O Siciliano : Livro vs Filme

Na Sicília dos anos 40, um homem lutou pra mudar seu mundo e salvar seu povo. Na Hollywood dos anos 80, Christopher Lambet lutou pra tentar ser minimamente carismático. E perdeu.

Sim, jovos e jovas, atendendo a MUITOS pedidos (pra mim, mais de um já é muito) e atendendo a minha preguiça de editar podcast, eis que volto a produzir resenha via post. E hoje vou falar de um livro que quase ninguém leu que foi adaptado pra um filme que quase ninguém viu. Falo de O Siciliano, livro de Mario Puzo que se passa no mesmo universo de O Poderoso Chefão.

Porém, ao contrário do livro que narra as desventuras da família Corleone, O Siciliano é baseado em acontecimentos reais. O tal Siciliano do título é ninguém mais, ninguém menos que Salvatore “Turi” Giuliano, um jovem de 20 e poucos anos que se revoltou contra as injustiças que o povo da Sicília sofria nas mãos dos ricos, políticos, da igreja e da máfia e resolveu revidar se tornando uma espécie de Robin Hood italiano, roubando dos ricos para dar aos pobres. Com muito carisma, Turi Giuliano, ao lado de seu primo e melhor amigo Gaspare “Aspanu” Pisciotta, reuniu um bando de camponeses e criminosos igualmente revoltados e, escondidos nas montanhas ao redor da cidade de Montelepre, desafiou os carabinieri (a policia militar italiana) e toda a burguesia local. O sujeito era tão astuto que precisaram apelar ao exército pra caçá-lo e, ainda assim, tiveram trabalho.

O LIVRO

Obviamente o livro de Mario Puzo romantiza muita coisa, afinal não há como saber exatamente como a história de Turi Giuliano ocorreu nos pormenores. E isso já começa com a inclusão da trama no universo de O Poderoso Chefão. A história se passa justamente no finalzinho do exílio de Michael Corleone na Itália foragido após matar Virgil “O Turco” Solozzo junto de um chefe de policia após o Turco ordenar a morte de seu pai, Vito Corelone, missão na qual falhou. O tal chefe de policia ia levar a cabo uma segunda tentativa com Don Vito ainda internado mas foi impedido por Michael. Em O Poderoso Chefão há todo um arco focado em Michael na Itália e O Siciliano acaba sendo um arco extra. O livro começa mostrando Peter Clemenza, braço direito de Don Corleone, falando a Michael que antes de voltar aos EUA ele precisa ajudar na fuga de um certo Turi Giuliano que iria junto com ele. Em seguida o livro volta no tempo e conhecemos a história do jovem Giuliano.

Turi Giuliano era um jovem de 20 poucos anos, muito querido em Montelepre, cidade pobre da Sicília onde nasceu e foi criado. Sempre junto de seu primo, Aspanu Pisciotta, um típico malandro conquistador que com seu bigode fino poderia muito bem ser um boêmio brasileiro daquela época, Giuliano está sempre tentando ajudar como pode. Só que enquanto Giuliano é inocente e idealista, Pisciotta é o completo oposto, realista, pragmático e até malicioso. Porém, completamente devotado ao primo a quem muito admira.

A inocência de Giuliano acaba quando um dia, as vésperas do casamento de sua irmã, ele e Pisciotta vão até uma cidade vizinha afim de comprar salame e queijo no mercado negro pra festa, já que o único meio “legal” pra se comprar esses alimentos era nas mercearias “protegidas” pela máfia (ou os “amigos dos amigos” ou ainda “homens de respeito” como preferiam ser chamados já que eles não gostavam que o chamassem de mafiosos) a preços exorbitantes. Como a história pouco muda, os carabinieri estavam mancomunados com a máfia e fiscalizavam as montanhas afim de apreender tais mercadorias. Como conhecedores de cada centímetro das montanhas, Giuliano e Pisciotta conheciam todas as rotas pra se desviarem dessas batidas. Só que, por ironia do destino, os carabinieri resolveram montar guarda justamente em uma dessas rotas seguras. Após uma breve discussão e serem humilhados continuamente pela policia, Giuliano e Pisciotta se recusam a pagar suborno e tentam fugir mas o chefe do pelotão de carabinieri atira em Giuliano que, ainda no ar com o impacto do tiro de escopeta no flanco esquerdo, dá um tiro com a pistola que mantinha escondida no casaco e acerta a cabeça do chefe dos carabinieri matando-o na hora. Pisciotta leva o primo a um mosteiro onde um frade que também tinha ligações com os “amigos dos amigos” mas adorava a dupla de primos por conhece-los desde meninos, os esconde e providencia ajuda mas deixa claro a Pisciotta que Giuliano VAI morrer e manda que avise a mãe do moribundo. Só que Giuliano, em um aparente ultimo esforço, diz a Pisciotta que diga a sua mãe que vai ficar bem. E, contra todas as possibilidades, o sujeito sobrevive!

