Post dos Amiches – 3%: Acquária fazendo escola! – Por Luís Volkweis

3porcento1Luís Volkweis nos envia uma excelente resenha sobre a série Brasileira do Netflix! =D

Faaala galera! Eu sou o Luis lá do Geekburger e, quem escutou a minha primeira participação no Bem Amiches, sabe que Acquária mora no meu coração como uma das produções-bosta mais divertidas do cinema nacional. A sua estética tosca de futuro pós-apocalíptico feita “nas coxas”, com o que aparenta ser pouquíssima pesquisa de referências e o estagiário fazendo os efeitos em 3D (aquele lagartinho de duas cabeças mal renderizado e sem textura é um primor) dão todo o clima delícia a um roteiro que não se decide entre parecer um trabalhinho de jardim de infância sobre preservação da natureza ou um comercial de duas horas pra vender o álbum mais recente da Sandy Júnior e o irmão dela. E se você, leitor, é como eu e consegue não se levar a sério a ponto de se divertir com todas as características supracitadas como se tornassem o filme uma grande comédia, este texto não vai parecer tempo desperdiçado. Ou então vai, nunca se sabe…

Aí que recentemente a Netflix lançou sua primeira série original brasileira. Criada por um cara chamado Pedro Aguilera (que eu duvido que seja parente da Christina), 3% trata de um futuro pós-apocalíptico no Brasil, onde os pobres são realmente miseráveis e vivem sujos, com as roupas rasgadas, comendo migalhas em um lugar que parece uma cruza da Cracolândia com a antiga União Soviética, e os ricos são muito ricos e vivem em uma ilha chamada Mar Alto e, de tempos em tempos, prometem aos pobres a possibilidade de que se juntem a eles mediante um sádico processo de seleção no qual só 3% são aprovados. Em outras palavras, o Brasil de hoje. (t-dum-pssss!!!)
E só de ler esse trechinho, já deu pra sacar que a ideia geral do roteiro lembra muito algumas sagas pós-apocalípticas modernas como Divergente e Jogos Vorazes, certo? Há quem defenda que, por ter sido escrito lá em 2011, o roteiro não foi na carona do sucesso desses filmes (mas vale lembrar que o primeiro livro de Jogos Vorazes saiu em 2008 e que outras histórias desse tipo, como Battle Royale, existem desde o princípio dos tempos, então…) e que esta é uma bela maneira de discutir a situação atual do Brasil. Até seria, se tivesse sido escrita por um cara tipo o André Vianco, mas não… O resultado é que a série é engraçada pra caramba, mesmo não se propondo a isso. E vamos aos motivos:

A estética de “futuro”.

3% tenta adotar a mesma estética visual de produções como Divergente, Elysium e Maze Runner: o povo sujo, com roupas velhas, puídas, rasgadas e desgastadas pelo tempo e pelo fato de serem provavelmente as únicas peças de vestimenta que aquelas pessoas possuem, e os ricos, donos de um visual mais “clean”, sempre de roupas claras e de cortes simples. Jaquetas futuristas geralmente são ausentes de bolsos ou muita informação visual. Mas em 3% é muito melhor! É como se fosse um cospobre dessa linguagem!

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As pessoas não parecem homogeneamente sujas, como nas produções bem-feitas, em que dá pra ver que a sujeira é simplesmente uma consequência proveniente das condições em que vivem. Não. Em 3% parece que, 5 minutos antes do diretor gritar “Ação!”, os próprios atores pegam um naco de carvão e esfregam na cara, na loucura, porque né… Tem que estar sujo!

Esfrega o bagulho na cara aí, filha! Vai!

Esfrega o bagulho na cara aí, filha! Vai!

