QUADRINHOS (BARATOS) QUE LI RECENTEMENTE: PARTE 5

Agora vamos de algo mais autoral.

Uma das coisas que adoro pegar sempre que encontro barato são quadrinhos autorais, fora do mainstream do super-seres de pijama colorido. E isso já me rendeu ótimas surpresas com A  Diferença Invisível e Desconstruindo Una , dois quadrinhos auto-biográficos escritos e desenhados por mulheres que expõe problemáticas que muitas vezes nos recusamos a enxergar. Sobretudo nós, homens.

Ontem, durante minha passagem pelo famoso “stand das maravilhas de R$10,00” do shopping, após encontrar um livro que eu almejava ter há tempos (e só ter uma cópia, que parecia esperar apenas que eu o encontra-se), ia saindo satisfeito quando vislumbro uma capa que já tinha visto antes. Afim de lembrar onde a vira, fiz uma rápida pesquisa na internet e lembrei que a via nos anúncios da revista da Comix Book Shop lááá pelo inicio dos anos 2000 e descobri que se tratava não apenas de um quadrinho nacional, mas da primeira graphic novel produzida inteiramente por uma mulher lançada no Brasil. Trata-se de Amana Ao Deus Dará de Edna Lopes publicada em 2004 pela editora Casa da Palavra.

Ao contrário de A Diferença Invisível e Desconstruindo Una, Amana Ao Deus Dará não é auto-biográfico. Edna Lopes se baseou em alguns relatos presentes no livro Meninas da Noite do jornalista Gilberto Dimenstein que passou seis meses investigando casos de prostituição infantil no norte e nordeste do Brasil. Amana não é baseada em nenhuma dessas garotas em especifico, sendo uma criação de Edna.

Na trama, passada em 1981, acompanhamos Amana, que vivia no Amazonas junto a sua avó que não a tratava muito carinhosamente, mostrando até certa raiva da menina bem como dos pais dela, do quais nunca falava, apenas dizia que a mãe de Amana era índia e que seu sangue era ainda mais fraco que o da mãe por ser uma mistura de sangue índio com branco. Certo dia Amana resolve ir atrás de seus pais no Rio de Janeiro mas acaba descobrindo que eles não moram mais por lá. Sozinha e sem dinheiro, Amana acaba dormindo nas areias da praia de Copacabana e é salva de ser presa pela dupla Simone e Carlos. Simone leva Amana até sua casa onde vive com a mãe e a tia, e acaba por conhecer a história de Amana e cria um laço de amizade com a garota. A partir daí, Amana vai sendo ajudada por amigos de Simone e Carlos a voltar até o Amazonas de carona em carona, até que chega em um local onde as pessoas dispostas a ajudar acabam e o pesadelo começa…

Apesar de se basear no trabalho de Gilberto Dimestein sobre a prostituição infantil, a HQ demora até chegar no ponto onde essa se torna a trama principal. De suas 120 páginas, pouco mais de 80 se focam em Amana conhecendo pessoas, viajando de volta ao Amazonas e pessoas filosofando sobre assuntos aleatórios como religião, complexos freudianos e afins.Essas partes não são realmente ruins, tem alguns pontos de vista bem interessantes até, mas você acaba sentindo que elas só contribuem pra atrasar a história e muitas dessas discussões parecem jogadas do nada na trama.

Outro fator que meio que acaba parecendo deslocado do conceito principal é a linguagem utilizada pelos personagens. Em uma história que trata de um tema tão pesado quanto prostituição infantil e comércio sexual em geral, os personagens falam muito polidamente e não proferem UM ÚNICO PALAVRÃO em toda a trama. Em qualquer outro quadrinho com qualquer outro tema isso nem me incomodaria, mas se você quer me passar verdade não vai me colocar um cafetão ou um assaltante falando como se estivesse num quadrinho da Turma da Mônica! Pra vocês terem uma ideia do que eu quero dizer, há uma cena de assalto onde o assaltante me larga um “Quietinho aí, os dois! Anda logo, otário, me dá isso!” quando sabemos que no mundo real NENHUM assaltante seria tão cortês. Além disso, as palavras “prostituta” ou “prostituição” nunca são mencionadas, muito menos suas derivações mais baixas. Una a isso o fato de alguns diálogos serem didaticamente expositivos demais, tirando a naturalidade das conversações.

O traço de Edna Lopes não é algo excepcional. Ele é até bem simples, na verdade. Mas serve muito bem ao propósito de contar a sua história e tem algumas páginas que mesmo dentro dessa simplicidade acabam ficando muito bonitas, sobretudo quando ela desenha locais.

Amana Ao Deus Dará promete uma história densa, pesada e expositiva de um tema polêmico mas acaba esbarrando na lentidão da jornada da personagem principal conhecendo pessoas e histórias que pouco ou nada contribuem para chegar a esse ponto. Ainda assim é uma história rápida e agradável de ler, se você ignorar a linguagem de filme da Sessão da Tarde adotada pelos personagens que acaba te puxando pra fora da trama muitas vezes.

 

Nota: 7,0

PS: Ao terminar o post acabei descobrindo que Edna Lopes é casado com o cara que interpretou a MELHOR VERSÃO de “Parabéns pra você” de TODOS OS TEMPOS! O cantor Ed Motta! Fiquem com está perola!

E eu, inocente que sou, achando que a versão estendida com “derrama senhor” era a mais chata de todas…