Agora, com sangue nos olhos e puto porque quase foi morto por conta de um pedaço de queijo, o que demonstrava como a vida do povo da Sicilia valia tão pouco pra quem tinha o mínimo de poder, Giuliano jura que vai lutar contra o sistema podre que rege a região. E isso significa bater de frente com gente tão poderosa quanto cruel. Só que Giuliano acaba caindo nas graças do povo por estar sempre a favor dos pobres e isso faz com que seu grupo aumente assustadoramente. Agora a Sicilia tem um protetor que observa tudo do alto das montanhas.

Salvatore “Turi” Giuliano

O ritmo de o Siciliano, em comparação com O Poderoso Chefão, é mais aventuresco, por assim dizer. Temos mais ação, mais correria e mais tiroteios. No entanto, por ter que cobrir uma história real que se passa em sete anos em 370 páginas, temos alguns saltos bruscos no tempo que podem incomodar um pouco. Não estragam a leitura, de modo algum, mas comparado ao próprio O Poderoso Chefão, pode soar meio apressado em alguns momentos. No entanto, o trabalho que Puzo faz com os personagens é sensacional.

É muito fácil gostar de todos eles, desde os bons até os maus. Giuliano era uma figura extremamente carismática na vida real e Puzo consegue passar isso em pequenos atos, como quando ele encontra um casal de irmãos pequenos chorando porque o dinheiro que o pai os deu pra comprar coisas na mercearia havia sido roubado pelos carabinieri. Sem pensar duas vezes, Giuliano dá dinheiro as crianças e manda eles dizerem ao pai pra não se zangarem com eles e que a partir de agora a família estaria sobre sua proteção pessoal. Esse pequeno gesto vai ter um desdobramento maior na vida de Giuliano que ele nem imagina.

E por falar em família, a relação de Giuliano com a sua é a força motriz em muitos momentos da trama, sobretudo com a sua mãe, Maria Lombardo Giuliano, a quem ele simplesmente idolatrava acima de todas as coisas e ela ao filho. A mulher lamentava a vida que o filho levava por ter cometido um crime, tendo que se esconder nas montanhas e ficando longe dela, mas batia no peito de orgulho ao falar como o filho ajudava o povo de modo que politico ou religioso algum o fizera. A relação de Giuliano e Maria Lombardo é de uma importância tal que eu peço que vocês guardem isso pra quando eu for falar do filme.

Outro personagem importante pra Giuliano é seu padrinho, Hector Adonis. Professor da faculdade de Palermo, sempre instruiu o afilhado e o incentivou no hábito da leitura o que desenvolveu o intelecto de Giuliano em um nível muito acima dos outros cidadãos de Montelepre, muitos deles analfabetos devido a necessidade de trabalhar desde cedo. Esse cuidado com garantir a cultura de Giuliano o ajudou a se transformar num grande estrategista. Hector Adonis é muito baixinho, quase anão, e isso o transforma em alvo de piadas onde quer que vá. O único que lhe trata pela estatura moral é seu afilhado, a quem ele tanto ama. Hector também ama Pisciotta como afilhado, apesar deste não ser tão respeitoso como Giuliano, mas ele sabe que ele sairia em sua defesa em qualquer situação de maneira até violenta se preciso fosse pois ama o professor igualmente. Hector Adonis é a ponte entre Giuliano e o homem que comanda Montelepre e boa parte da Sicília, o “amigo dos amigos” Dom Domenico Croce.