As roupas não parecem rasgadas e gastas pelo tempo e sim furadas e cortadas com a tesoura por adolescentes pra participar da Zombie Walk. Roupa nenhuma minha, por mais velha que fosse, sequer “rasgou” daquele jeito. Parece que o(a) diretor(a) de figurino – que não me dei ao trabalho de pesquisar quem é, mas tá de parabéns, hein? Joinha! – pegou uma tesoura e saiu cortando círculos no meio das roupas. Eu não conseguia parar de rir olhando aquilo e me lembrando da Regina George em Mean Girls e sua blusa cortada que lançou tendência no colégio. Não lembra? Foto abaixo…

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E aí, quando os candidatos são aprovados na primeira leva do processo seletivo, eles ganham uns uniformes, do mesmo jeito que acontece em Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner, só que, enquanto estes têm design pensado e grana por trás…

3porcento5…3% resolve com camisetas feitas naquele tecido de telinha – de fantasia de criança, sabe? – e a legging que o pessoal usou pra fazer academia no dia anterior.

Realidade olhando pra expectativa.

Realidade olhando pra expectativa.

3porcento7Já o design das roupas dos ricos é um show à parte! Seguem as mesmas referências anteriores, só que tem uns detalhes que simplesmente não fazem sentido! Como por exemplo, camisas com manga no lado direito, mas sem manga no esquerdo! Ou todos os casacos, jaquetas e blusas de manga comprida com um buraco em forma de estrela no meio do braço esquerdo. Por mais que exista alguma explicação, um provável “mumbo-jumbo” tecnológico para justificar aquilo, pois há uma espécie de implante naquele braço, bem no local do furo, essa ideia simplesmente não funciona e deixa tudo muito engraçado! Não dava pra ter colocado o implante em outro lugar?

E no inverno, como faz? Com aquele ventinho gelado entrando por ali… Tenso, hein?

E no inverno, como faz? Com aquele ventinho gelado entrando por ali… Tenso, hein?

O cenário pós-apocalíptico brazuca.

Do pouco que já dá pra ver no piloto, os cenários são tão toscos quanto o figurino. É tudo muito engraçado! Tudo bem, a ideia era mostrar a pobreza extrema em que as pessoas vivem e isso até está bem caracterizado. Afinal, é fácil… A série foi filmada em São Paulo. As tomadas em close mostram basicamente algum muro sujo e grafitado da cidade, mas a cereja do bolo é quando a câmera afasta e nos mostra o “concept” genial dos caras! Uma cratera em 3D com uma favela dentro. Tudo provavelmente feito pelo mesmo estagiário lá do começo do texto. Aquele que produziu o lagartinho mutante do Acquária… Esse mesmo!
3porcento9É muito engraçado, porque parece uma colagem de fotos cujas luzes e cores não combinam, um daqueles Photoshop Disasters, em que o “artista” pega um prédio de cada foto e junta todos eles e não se dá ao trabalho de ajustar a tonalidade. Deixa por isso mesmo e foda-se.

Mas essa não é nem a melhor parte.

A terra prometida, o tal Mar Alto, é uma cidade futurística cuja tecnologia avançada contrasta brutalmente com a pobreza horrível do local onde fica a maior parte do povo, chamado de Continente. O papo deles é que em Mar Alto, a medicina é tão avançada que é capaz de curar até um paraplégico. Elysium ligou e pediu o roteiro de volta, mas ninguém atendeu…

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A cidade, quando vista de fora, mais parece uma cópia de arquiteturas de animes e é até quase impressionante, o que nos leva a crer que o QG do processo de seleção dentro continente tenha a mesma tecnologia, certo? Errado.

Os candidatos passam por uma entrevista que parece uma versão sádica de uma entrevista de visto. Acho que os roteirista tiveram péssimas experiências ao tentar fazer turismo nos EUA. A ideia dos entrevistadores é aprovar apenas aqueles sinceros suficientes para não precisar implorar passagem. E aí a gente se depara com interpretações “de alto nível” por parte dos atores, mas eu já chego lá.

