Mike Mignola: Um artista na contramão.
Mike Mignola é um gênio das HQs, que não reste dúvidas quanto a isso!
Seu estilo único é “complexamente simples” é reverenciado até hoje por artistas do naipe de Alex Ross e Bruce Timm. Mas, se você leu meu último post sobre Hellboy no Inferno, viu que eu falei que Mignola estava sofrendo de uma “regressão reversa” quando, na verdade, eu quis dizer “progressão reversa”, ou seja, o sujeito estava avançando no tempo com o traço fazendo o caminho inverso.
Muita gente vai discordar de mim e bater o pé dizendo que o traço do sujeito ainda continua “sensacional”, “lindo” e outros adjetivos enaltecedores. Talvez pelo carinho e admiração que as obras do sujeito incitam nos fãs, como eu, mas isso está longe de ser verdade e hoje vou explicar por que penso assim. Para tanto, vamos acompanhar a evolução do traço de Mignola em Hellboy. Mas, primeiro, vamos mostrar como esse estilo se iniciou.
Mignola foi originalmente contratado como arte finalista pela Marvel. Em 1984 assumiu como desenhista pela primeira vez, em uma história curta do Namor na Marvel Fanfare . Com um traço MUITO diferente do qual estamos acostumados,pode-se dizer que com um traço “mais tradicional”, ainda assim Mignola tinha algo muito próprio e já mostrava seu amor pelo tom sombrio em suas tramas.
Mas foi em 1988, ao lado do desenhista Jim Starlin, que Mignola mostrou dar os primeiros passos em direção ao seu famoso estilo na saga Odisseia Cósmica. Personagens desenhados de maneira simples e angulares, com o sombreamento marcante, ainda que muito mais leve nessa época, fizeram de Odisseia Cósmica uma HQ atemporal e uma das mais belas obras, visualmente falando, da DC até os dias de hoje.
Nos ano seguinte ele produziria, ao lado do roteirista Roger Stern, “Dr. Estranho e Dr. Destino: Triunfo e Tormento”, dessa vez trabalhando mais o uso das sombras e já flertando fortemente com temas sobrenaturais.
Em 1993 ele trabalharia em duas obras onde definiria de vez o estilo que seria empregado em Hellboy, “Aliens: Salvação” e a adaptação de Drácula de Bram Stocker para os quadrinhos, está segunda uma perola que, infelizmente, não chegou ao mercado brasileiro.
E foi também em 1993 que Hellboy debutou em Next Men, de John Byrne, e também ganhou uma história curta que seria distribuída na San Diego Comic-Con daquele mesmo ano.
Em 1994 chegava as comic shops americanas “Hellboy: Sementes da Destruição”, um sucesso que foi seguido de outras grandes histórias como todos nós bem sabemos. Isso posto, é hora de efetivamente falar da arte do Mignola. Em “Sementes da Destruição” e “Os Lobos de Santo Augusto”, Mignola manteve o traço inicial, sempre muitíssimo bem detalhado, com um Hellboy de ombros largos sempre aparecendo em closes e painéis que o mostravam claramente como um brutamontes.
A partir de “O Despertar do Demônio” já era perceptível uma grande simplificação no traço de Mignola, agora com personagens muito mais angulares, sem tantos detalhes na musculatura e com menos closes dramáticos em Hellboy. Esse traço seguiu sendo simplificado nas histórias seguintes, como pode ser claramente notado no encadernado “A Mão Direita da Perdição”, onde os traços estão ainda mais simples.
Mas isso foi ruim? De forma alguma! Apesar de ainda achar o traço de Sementes da Destruição e Lobos de Santo Augusto” (ou “Lobos de Santo Augustinho”, caso você só tenha o vol. 3 da Coleção História, ” O Caixão Acorrentado e outras histórias”) as coisas mais lindas de toda a saga do vermelhão, essa simplificação, unida ao domínio de luz e sombras de Mignola e a sua narrativa totalmente inspirada pelo expressionismo alemão, teve um resultado fantástico e, possivelmente, tenha dado mais velocidade ao trabalho de Mignola, que precisava desenhar tirinhas semanais do Hellboy para os jornais (sim, muitas das historietas do Hellboy foram publicadas originalmente em tirinhas).