Dom Croce tem muito em comum com o jeito de se comportar de Dom Vito. É o tipo de mafioso que não faz ameaças, que não usa de violência. Eles é comedido e deixa tudo nas entrelinhas, mas quem o conhece sabe exatamente o que ele quer dizer. Seu interesse em Giuliano se dá por sentir a necessidade de ter um herdeiro pra seu império quando se for já que seu filho biológico não tem o menor interesse nessas coisas. Porém, o idealismo de Giuliano bate de frente com os interesses de Dom Croce continuamente e será inevitável que eles se tornem inimigos, mesmo que Dom Croce lamente isso profundamente. Curiosamente Dom Croce é descrito como gordinho e com o nariz pontudo que muito se assemelha a um bico de pássaro, o que não deixa a comparação imediata com o Pinguim do Batman passar batida.

Do bando de Giuliano podemos destacar os bandidos Passatempo e Terranova. Terranova era quase um bandido acidental, matou dois coletores que foram a sua fazenda levar o único porco que tinha pra garantir o sustento da família. Já Passatempo era bandido com “B” maiúsculo. Assassino, estuprador, ladrão e o escambau era conhecido por ter um rosto tão medonho que só sua presença já causava medo. A única pessoa que impõe respeito sobre ele é Giuliano.

Mas meu personagem favorito não poderia ser outro senão Aspanu Pisciotta. Com seu jeito de malandro e seu sarcasmo, Pisciotta está sempre proporcionando as melhores tiradas. É justamente sua falta de confiança nos outros que acaba salvando Giuliano de fazer besteira por sua quase inocência muitas vezes. Pisciotta sofre de tuberculose e, ainda assim, fuma feito uma chaminé. Ao contrário de Giuliano que, como sabemos desde o começo do livro, quer ir pra América, ele não alimenta ilusões com a vida fora da Sicilia. O destino de Pisciotta é cruel, mas não da forma que você possa estar imaginando.

Giuliano e Pisciotta sempre juntos.

Se tem romance no livro? Claro que tem! Só que os amores da vida de Giuliano foram muito passageiros. O primeiro é uma mulher conhecida como La Venera, uma viúva de trinta e poucos anos que viu o marido, um bandido, ser fuzilado na frente de sua casa pelos carabinieri. La Venera é amiga da mãe de Giuliano e quando eles acabam tendo um caso, a mãe acaba por aprovar já que sabia que ela tinha noção dos riscos que Giuliano corria graças ao trágico destino de seu marido e estaria disposta a fazer o que for para ajudar além de não nutrir a ilusão de constituir uma família, o que poderia colocar ainda mais em risco a vida de Giuliano.

O segundo é Justina, uma menina de 17 anos com quem Giuliano de fato se casa e com quem pretende fugir pra américa já que ela está grávida. Não vou entrar em muitos detalhes quanto a Justina mas basta dizer que o amor dela por Giuliano é fruto de um ato de bondade do passado.

Uma coisa que pode incomodar muita gente nos livros de Mario Puzo é que eles retratam o pensamento da época em que se passam com muita naturalidade. Por exemplo, em O Poderoso Chefão temos o caso de Connie Corleone que se casa com um sujeito que vive batendo nela. Aí você pensa “Quando Don Vito souber, vai matar o cara!” mas…não! O sujeito não apenas concorda com o “direito” do marido bater na mulher como ainda imputa culpa a filha por não ser uma boa esposa. E isso porque Connie era o xodó do sujeito! Por sorte, os irmão de Connie não são tão “pacientes” assim! Quer dizer…pro Sony não foi muita “sorte” não…

Já em O Siciliano, temos um panorama politico que anda mais escancarado do que nunca hoje em dia. Em dado momento do livro estão pra ocorrer as eleições e o povo pobre da Sicília resolve votar no partido Socialista porque eles prometeram que o povo teria direito a sua própria terra pra cultivar e teria o direito de usufruir do que produzisse já que muitas terras estavam paradas mas os donos, os ricos da região, não permitiam que ninguém colocasse as mãos nelas por motivos de ” O BRINQUEDO É MEU E NINGUÉM BRINCA! NÃO IMPORTA SE SEU NÃO TÔ BRINCANDO!”. O outro partido, o democrata-cristão que é um partido de extrema direita, fica PUTO com isso! Por que? Porque o partido democrata-cristão atende os interesses dos ricos, de Roma e da Máfia. E TODOS enchem o cu de dinheiro explorando os pobre! Se os socialistas vencerem, o povo ganha seus direitos e eles ficam IMPEDIDOS DE COIMETER CRIMES! E, sim, eles praticamente falam isso com todas as letras! Qual o discurso que eles adotam, então, pra tentar reverter esse quadro? “Olha, pessoal, se vocês votarem nos socialistas, eles vão implantar o comunismo e acabar com a santa igreja católica! Vocês não vão poder ir mais a igreja porque esses ateus nojentos vão destruir todas! Ah, e eles vão ensinar putaria nas escolas e acabar com a família tradicional italiana! É isso que vocês querem? Eu sei que não é isso que EU quero, tá ok?”. Soa familiar pra vocês…?

