o Clamp. Trata-se de um grupo de 4 mulheres que produzem mangás conjuntamente, as vezes publicando uns 8 mangás em paralelo! Sério, eu não estou brincando, se você pesquisar as datas das publicações verá que o volume de trabalho das meninas é assustador! O segredo do sucesso é justamente a divisão de tarefas, com uma desenhando um mangá enquanto a outra roteiriza e a outra finaliza e a outra aplica retículas, revezando as funções no mangá seguinte. Essa parceria gerou sucessos estrondosos que rodaram o mundo todo seja através dos mangás ou de suas adaptações animadas. O primeiro produto do grupo a aportar em terras tupiniquins foi a versão animada de Guerreiras Mágicas de Rayearth, exibida pelo SBT em 1996 nos horários mais doidos possíveis nos sábados do SBT. Num sábado era exibido as 8 da manhã e no sábado seguinte era exibido as 6 da manhã. Acompanhar qualquer desenho no SBT era um trabalho de corno!
Anos depois outra obra do Clamp chegaria ao Brasil em sua versão anime, pois em 2001 estreava na TV Globinho Sakura Card Captors. Pouco tempo depois a JBC trazia o mangá homônimo as bancas. Com o sucesso da publicação, a JBC, após consolidada no mercado (Sakura Card Captors e Samurai X foram seus primeiros mangás publicados), trouxe muitos outros títulos do grupo as bancas, totalizando 12 títulos do grupo lançados até hoje (outros 6 foram lançados pela New Pop).Um deles foi justamente o mangá tema deste post, o primeiro mangá lançado profissionalmente pelo grupo em 1988, quando ele ainda contava com 7 de seus 11 integrantes originais (no decorrer do mangá outros foram saindo e ficaram apenas as 4 que formam o grupo até hoje). Falo de RG Veda, mangá que contava as desventuras do rei Shura e do rei Yasha dois anos antes de Shurato sequer sonhar em existir!
Antes de mais nada, uma breve sinopse:
Taishakuten, um dos principais generais e guardiões do imperador do Mundo Celestial, trai o imperador o mata mas não sem antes matar seu principal guardião, o poderoso Ashura. Taishakuten toma o posto de imperador do mundo celestial para si e começa um reinado cruel e sanguinário. Porém uma profecia chega a seus ouvidos dizendo que seis estrelas se reuniriam e encontrariam uma criança que seria capaz de trazer a destruição ao império de Taishakuten. 300 anos depois, Samraat Yasha, o mais poderoso guerreiro do mundo celestial, acaba encontrando uma criança adormecida numa floresta e após despertá-la acaba por descobrir se tratar da reencarnação de Ashura, no entanto a criança é pura e ingênua e parece não nutrir nenhuma necessidade de destruição contra nada nem ninguém. Samraat Yasha acaba cuidando da criança e isso acarreta na ira de Taishakuten que destrói todo o clã Yasha, sendo Samraat Yashsa o único sobrevivente. Agora as engrenagens do destino começam a girar e levam os dois, Yasha e Ashura, ao caminho da profecia e é inevitável que eles encontrem as quatro estrelas restantes (Ashura e Yasha são as duas primeiras) e que o confronto com o malévolo Taishakuten aconteça.
Livremente baseado na mitologia Hindu, RG Veda traz muitos dos elementos que o Clamp usaria futuramente em muitas de suas obras repetidamente. As similitudes mais notórias estão no mangá X-1999, onde temos o tema das estrelas a se reunir (em X-1999 são duas “facções”, as estrelas correspondentes aos dragões do céu e as dos dragões da Terra), os das espadas gêmeas (em RG Veda a espada de Yasha ressoa com a espada de Ashura enquanto que em X-1999 o líder de cada facção é a versão oposta um do outro e ambos tem espadas exatamente iguais), o amor ambíguo entre os protagonistas (hora parece uma relação de amor fraternal/parental, hora parece um amor romântico mesmo), a profecia do fim de uma era (em RG Veda o fim do reinado de terror de Taishakuten eme sequencia o fim do mundo, em X-1999 o fim do mundo com a virada do milênio), amores proibidos entre amigos e até inimigos, traumas com mães, mortes violentas pra porra porém estranha e contraditoriamente poéticas…enfim, as semelhanças são muitas! A diferença é que RG Veda teve fim e X-1999 não, mas vou falar disso mais adiante.