Essa simplificação se seguiu e tomou uma proporção mais perceptível em “Paragens Exóticas”, onde Mignola trocava os traços detalhados de músculos e dobras das roupas por traços rápidos e secos, e a total falta de cenários em algumas páginas era algo gritante. Ainda assim, casando perfeitamente com seu estilo minimalista. E foi quando Mignola resolveu ceder o lápis de Hellboy para outras pessoas, pois já não estava satisfeito com seu traço…
A partir daí dois nomes se tornaram comuns em Hellboy, Richard Corben, que desenhava aventuras curtas sem grande relevância na trama principal, e Duncan Fegredo, que substituiu efetivamente Mignola na continuidade. Fegredo tinha uma certa similaridade com o traço de Mignola nos primórdios de Hellboy, só que sem a angularidade acentuada do traço original. Ainda assim, um ótimo substituto. Do Richard Corben eu confesso que nunca gostei. Todos os seus personagens parecem anões deformados…mas tem quem AME e defenda o cara com unhas e dentes. Devo confessar que o traço “Anões Defeituosos Everywhere” dele em Hellboy não me incomodou tanto.
Aí Mignola resolve voltar um dia e desenhar algumas histórias curtas, como “O Legado Whittier”, de 2010. E aí já estava claro que talvez o Mignola estivesse simplificando demais…
Os traços rápidos e secos vistos em “Paragens Exóticas” se tornaram grandes garranchos que pareciam ter sido feitos com um lápis com a ponta quebrada, o traço angular e reto agora estava tremido…tudo estava bizarramente simples demais, mais parecidos com um grande esboço colorizado.
“Mas tudo bem, essa era uma história curta, de 10 páginas apenas, ele poderia ter feito as pressas, só isso!” era um pensamento que poderia gerar consolo. Mas foi quando Mignola retomou os desenhos com “Hellboy no Inferno” que a cruel verdade foi revelada: aquele ERA MESMO o atual traço de Mignola. E eu lamentei…
E é aí que muita gente pode bater o pé e dizer que “Ainda tá bonito! Tá estiloso! Quero ver você fazer melhor!” e outros argumentos similares. Mas, pessoal, usem o bom senso e sejam honestos consigo mesmos… está LONGE de ser a sombra do que o Mignola foi um dia! Ele ainda domina o uso de luz e sombras? Divinamente! Mas os seus personagens são sempre deformados, com rostos muitos similares, sempre redondos e com narizes se limitando a uma linha curva e torta. A simplificação do Mignola chegou a um nível que parece que o cara só faz o esboço e manda o Dave Stewart jogar a cor por cima, quase um Yoshihiro Togashi americano (artista japonês que, muitas vezes, entregou páginas de seu mangá, Hunter x Hunter, ainda na fase de esboços para serem publicadas)!
Na edição 7 de “Hellboy no Inferno” temos algumas páginas aquareladas e elas ficaram belíssimas, pois trouxe uma leveza a esse traço pesado e garranchudo do Mignola.
Enfim, essa é uma opinião pessoal, você tem todo o direito de achar que o Mignola ainda tá bem. Em minha opinião fecal, mesmo com todos os defeitos que eu apontei, o sujeito ainda dá um banho em muito desenhista por aí. Não sei se foram os anos de trabalho que acabaram cansando o sujeito, como aconteceu com John Byrne, John Romita Jr., Dave Gibbons e tantos outros desenhistas que surgiram nas décadas de 70/80, mas bem que eu gostaria de ver uma HQ do Hellboy com o Mignola tentando voltar ao seu antigo traço. Uma “involução positiva”, por assim dizer. Agora é esperar pra ver se um dia ele voltará aos traços do vermelhão ou se “Hellboy no Inferno” foi mesmo sua última incursão como desenhista de sua maior criação. Espero, sinceramente, que não.