Quadrinhos (baratos) que li recentemente : Parte 17
Thor como deveria ter sido desde o inicio.
Após muito tempo, FINALMENTE os encalhes da Salvat chegaram a Pernambuco, mais especificamente ao meu amado stand do shopping com os encalhes Panini que alimentam minha fome de leitor (pois os preços atuais da Panini e demais editoras me obrigam a fazer regime). Cada encadernado custando convidativos R$20,00.
Não foram muitos os títulos da Salvat que aqui chegaram mas 4 deles eu queria muito, pois traziam a arte do Rei, Jack Kirby. Eram eles Quarteto Fantástico: A Vinda de Galáctus, Quarteto Fantástico: O Dia do Juízo Final, Os Inumanos e Thor: Contos de Asgard.
Assim como nos tempos de escola, e devido a pindaíba braba (que tem piorado devido a uma série de fatores filhos da puta), semanalmente juntei uns trocados e peguei um por um dos quatro títulos. Como disse, peguei mais pela arte do Kirby, pois tenho um sério problema com os roteiros dos Stan Lee e seu “Marvel Way” de escrever que consistia em escrever um plot básico de umas 3 linhas, passar pro Kirby e dizer “Cria uma história de 20 páginas que eu invento os diálogos depois”. Acontece que Stan metia uns plots fora de hora, escrevia passagens que não batiam com os desenhos e faziam a história que Kirby tinha em mente MUITO MAIS INTERESSANTE que a que chegava ao produto final (e lendo Quarto Mundo, onde Kirby escreve e desenha, isso só se prova mais que certo). Como resultado, o texto excessivo e desnecessário de Stan Lee acabava deixando a história travada, arrastada e chatinha de se ler em muitos momentos. Sei que muita gente não gosta de ouvir/ler quando alguém fala isso e defende ferrenhamente a questão do “Mas tem que ler com a cabeça da época” e coisas do tipo (beijo, HDR) mas fatos são fatos. Mas por que estou falando sobre isso DE NOVO, já que quem acompanha meus posts certamente deve ter me visto reclamar disso antes? Bem, porque por incrível que pareça, em Thor: Contos de Asgard, isso quase não acontece!
Mas para entender melhor isso, precisamos saber como Contos de Asgard surgiu. Uma coisa que nunca me agradou no Thor era o fato de que ele era um deus mitológico mas que não era mais forte que qualquer outro super-herói ou super-vilão Marvel que existia na época de seu surgimento. Qualquer um poderia enfrentá-lo pois o personagem pouco carregava a aura de deus que deveria ter. Basicamente, ele era um médico manco que se transformava no deus asgardiano batendo uma bengala mística no chão e enfretando vilões chinfrins edição após edição, quase um Kamen Rider com um penico alado na cabeça. Isso sem falar que nas primeiras edições em que apareceu na revista Journey Into Mistery, Jack Kirby o desenhava magrelo demais, o que não depunha em favor a sua origem divina.
Aparentemente esses fatores não desagradaram apenas a mim, sertanejo nascido nos anos 80. A galeria dos EUA que acopanhava a revista nos inícios dos anos 60 também reclamou da “falta de divindade” da paquita marteluda e ouvindo o clamor dos leitores, eis que Stan Lee decide criar os Contos de Asgard, histórias curtas de 5 páginas contando não apenas as origens de Thor mas o passado de Asgard, o surgimento da Terra e as aventuras de Odin pra organizar a quizumba toda que era o mundo antes do mundo. O resultado? História rápidas e dinâmicas que não deixavam espaço para o senhor Stanley Lieber florear com diálogos excessivos e fora de hora.
A edição da Salvat trás a série completa compilada em pouco mais de 250 páginas. Inicialmente as histórias eram fechadas em si ou dividias em duas partes e contavam feitos de Odin, passagens da infância de Thor e Loki, pequenas biografias e aventuras de personagens coadjuvantes e coisas do tipo. Porém, a partir da metade da série as histórias ganharam continuidade e um tom épico muitíssimo bem vindo que torna a leitura ainda mais prazerosa e divertida.