O mangá é um shoujo com um pézinho ali no shonen. Temos a estética mais comum aos shoujos, com personagens sempre lindos, homens altos e de ombros largos (mas que sempre pulam o dia de malhar perna), personagens masculinos com traços femininos, splash pages com personagens fazendo aquelas poses de pinturas de capela de igreja com pétalas de flores ou penas flutuando suavemente por toda a página e os romances, sempre velados (o que é bem comum nos mangás e no Japão) e as vezes proibidos. Já o pézinho que fica no shonen traz as batalhas épicas com golpes tão poderosos que são capazes de mudar a geografia do local, os sub-chefes sempre superpoderosos e estilosos, o lance dos heróis irem passando por inimigos e ficando mais e mais poderosos até chegar ao chefão final e a violência. Creio que essa mescla foi o que rendeu o grande sucesso do Clamp, já que gerou um maior alcance e quebrou muitas barreiras.
Os personagens são outro ponto a se destacar, indo dos carismáticos aos odiosos. Mas odiosos no sentido correto, não no sentido de “puta merda, mas esse personagem é um porre”. São aqueles odiosos que você adora odiar! Os destaques iniciais sãos os protagonistas iniciais.
Yasha é o mais velho e experiente, líder do grupo é sempre sério porém gentil. Sempre preocupado com o bem estar de Ashura, sempre o coloca acima de tudo. Aqui temos a tal relação ambígua que eu citei antes, já que hora a relação dos dois parece algo como pai e filho (ou filha, já que Ashura, apesar de tratado como menino, não tem sexo definido) hora parece uma relação de amor romântico.
Ashura é a criança inocente e até meio bobinha. Apesar de ser praticamente o protagonista da trama é o personagem MAIS CHATO DO MANGÁ INTEIRO! Sempre chorando e as vezes dando piti por bobagem, o personagem é um Shun elevado a décima potência. Não é totalmente odiável por que tem uns traumas até pesados mas o pessoal do Clamp muitas vezes pesa a mão na choradeira dele…
Ryu é o herdeiro do do clã Ryu do Leste. Como ainda é muito jovem e herdou o título porque o antigo Ryu do Leste, seu avô, está muito doente, resolve seguir secretamente Yasha e Ashura afim de treinar suas habilidades nos combates que a dupla parece atrair. Acaba descobrindo que é uma das estrelas da profecia no meio dessa quizumba toda. Ryu é o personagem mais “shonen” do mangá, desde o design até o comportamento moleque, esquentado e barulhento. Vive implicando com Ashura por diversão mas gosta muito do menino.
Souma é um tipo de Kunoichi, uma ninja feminina. Ele viu sua tribo inteira ser destruída por Taishakuten e foi salva pela musicista do imperador maligno, a jovem Kendappa. Ambas acabam criando laços que vão bem além da amizade, mas a posição elevada de Kendappa sempre impediu ambas de se entregarem a esse sentimento. Une-se a Yasha e Ashura afim de vingar sua tribo.
Karura é a líder do clã Karura e uma das generais de Taishakuten. Porém um trágico acontecimento fará com que ela se vire contra o imperador maligno do mal e fará com que se una a Yasha e sua turma afim de buscar vingança. Não vou falar o que acontece pra ela ficar putaça com Taishakuten, mas posso adiantar que é algo tão cruel que até eu queria que a porra do imperador filho da puta fosse atropelado por uma manada de jumentos no cio.
