Precisamos falar sobre Spec Ops: The Line

Esse é um texto que queria escrever a, pelo menos, 3 anos.

E por que só estou escrevendo agora? Quem sabe.

Antes de começar mesmo, só queria alertar pros spoilers. Eu não vou falar especificamente de nenhuma cena ou passagem do jogo, mas só o fato de expor algumas coisas já é motivo o suficiente pra fugir desse texto… a não ser que já tenha jogado ou não pretenda encostar nele, então fique a vontade para pegar um copo de café e juntar-se à mim.

Bom, o jogo saiu em 2012 e, incrivelmente, nunca deixou de ser relevante. Pelo contrário, o seu tom e narrativa é uma das coisas mais diretas e admiráveis que já vi.

Só pra não deixar esse post completamente vazio e situar todo mundo, The Line é um shooter em terceira pessoa e que conta a história do grupo do capitão Martin Walker que é enviado para uma missão em uma Dubai severamente afetada por tempestades de areia e, pra variar, pela guerra (incluindo exércitos e milícias aqui). Falar mais do que isso é chover no molhado (perdão pelo trocadilho inverso aqui) e eu acho que já saiu um texto sobre aqui no site. Não tenho certeza. Entretanto o intuito aqui não é falar sobre o jogo…. bem, é… mas não pra falar sobre a história dele.

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– ” E por quê vocês precisam falar sobre esse jogo então, Cgui?”

Muito simples, carx amigx. O jogo é uma carta aberta para nós sobre a guerra e o impacto dela. De uma forma bem clara e objetiva, o jogo não é simplesmente “anti-guerras”, ele vai completamente contra a romantização dela em si.

É muito comum ver filmes, séries e especialmente jogos que retratam a parte “visível” e necessária da guerra, a parte em que acompanhamos o protagonista lutando para sobreviver e tentando manter-se são no meio da chuva de tiros, explosões e companheiros caídos. Nós torcemos (ou os guiamos, no caso dos jogos) para que ele consiga cumprir seu objetivo e garantir que ele e seus companheiros vejam uma nação vitoriosa e seus parentes e amigos no final.

Mas e quando um jogo se preocupa menos com o lado romântico da coisa e foca mais nos aspectos quase nada explorados, como o estado mental dos combatentes ou a motivação existente por trás das ações “inimigas”?

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No game você vai acompanhando a decadência de Walker, Lugo e Adams até que todos estejam no chão, soterrados pelas consequências daquilo que eles próprios (que no caso é você, o jogador) causaram. Inicialmente eles se comunicam e agem assim como qualquer jogo genérico de tiro. Você pode dar ordens para eles executar ações durante o combate e as respostas são imediatas e sempre no tom esperado (ao menos nos videogames). Com o passar o tempo e com os diversos cenários vistos e causados pelo trio, o clima vai ficando tenso, as personagens começam a se questionar, a se xingar e o climão “Call of Duty de fazer guerra” é substituído por personagens amargurados, descrentes e “amaldiçoados” por eles mesmos.

E é aí, companheirxs, que The Line brilha. Ele foi feito e pensado para ser chato no início e ser extremamente cruel quando você começa a juntar as peças e entender o que acontece ali. Além do comportamento do trio principal, podemos também acompanhar a reação dos soldados inimigos e das pessoas que habitam aquele local. A Yaeger Development (desenvolvedora do game) foi tão meticulosa que fez questão de personalizar as frases/falas durante a ação, músicas usadas, telas de loading (com frases sobre o desenvolvimento de Walker naquela missão) e, pasmem, até no menu do jogo para refletir sua progressão. Reparem na bandeira americana durante os diferentes cenários e no quão pouco nítido e inexpressivo o hino americano (sempre retratado como o símbolo máximo da ordem e ideal) vai soando.

E não entendam isso errado. Essa revira-volta não acontece de uma hora para outra, como se fosse um plot twist apressado, ele vai acontecendo aos poucos e, quando você menos esperar, já estará se afogando em suas próprias lágrimas (literalmente no meu caso). Como se isso não bastasse, o jogo faz questão de colocá-los em situações delicadas e sem saída somente para lembrá-lo constantemente que você é tudo aquilo que plantou. Então não vá achando que nenhuma situação é sem saída. Na realidade elas são, mas pra gente (não como jogadores, mas como pessoas mesmo).

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Jogar The Line é praticamente uma totura. O jogo é chato (e entendam chato por genérico, sem sal e sem profundidade) o suficiente na parte mecânica (propositalmente, dado o tamanho da questão com que o estúdio quer que a gente lide) e pesado o suficiente da parte dramática e emocional, que jogá-lo é praticamente assinar a cartinha do “Eu sou masoquista” que você está guardando desde o seu último ano do colegial. Mas não pensem que isso é uma coisa ruim. Isso vai fazer você abrir um pouco mais o pensamento na hora de ler ou analisar qualquer coisa relacionada à guerra e a luta para romantizá-la. Claro que uma infinidade de outros temas também podem ser vistos com o mesmo olhar crítico, mas não estamos aqui para isso. Ainda.

Falando puramente como o Gui agora, foi difícil jogar isso. Eu chorei demais. Eu precisei parar e respirar diversas vezes e tive que largar o controle em diversas ocasiões. Também não foram raros os momentos em que questionei a minha humanidade. Nos momentos finais da jogatina, eu estava esgotado e só queria ver como aquilo ia terminar, de forma semelhante como as personagens estavam se comportando. E o curioso é que essa parte final aconteceu com todo mundo que eu pude conversar e que parou para apreciar The Line.

Obviamente eu não duvido que um número gigante de pessoas desapontaram-se com essa narrativa super diferente e com as toneladas de críticas ao gênero shooter ali contidas. Não posso culpar elas, afinal é difícil provocar esse tipo de cultura e ter um recebimento esplêndido, porém é maravilhoso ver gente que se esforça para tornar o mundo melhor, mesmo que seja só mostrando empatia para com as outras pessoas.

Lembra que falei ali em cima que o game não é, simplesmente, anti-guerras? Pois bem, ele entende que as guerras, infelizmente, ocorrem e que não romantizá-las é um primeiro passo que podemos dar para criarmos um mundo melhor. Talvez não dê em nada, mas o ponto crítico tá aí!

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Enfim, imagino que se você está aqui é porque já jogou o jogo ou não tem a menor intenção de jogá-lo. Se for a primeira situação, de repente essa é uma ótima hora para revisitá-lo e prestar atenção em cada detalhe, em cada fala de Nolan North (que interpreta com maestria o capitão Walker) e em cada grito de socorro ouvido. Se for o segundo caso, talvez você queira tentar jogá-lo. Talvez não. O importante é frisar que The Line é contemporâneo e magnífico demais para ser deixado para trás. Assim como companheiros caídos, você não larga eles pra trás. Entendeu? NÃO. LARGUE. ELES. PARA. TRÁSWALKER!