Na hora da entrevista até rolam umas projeções no vidro, com informações, leitura facial, interpretação de tom de voz, etc. Aí a gente pensa “Ó… Potencial”. Mas logo a série nos lembra que não, ao fazer os competidores montar bloquinhos dentro de uma sala decorada tipo um elevador de serviço, com aquela manta de amianto, sabe? De novo: ao diretor (ou diretora, também não procurei) de produção, os meus sinceros parabéns! Uma aula de como montar um cenário futurista comprando as coisas em uma loja de material de construção!

Montar bloquinho? Cadê o touch screen do futuro?

Montar bloquinho? Cadê o touch screen do futuro?

Enquanto os candidatos esperam a próxima etapa, há uma área de convivência que parece uma sala em um prédio comercial, com aqueles biombos bem baratos em mdf branco e carteiras escolares. Parece filmado na PUC. E assim também é a sala do vilão. O grande “game-maker”, chamado Ezequiel.

Ele é um cara bacana, que tenta se afogar na pia todos os dias de manhã, para “lembrar a si mesmo o quão frágil é a vida”, ou alguma outra idiotice dessas que a gente tá careca de saber.

Um vilão com cara de bundão e monocelha do Samuel Rosa, que usa camisas sem uma manga e casaco furado. Eu não teria medo dele nem que a minha vida dependesse disso.

O vilão assustador e a PUC do futuro.

O vilão assustador e a PUC do futuro.

Agora, antes de continuar, eu queria lembrar das interfaces de controle e comunicação que a gente já viu em Minority Report, no Homem de Ferro e até no próprio Jogos Vorazes. Aquele touch screen maroto, muitas vezes até holográfico. Visualizou aí?
Uma pena que 3% não teve grana pra fazer isso… O vilão usa uma mesa de desenho, dessas de arquiteto ou cartunista, com uma projeção safada feita na pós (o estagiário do Acquária se dando bem!).

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Interpretações de primeira.

E os atores? Agora chegou a hora de falar deles. E eu não vou citar nomes, pra não ficar chato.

Eu sempre achei os atores de Porto Alegre péssimos quando assistia produções locais. Mas durante 3% eu me vi colocando tudo em perspectiva e já estou até valorizando mais o esforço da dramaturgia porto-alegrense.

O nível de interpretação de todo o elenco faz com que o elenco de Malhação pareça Shakespeariano. É todo mundo ruim. Não se salva ninguém. O que, de certa forma, confere um tom de homogeneidade à produção. E o roteiro ajuda. Ajuda demais!

Há uma cena que em duas personagens são interrogadas por uma vilã, pois há a desconfiança de que uma delas é uma agente infiltrada da Resistência (sim, TEM QUE TER uma resistência, né?). Aí uma olha pra outra e fala “E agora?”, ao que a outra prontamente responde “Já sei! Eu tenho um plano! Agora a gente ataca ela!”, exatamente igual a “Eu sei de um plano! Você vai passar a noite com o Coringa! Vai se fantasiar de veado!” no grande e absoluto Batman Feira da Fruta. Nessa parte eu precisei pausar e esperar passar meu ataque de riso, porque a cena que segue é de uma das meninas pulando em cima da vilã e gritando “iiiááááá!!!” e as duas desmaiando em seguida.

E este é só um exemplo das muitas pérolas de interpretação que soaram como um banquete pra um fã de filmes ruins como eu. E o fato de 3% não ser uma série intencionalmente ruim torna tudo ainda mais divertido!

Em meio a uma crise econômica imensa no Brasil, eu diria que 3% é “o Jogos Vorazes possível”, “o Jogos Vorazes que rolou”. É a estética de Acquária mais uma vez se mostrando presente não só em termos visuais, mas em storytelling também. 3% é Acquária fazendo escola. É o grande legado daquela obra espetacular do trash não-intencional. Só faltou um solo de batera do irmão da Sandy Júnior.

 

 

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