Existe ainda a sexta e ultima estrela mas essa é uma das surpresas do mangá e só aparece na reta final. Basta dizer que é uma revelação inesperada não apenas por ser quem é, mas porque mostra que nada é preto e branco no mundo, também existem as áreas cinzentas. E as vezes num tom muito escuro de cinza…
E por falar em “área cinza” temos o misterioso Kujaku, um tipo de Mestre dos Magos da turma, só que jovem, bonito e fanfarrão. Ele sempre aparece quando o grupo está perdido ou procurando algo e não sabe por onde começar e traz informações que deixam todos perplexos com seus conhecimentos. Ele parece adorar Ashura, assim como Ashura o adora. Kujaku é quase aquele tio que faz tudo que o sobrinho quer. No entanto, o jeito meio sarcástico dele sempre desperta a desconfiança de Ashura. E não é pra menos! Kujaku guarda um baita segredo que pode mudar o rumo das coisas drasticamente.
Ah, e é claro, temos o filha da puta do Taishakuten! Esse corno filho de chocadeira é ruim! Ruim! RUIM PRA PORRA! O bicho é mal, cruel, violento e sanguinário! Do tipo que chuta cachorro de rua e rouba esmola de ceguinho! Tudo que você deseja após ler cada página em que ele aparece, é que ele morra lenta e dolorosamente! E o pior é que o bicho é ABSURDAMENTE poderoso! Mas até este corno tem um segredo…e esse segredo te faz se perguntar porque diabos ele é tão ruim se não tem motivo pra isso! Sério…eu estou até agora tentando entender porque ele era tão pau no cu se, segundo seu segredo, não havia necessidade disso…
Sendo o primeiro mangá do Clamp é claro que a obra não é perfeita e tem probleminhas. O mais comum é perdoável são os erros de anatomia. Mais precisamente em mãos e pés que são desenhados de forma muito simplória e as vezes meio esquisitas. Em alguns momentos os pés parecem mãos e todo mundo parece parente da Escafandra/Sithandra de Aeon Flux.
Outro probleminha está na aplicação das linhas de ação na hora de alguns combates. Muitas vezes elas são aplicadas SOBRE o desenho e não ao fundo da cena, o que dificulta a compreensão do que diabos está havendo.
Mas o problema maior mesmo e que se repetiu por muitas outras obras do Clamp que envolviam profecias, está na INTERMINÁVEL punhetação em cima da tal profecia! A cada 3 capítulos alguém tinha que parar tudo e repetir a profecia em uma splash page bonita, cheia de penas ou pétalas voando…e travando o ritmo da história toda! Esse mesmo recurso era usado exaustivamente em X-1999, um mangá que começou em 1992 e deveria acabar antes de 1999 afim de fazer a profecia do fim do mundo ao fim do milênio fazer sentido dentro da história. Só que o mangá foi saindo, e a história não andava pra uma conclusão…até que no volume 18 ele foi paralisado e NUNCA MAIS VOLTOU! E já estávamos em 2002 quando isso aconteceu, o fim do mundo nem fazia mais sentido, só se mudassem o nome do mangá pra X-2012. E eu creio que muito do problema de X-1999 eram justamente esses momentos repetitivos onde a profecia era repetida a exaustão e não deixava a história andar. Em 1998, X-1999 recebeu uma adaptação na forma de um longa animado produzido pela Madhouse. O filme, tecnicamente falando, é lindo de morrer! Mas a impressão que dá é que o roteirista e o diretor estavam tão de saco cheio com essa enrolação que o filme quase se resume em uma hora e meia de combates ininterruptos com gente morrendo feito moscas diante de um Baygon. RG Veda tem 10 volumes, mas se essas repetições da profecia fossem diminuídas, eu apostaria que o mangá se fechava em 8!