E apesar de ter um pouco mais de cultura que os outros e de ajudar os pobres, o IMBECIL do Giuliano acredita nessas baboseiras e resolve ajudar os democrata-cristãos a vencer as eleições. É nesse ponto que a queda do sujeito começa. E é nesse momento em que você fica num misto de “iiih, rapaz…vai dar ruim…” com “Bem feito, otário!”.

Como já me estendi demais e ainda preciso falar da adaptação pro cinema, vou fechar o bloco do livro por aqui dizendo que apesar de O Poderoso Chefão ser muito melhor, O Siciliano é um bom livro. Ele te prende, tem personagens carismáticos e ainda serve como um ótimo complemento a O Poderoso Chefão. No Brasil o livro ganhou 6 publicações diferentes, duas pela Record em 1984, uma pela Rio Gráfica também em 1984, duas pela Circulo do Livro sendo uma em capa dura em 1986 (é a que tenho) e outra em capa cartão em 1987 e a última pela Betrand Brasil em 2010 que estranhamente consta como tendo 529 páginas contra as 370 das edições anteriores. Será que meteram O Poderoso Chefão junto? Acho difícil. Bem, o importante é que você deve conseguir baratinho em sebos pela sua cidade (caso tenha sebos pela sua cidade) ou nos sebos virtuais onde ele aparece por preços entre R$6,00 e R$10,00.

Agora vamos a esse troço que ousam chamar de “filme”…

O FILME

Quando foi adaptado pra telona, O Podeso Chefão tinha o trunfo de ter Mario Puzo, o escritor do livro, como roteirista! Assim sendo, temos, claro, muita coisa cortada mas a linha principal da trama mantida com extrema fidelidade. Una a isso a direção magistral de Francis Ford Copolla e a celebre trilha sonora de Nino Rota e temos uma duologia que é uma obra de arte (o terceiro tem roteiro de Puzo, direção de Copolla e trilha de Nino Rota mas convenhamos que é BEEEEEM inferior e, ouso dizer, completamente desnecessário). Já no caso de O Siciliano, TODAS as escolhas foram erradas PRA PORRA!

O filme O Franco Atirador (The Deer Hunter) ganhou o Oscar de melhor filme em 1979. No elenco temos Robert de Niro, o jovem Vito Corleone em O Poderoso Chefão: Parte 2, e John Cazale, o Fredo nas Partes 1 e 2. E em 1986 alguém deve ter pensado “Hmmm…O Poderoso Chefão ganhou um Oscar. Robert de Niro e John Casale estavam em O Poderoso Chefão. Eles também estavam em O Franco Atirador que TAMBÉM ganhou um Oscar. A gente vai adaptar O Siciliano que também é um livro do Mario Puzo mas o Copolla tá ocupado dirigindo Jardins de Pedra. E se a gente chamasse o cara que dirigiu O Franco Atirador? Seria quase a mesma coisa, né? E ainda tem o risco de ganhar um Oscar de novo!”. E deve ter sido assim que Michael Cimino acabou na cadeira de diretor de O Siciliano.

Mario Puzo sequer passou perto do roteiro. O cargo ficou pro novelista Steve Shagan e, pouco depois, reescrito por Michael Cimino e Gore Vidal. E, olha, eu já não tenho boas referências de Shagan que dizem ser um escritor bem “marromenos” mas parece que Cimino e Vidal vieram pra dizer “Hmmm…isso tá ruim. Mas tem como piorar!”. A impressão que dá é que o trio leu o livro, pegaram seus exemplares, fizeram uma bola, chutaram pela janela e disseram “Agora vamos colocar tudo isso dentro dos clichês de filmes americanos e deixar genérico e sem alma! Ah, e colocar um peitinhos também!”.

