QUADRINHOS (BARATOS) QUE LI RECENTEMENTE: Parte 8

Você já comprou algo movido pelo sentimento do “Hmm…por que não…”?

Pois foi exatamente esse sentimento que me fez adquirir a adaptação de dois contos, O Nariz e O Retrato, do escritor russo Nicolai Gógol publicado em 2015 pela editora FTD.

Tudo aconteceu quando, certa feita, caminhava não muito alegremente pelas ruas do centro de Caruaru City, pois estava um calor do caralho e não tem como você ficar alegre sentido que seu corpo não é mais composto por 70% de água, agora só sobrou um copinho descartável desses de colocar cafézinho em sala de espera. Enfim…eis que passo por uma banquinha móvel que sempre está lá em uma calçada onde são vendidos livros , em sua maioria religiosos ou livros antigos de direito, e quando há um gibizinho é sempre da Mônica ou Disney. Só que uma capa havia me chamado a atenção, e não, não foi do quadrinho em questão ainda. Tinha sido de um mangá aleatório e pensei “Bom, vai que tenha alguma coisa que eu goste soterrada aí” e fui fuçar. Não tinha nada de meu agrado. Mas foi aí que eu vi a capa rocha com um desenho estranho que me chamou a atenção. Peguei, abri, vi que era um quadrinho, achei a arte bacana e perguntei quanto custava esperando uma resposta na casa dos R$10,00 ou R$15,00 que é o preço que normalmente o sujeito vende seus livros. Qual não foi minha surpresa quando ele perguntou onde estava e, após eu apontar que estava junto dos outros gibis e ele folhear e ver que se tratava de um gibi também, respondeu um quase desdenhoso “R$3,00”.  Eu não sabia do que se tratava a história, nunca antes havia ouvido falar de Nicolai Gógol (pelo menos que eu lembra-se), mas os desenhos eram bacanas e o preço era ridiculamente baixo. E foi aí que eu pensei “Hmmm…por que não?” e após juntar uma cédula de R$2,00 com um monte de moedas, levei a edição comigo. E saí correndo antes que ele mudasse de ideia…

Como eu já havia dito, a HQ se divide em dois contos, adaptados e ilustrados pelo designer espanhol Luis Miguel Doyague, ou simplesmente Doyague, como gosta de assinar seus trabalhos. O primeiro conto, intitulado O Nariz conta a história do colegiado Kovaliov, que um dia acorda e descobre que…está sem nariz! Após procurar ajuda das autoridades, mas sem sucesso algum, Kovaliov acaba descobrindo que, aparentemente, agora seu nariz tem vida própria e ocupou um cargo no Ministério da Educação. Agora Kovaliov vai tentar, a todo custo, recuperar seu nariz empinado.

 

Quanto a este conto, eu devo confessar…eu tive sérios problemas pra entendê-lo! Quer dizer, ele não é difícil de entender, de fato, é só um sujeito que perdeu o seu nariz, uma fábula. A questão é que na época em que a história foi originalmente lançada, 1836,  a Russia passava por um período politico conturbado e O Nariz guarda muitas criticas mordazes ao governo e a aristocracia russa e seu descaso com os pobres. Só que a adaptação de Doyague soa resumida e meio confusa. A critica social aparece de forma pueril e, devido as poucas páginas em que a história se desenrola, você sente que muitas das intenções originais foram perdidas. Posso estar errado, não conheço a obra original, como já disse, mas a sensação de “ok…o que diabos está havendo aqui?” me acompanhou por muitos momentos.

Em O Retrato, conhecemos um velho, misterioso e assustador agiota que pede para um pintor local pintá-lo antes que ele venha a falecer, coisa que sente que não demorará devido sua idade avançada. O pintor começa o trabalho, mas a estranha aura emanada pelo agiota o faz sentir uma enorme perturbação a ponto de quase desistir da obra. No dia seguinte, uma senhora que trabalhava para o agiota bate a porta do pintor e lhe entrega a tela dizendo que seu amo detestou o resultado. Ao dizer que não quer o quadro e que a senhora pode devolvê-lo ao agiota, o pintor recebe a noticia de que ele morrera na noite anterior.

Mais de um século se passa e um jovem estudante de arte que não consegue fazer sucesso com suas obras acaba comprando o quadro a um preço minimo após alguns clientes se sobressaltarem dizendo que o quadro parecia olhá-los de volta. O jovem e falido pintor leva o quadro pra casa se perguntando porque o comprará se já não tinha quase dinheiro nenhum. Durante a noite, o jovem artista sonha que o agiota saí do quadro e lhe entrega uma quantidade elevada de dinheiro. No dia seguinte, o senhorio e um policial batem a porta do jovem artista afim de despejá-lo pela falta de pagamento do aluguel, é quando o policial pega o quadro do agiota e de trás da molduro, caí uma quantidade de dinheiro, a mesma que o agiota havia dado ao jovem pintor em sonho. Agora, sem precisar se preocupar com dinheiro, o jovem pintor vai em busca de fama e da acensão no mundo da arte, mas sua vaidade e a estranha e sombria presença no quadro do agiota podem cobrar um preço alto demais.

O Retrato foi uma história que me cativou. Obviamente hoje em dia ela não apresenta grandes novidades, o plot do artista que ascende ao sucesso graças a uma obra “amaldiçoada” já foi explorada a exaustão na literatura, no cinema, no teatro, na TV e em tantas outras mídias. Mas, ainda assim, a história te prende, o personagem principal, o jovem pintor é um sujeito falho e é fascinante ver como não é a influência do “quadro amaldiçoado” quem o leva a perder o controle, mas sua própria índole narcisista e invejosa.

Mas se o roteiro de O Nariz não agrada tanto quanto o de O Retrato, uma coisa agranda E MUITO em ambas as histórias, a arte de Doyague. Seu traço lembra muito os traços de animações europeias, as quais sempre fogem do estilo tradicional “infantil” e adotam tons mais “sombrios” (procurem o trailer do longa animado As Bicicletas de Belleville pra terem uma melhor ideia do que eu quero dizer). Suas páginas são belíssimas e foram o principal atrativo pra mim (além do supracitado preço de R$3,00, claro).

Enfim, O Nariz/ O Retrato foi uma agradável surpresa encontrada em um dia quente de Caruaru City. E apesar de ter achado O Nariz corrido demais, posso dizer que a HQ como um todo me divertiu. Só quando comecei a procurar imagens pra ilustrar este post foi que descobri que a FTD também lançou “Poe em Preto e Branco”, HQ que adapta 3 contos de Edgar Alan Poe com arte belíssima do francês Xavier Besse. Confesso que o bom trabalho da FTD em O Nariz/ O Retrato me despertou interesse em buscar esse material.

Nota: 7,5