Outro problema quer também tange a repetição e que é chato PRA PORRA, é a choradeira do Ashura por conta da sua mãe! Negocéosiguinti: A mãe do Ashura ficou prenha do Ashura original e do Taishakute ao mesmo tempo, ou seja, ela teria gêmeos. Só que sabendo que o Ashura kid seria a ruína de seu amado Taishakuten, ela tenta matar o menino assim que nasce quase de maneira idêntica ao que Saga tenta fazer com a pequena Atena. Ashura não é morto mas é selado na floresta onde Yasha o desperta. E daí pra frente é Ashura se lamentando sempre que pode por sua mãe não querer ele e por ter tentado matá-lo.É traumático pra uma criança? É! Mas como eu disse, isso deixa o Ashura uma versão mais chorona e, por consequência, mais chata que o Shun em muitos níveis. A coisa só piora quando ele lembra que o clã Yasha foi todo dizimado porque o Yasha o levou pra lá quando pequeno. Haja choradeira…
Agora, de uma coisa não se pode reclamar: Os combates! Se tem uma coisa que eu não gosto em animes e mangás é quando as lutas são só de poderzinho e a galera tem a porra de um golpe só. “Ué, Hellbolha…mas Cavaleiros não é exatamente assim? E tu não gosta do mesmo jeito?” você pode estar protestando nesse momento. E eu concordo em partes! O diferencial é que os cavaleiros as vezes tem mais de um golpe e esses golpes sempre evoluem em termos de potência. Agora pegue Samurai Warriors. Lá eles só tem UM GOLPE mesmo, e a animação pra esses golpes é sempre a mesma e o impacto dos golpes também, e eu achava isso chato pra porra! Em cavaleiros, pelo menos as vezes eles saem no braço, em Samurai Warriors não! Outro exemplo é Inu Yasha. Eu lia Ranma 1/2 e achava o máximo as lutas que a Rumiko Takahashi coreografava e, vez ou outra, inventava uma técnica secreta exagerada, mas que dificilmente era repetida no mangá. Quando fui assistir Inu Yasha em sua estreia na Globo, qual não foi minha decepção ao ver que ele soltava o mesmo maldito golpe PRA TUDO! Não tinha artes marciais nem nada, era só o Inu Yasha gritando o nome do golpe e foda-se!
Em RG Veda a galera só tem um golpe ou dois também. Só que a quantidade de destruição que eles causam e o jeito que as moças do Clamp mostram os embates de poder é tão legal que eu não consigo desgostar! Destaque para os dois últimos volumes do mangá onde a batalha final começa e é quase non-stop! Lindo! Ou seria, se não parassem pra falar da maldita profecia de novo…
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Enfim, RG Veda é um mangá que me divertiu apesar deter uma gordura no meio. Como um primeiro trabalho profissional, o que é o caso, mostrou todo o potencial das meninas do Clamp que estão colecionando sucessos até hoje! Creio que não seja dificil achar em sebos por preços bem abaixo dos de capa (custavam R$11,90 há época de seu lançamento) e se você é fã do Clamp vale uma conferida. Se não é mas gosta de um mangá baseado em mitologia, vale também. Pelo menos melhor que Cavaleiros do Zodíaco é…
Nota: 7,5
Curiosidades inúteis:
1- O título do mangá lê-se Rigue Veda ou Rigueveda.éum antigo livro indiano com louvores escritos em sanscrito védico. Existem outros Vedas mas o Rigue Veda é o mais antigo deles.
2- No iniciozinho dos anos 90 foram lançados 2 OVAs que adaptam de maneira MUITO reduzida acontecimentos dos volumes 3 e 4 do mangá e com várias mudanças. A mais notória está na ordem dos episódios. Os acontecimentos do primeiro OVA seriam uma adaptação do volume 4 do mangá, já os acontecimentos do segundo OVA seriam uma adaptação do volume 03. Eu não cheguei a assisti-los direito mas, apesar de bem animados, valem mais pra matar a curiosidade em ver os personagens animados, já que as tramas acabaram ficando bem genéricas de animes de aventura.