O primeiro grande problema do filme é que ele não introduz Giuliano e Pisciotta. O filme COSPE os dois na trama! Você não sabe quem eles são, o que estão fazendo, porque estão fazendo, pra que estão fazendo…o filme simplesmente prefere introduzir nos seus minutos iniciais uma duquesa que tem uma participação MINIMA no livro e no filme resolvem transformar ela numa futura peguete de Giuliano sendo que no livro eles tem só uma breve conversa sem NENHUMA conotação sexual.

Giuliano e Pisciotta no filme.

Após mostrar dois malucos fugindo da policia por motivos de FODA-SE já que o roteiro é uma merda, acompanhamos um pouco o professor Hector Adonis. Lembram que eu falei que no livro ele era baixinho e motivo de piada? Então, muita gente tratava sua baixa estatura quase como ume deficiência por puro preconceito. No filme, o trio Shagan, Cimino e Vidal usam da sutileza de um elefante bêbado com labirintite e trocam o personagem baixinho por um ator alto e FAZEM ELE SER DEFICIENTE DE FATO! Eu achei isso de uma mal gosto cretino da porra!

O filme adianta muitas situações sem muita importância, mutila outras realmente importantes, tornam algumas muito corridas e mal explicadas as tornando completamente confusas pra quem não leu o livro e ainda tem o agravante de ter Christopher Lambert no papel de Turi Giuliano. O personagem é ultra carismático no livro e Lambert tem o carisma de um tijolo de 8 furo no sol quente! Unido a isso temos o fato do entendimento errado do que seria a “inocência” de Giuliano por parte dos roteiristas. No livro, a inocência de Giuliano se dá pelo fato dele acreditar que se o povo se unir pode derrubar os poderosos mas ele NUNCA fala, age ou faz coisas estupidas. Já a interpretação de Lambert faz ele parecer o que aqui no nordeste nos chamamos de “Tabacudo” ou “Abigobal” que, traduzindo pra uma linguagem de compreensão geral, quer dizer que ele age feito um abobado! Ele tem uma carinha e um jeito de que se você entregasse um bilhete escrito “Leia do outro lado” dos dois lados ele passaria uma tarde inteira girando o pedaço de papel.

A face de um verdadeiro líder…

Outro problema está na escolha do Aspanu Pisciotta. No livro é dito que ele, assim como, Giuliano, é muito bonito só que ele aproveita a sua beleza pra também ser sedutor. Aí, no filme, me colocam O JOHN TURTURRO! Olha pra essa cara e me diz se você se sente seduzido(a) o mínimo que seja!

Sem falar que o Turturro até tenta deixar o personagem com jeitão “malandro safo e ameaçador” mas o filme simplesmente não deixa!

Giuliano também tem um romance, um amor de infância no filme na forma da jovem Giovana Ferra. No filme ela é irmã de um personagem que aparece mais tardiamente e tem importância no plot das eleições, sendo o representante dos socialistas. Eu realmente não lembro dele ter uma irmã e, caso tenha, ela certamente não tem importância pra trama. No filme ele é colocado pra escanteio e Giovana recebe todo o destaque. Basicamente ela é o “romance obrigatório pro publico em geral” e é um saco!

Aí a gente volta pra duquesa. Como eu disse, no livro Giuliano tem um dialogo com ela muito breve. Na cena, ele reconhece a beleza da duquesa e a duquesa a dele mas eles não passam do flerte leve. Ele rouba as joias dela e quando pega um anel que está em sua mão, ela protesta dizendo ter um valor sentimental. Giuliano então diz que essa será a única joia que ele não venderá pra dar o dinheiro aos pobres mas que vai usá-la como se estivesse guardando pra ela. Esse anel, inclusive, é famosíssimo na história real de Salvatore Giuliano. Já no filme, eles transformam a cena do encontre de Giuliano e da duquesa numa cena de soft porn com o ponto mais imbecil sendo o momento em que Giuliano lhe tira o anel, põe no dedo e a mulher manda um “Com este anel, eu te recebo”. Na cabeça do trio de escritores isso deveria soar bonito pra porra, mas o fato é que fica imbecil e brega pra cacete! Pior ainda é quando a duquesa repete essa frase depois que Giuliano vai embora depois de furunfarem e a duquesa simplesmente é ESQUECIDA pelo resto do filme!

Dom Croce é um personagem complexo no livro. Ele gosta de Giuliano mas se precisar passar por cima dele, ele passará. No filme, ele é mostrado como um cara que realmente se importa com Giuliano. A ambiguidade que deixa o personagem interessante é mandada pra vala sem dó nem piedade.