Como eu disse, aqui Stan Lee não tem espaço pra entupir a história de diálogos redundantes e isso dá uma agilidade muito bem vinda as tramas. Além disso, ele re-apresenta personagens que são velhos conhecidos dos leitores da Casa das Idéias de uma maneira cativante, onde todos são nobres, carismáticos e alguns até maravilhosamente cômicos, como é o caso de Volstagg “O Volumoso”, de longe a melhor coisa da série! Sério, é impressionante como Stan Lee usa o velho recurso do “covarde metido a valente” de um jeito que ainda consegue ser realmente engraçado e render momentos em que você vai se pegar largando uma riso ou até uma gargalhada.
Além disso, Stan Lee também aproveita para recontar velhas fábulas de outras culturas adaptando-as a mitologia asgardiana da Marvel. Vamos de chapeuzinho vermelho a Alibaba e os 40 ladrões, mas nunca de um modo convencional. Os 40 ladrões, por exemplo, são substituídos por 40 cavaleiros demoníacos imortais sedentos por sangue. Só alegria e felicidade pra Thor e sua turma.
O roteiro consegue ser ágil e divertido, sim! Mas se tem um sujeito que consegue se sobressair indo além do roteiro, esse alguém é…isso mesmo, Jack “O Rei” Kirby! Apaixonado por mitologias de várias culturas (seus designs guardam muito das estéticas dos Incas, Maias e Astecas), o homem aproveita pra fazer a festa aqui dando visuais INCRIVEIS a armaduras, armas, maquinários e vilões. Como todos sabem, muitas vezes Kirby desenhava de 3 a 5 títulos diferentes de uma vez, e por isso tinha que correr em sua arte. E fica visível em Contos de Asgard que no inicio ele estava fazendo tudo muito rápido, e por “muito rápido” não entenda “mal feito”, isso NUNCA se aplica a Kirby! Por muito rápido entenda que ele sempre abria as história com uma splash page pra depois passar pra páginas de 4 painéis com desenhos pequenos dentro. Só que com o passar da série, Kirby começou a diminuir a quantidade de painéis em algumas páginas pra 3 e colocar desenhos muito maiores e mais detalhados neles. Dá pra sentir que ele fazia essa série com uma alegria a mais.
Aqui cabe uma observação curiosa: Se você já leu Novos Deuses, sabe que a idéia original de Kirby era que a origem de Orion e sua turma se daria justamente com o fim de Asgard e dos velhos deuses após o Ragnarok. O Ragnarok de fato não acontece nessa edição (e seria impedido algumas outras vezes na revista regular do Thor), mas em uma das histórias, uma oráculo tem visões de como seria o Ragnarok e, caso a Marvel deixasse Kirby fazer como planejava, acabaria como um link perfeito para Novos Deuses e talvez tivéssemos os títulos do Quarto Mundo na Marvel e não tivéssemos Thor hoje em dia, ou pelo menos não do jeito que conhecemos. O único ponto contra seria a possibilidade de Stan Lee escrever todos os títulso do Quarto Mundo e deixar tudo travado pra cacete…
A edição da Salvat foi tirada de uma de uma edição especial americana que foi re-colorizada digitalmente. Isso pode fazer muita gente torcer o nariz, afinal nem sempre se tem um resultado muito positivo e pode tirar o charme de muitas histórias (em Lendas do Cavaleiro das Trevas de Neal Adams da Panini isso acontecia muito). Mas, felizmente, aqui não é o caso! A re-colorização só ajudou a destacar ainda mais a arte de Kirby e se você pegar as histórias com as cores originais, que foram publicadas como tapa buracos em muitos formatinhos da editora Abril, vai ver quer o que digo é assaz verdadeiro, jovem mancebo/jovem donzela.
Por fim, se você leu algum encadernado com as primeira histórias do Thor e não achou lá muito legal justamente pela falta de “divindade” do personagem de “epicidade” das histórias, procure Contos de Asgard com tranqüilidade, pois esta é a viagem pela mitologia do Thor da Marvel que você esperava ler de verdade. Divertido, de encher os olhos e, o melhor de tudo, completinho em uma única edição!
Nota: 8,5