No filme também inventam um “parceiro mirim” pra Giuliano. O moleque aparece no inicio do filme, aparece uma cena de assalto, some e quando o filme tá na reta final, ele aparece do nada pra fazer uma cena dramática que funciona tanto quanto eu fazendo tranças já que o moleque tem o leque de expressões faciais do Steven Seagal. Isso sem falar que você nem se lembra dele pra se importar!

O menino é tão memorável que só achei essa foto pequena dele online.

Porém, a PIOR CAGADA DO FILME INTEIRO foi terem cortado Maria Lombardo Giuliano da trama! Os pais de Giuliano são citados UMA vez no filme mas NUNCA aparecem! O lugar que seria de Maria Lombardo é tomado pela sem peso e sem sal Giovana. O sofrimento de Maria Lombardo e sua luta pra defender o filho quando acuada pelos carabinieri que estavam quase sempre na porta da sua casa esperando pegar Giuliano de surpresa em eu uma eventual visita, entregavam uma personagem cativante e pela qual você se importava. Giovana é só uma moça com cara de fofo de embalagem de tintura de cabelo e com o carisma dessa mesma embalagem virada do avesso. Aliás, ambos os romances de Giuliano no livro, com La Venera e com Justina, acontecem com a história já bem avançada e são breves mas tem um peso bem maior que cada segundo de Giovana e Giuliano juntos no filme inteiro.

Outro ponto a se destacar negativamente é que na tentativa do roteiro de se afastar completamente do livro e preparar surpresas, ele acaba desfigurando personagens. O caso mais notório é a troca de personalidades entre Passatempo e Terranova em uma cena chave. Sem dar spoilers, basta dizer que colocaram um dono de fazenda que tentou defender a família e não queria guerra com ninguém sendo pior que o estuprador, assassino, ladrão e filha da mãe. Esse roteiro é uma perola do retardo.

Não vou nem me estender muito no fato do filme não ter personagens de O Poderoso Chefão porque creio que teriam gastado fortunas em salários mas vou dizer que o final do filme é muito, muito , mas MUUUUITO xoxo perto do final do livro. Não vou dar spoiler mas vou dizer que o polt twist no final do filme é tão bosta que tem um figurante num barco ajeitando umas cordas numa vela que provavelmente deveria reagir ao que acontece a uns 2 metros dele mas ele continua mexendo nas coisas com uma cara de “foda-se essa porra! Esse filme não vai alavancar minha carreira mesmo!”. Aliás, o filme está disponível completo no YouTube caso você queira arriscar e, procurando pro ele internet afora antes de lembrar de olhar no YouTube, eu descobri uma critica do falecido Rubens Ewald Filho que demonstrava não apenas DETESTAR o filme como se sentir de maneira muito similar ao ator Christopher Lambert.

Ah, também descobri que existe uma versão de 145 minutos que só foi lançada poucos anos atrás em BluRay. Mas…não, obrigado! Existe um outro filme chamado “Salvatore Giuliano” filmado na Itália em 1962, ou seja, 12 anos após a morte de Giuliano. O filme tem um tom mais documental devido a época tão próxima dos acontecimentos reais mas, apesar de BEEEEM MELHOR que O Siciliano, ele pode ser cansativo por não ter uma narrativa linear e em muitos momentos mostrar o grupo de Giuliano praticando ataques aleatórios sem explicação alguma. O interessante esta no fato de mostrar mais o lado dos militares antes a lenda de Giuliano. Ah, e muito me faz crer que Mario Puzo se inspirou nesse filme em vários momentos de seu livro.

Pra fechar, devo dizer também a produção do filme é meio desleixada. Em muitos momentos os personagens aparecem em trajes que não remetem aos anos 40. Parece mais que o elenco saiu atrasado de casa e o diretor disse “VAMOS FILMAR! NÃO HÁ TEMPO PRA TROCAR O FIGURINO! NINGUÉM VAI NOTAR ESSAS ROUPAS DOS ANOS 80 NUM FILME QUE SE PASSA EM 40!”. Isso sem falar na cena HORROROSA onde a equipe aparece puxando o carrinho com a câmera no reflexo da porta de um carro.

Enfim, se quiserem conferir o livro, eu recomendo, se quiserem conferir o filme, eu avisei! Até a próxima, amiguinhos e amiguinhas!