Mágico Vento: O Constantine do Velho Oeste.

Um dos melhores “acidentes quadrinisticos” que já me aconteceu!

“Mas o que diabos você quer dizer com acidente quadrinistico, Hellbolha?” você pode estar se perguntando. E eu explico: Acontece que tudo começou quando eu li “Universo Marvel vs Justiceiro” publicada na saudosa “Grandes Heróis Marvel” da Panini em 2012, uma das melhores publicações da época que sempre trazia séries fechadas em 2 ou 3 edições. A história se passava em um universo Marvel pós-apocalíptico e mostrava Frank Castle caçando vários super-heróis que haviam sido infectados por um misterioso vírus que os transformava em canibais ensandecidos. Adorei a trama mas gostei mais ainda dos desenhos de um tal Goran Parlov. O sujeito tinha um traço diferente do que era comum em quadrinhos de super-heróis, um traço “mais simples”, já que ele não não entupia os seus personagens de músculos e veias saltando e nem de hachuras infinitas. Ele trabalhava muito bem com luz e sombra, sua narrativa era ótima e seu Justiceiro era desenhando de um modo que parecia um trator humano, você acreditava que aquele sujeito era um cara de 50 anos ou mais que poderia varrer o chão com sua cara usando uma única mão.

Acabei descobrindo que ele havia desenhando uma fase inteira do Justiceiro durante o run do Garth Ennis e, obviamente, fui atrás. Fiquei mais encantando ainda! Só que em determinado número Parlov saiu e outros desenhistas entraram. Fiquei órfão do traço e fui procurar mais coisas em que ele havia trabalhado. Foi quando vi que além do Justiceiro, de um spin off estrelado pelo Barracuda (vilão da fase desenhada por ele no Justiceiro) e uma mini-série do Nick Fury, o sujeito, de origem croata, havia desenhado muito para o mercado italiano, com uma longa passagem por um título até então desconhecido pra mim, chamado Mágico Vento. Um dia, passando em uma banca da feira que vende discos e livros acadêmicos antigos, vi uma caixa cheia de gibis do Mágico Vento e perguntei ao senhor quanto custava. Ele disse “1 é R$2,00 e 3 é R$5,00” e logo pensei “Bacana! Vou procurar alguma coisa que o Goran Parlov tenha desenhado!” . O detalhe é que NUNCA gostei de gibis de faroeste, já tinha tentando ler Tex uma vez, mas a história arrastada, os desenhos estáticos e a visão do “cowboy limpinho de comercial de cigarro” que o personagem me passava não ajudou. Mas aí eu percebi duas coisas olhando para as capas de Mágico Vento que me pareceram muito promissoras: 1- As histórias se focavam mais nos índios, já que o personagem título, apesar de americano, se vestia como um e convivia com eles. 2- Muitas histórias se focavam no sobrenatural, tema que ADORO! Peguei 3 que tinham as capas mais voltadas pro terror, paguei os R$5,00, fui pra casa, li e uma história de amor nasceu ali. Alias…DUAS!

Arte de Mágico Vento por Goran Parlov.

Mas qual é a história de Mágico Vento? Bem, tudo gira em torno de Ned Ellis, um soldado confederado que acaba por ser o único sobrevivente da explosão de um trem a vapor. Encontrado por um velho xamã, Ned acorda desmemoriado em uma tribo indígena e começa a aprender os costumes locais e a ser guiado pelo caminho do xamanismo quando descobre que, graças a uma farpa de metal que ficou alojada em seu cérebro, consegue ter visões. Assim sendo, é batizado pelo velho xamã como Mágico Vento. Quando começa a tentar desvendar seu passado conhece um jornalista chamado Willy Richards, o qual é mais conhecido pela alcunha de Poe devido a sua agressiva semelhança com o escritor Edgar Allan Poe. No decorrer da trama, Mágico Vento e Poe irão conhecer o vilanesco Howard Hogan, o qual tem ligação direta com o acidente de trem que quase matou Ned e, de quebra, enfrentar criaturas sobrenaturais pelo caminho em casos que apenas Mágico Vento pode ajudar com suas habilidades.

Mágico Vento e Poe no traço de Parlov.

Criado pelo homem multi-tarefa, Gianfranco Manfredi, que já trabalhou com música, cinema, escreveu romances e foi roteiristas em praticamente todos os grandes fumettis já publicados na Itália, Mágico Vento começou a ser publicado em 1997 e chegou ao Brasil pela Mythos em 2002 sendo encerrado em 2013 no número 131. O primeiro fator que me cativou foi justamente o fato de ser um fumetti moderno, pois o que me desagradava em Tex era justamente o traço engessado, coisa até comum tendo em vista que Tex foi criado em 1948 e não é incomum edições dos anos 60 ou 70 serem republicadas no Brasil e possivelmente foi uma dessas que tentei ler e não consegui anos atrás. Aliás, muitos desenhistas veteranos ainda desenham Tex e mantém essa “estética estática” até hoje. Em Mágico Vento isso não ocorre! Apesar da temática similar os seus desenhistas são contemporâneos o conseguem empregar uma narrativa ágil e dinâmica mesmo seguindo a estética clássica dos fumettis de até 6 painéis em uma página pequena.

 

Outro fator que me cativou, como já dito antes, foi o fato de termos muitas aventuras sobrenaturais. Mas não apenas isso! O universo explorado aqui não se limita a fantasmas e monstros, mas a muitos mitos e crenças da cultura indígena que, graças ao trabalho extenso de pesquisa que Manfredi adora fazer antes de escrever seus roteiros, acabam nos apresentado a criaturas fantásticas e assustadoras na mesma medida que você jamais sonhou existirem mas que para os índios eram tão naturais quanto o saci ou a caipora são para nós. Uma das minhas edições favoritas é a de número 8 onde Manfredi nos introduz um velho conhecido graças as várias aparições em HQs da Marvel, o Wendigo. Só que aqui a lenda segue mais ao pé da letra suas origens indígenas o que resulta em uma história de terror e aventura com umas das encarnações mais perturbadoras da criatura que eu já vi.

Ah, mas Manfredi não se mantinha apenas nas lendas indígenas! Claro que o sujeito, apaixonado por cinema, aproveitou pra entupir Mágico vento com várias e várias referências a filmes de terror de sucesso, como na edição 4 onde temos a história “A Besta” que nada mais é que uma baita de uma homenagem a “O Ataque dos Vermes Malditos”, clássicasso do Cinema em Casa do SBT estrelado por Kevin Bacon. E, ao contrário de Rob Liefeld, Manfredi não copiava e fingia que foi ” coincidência”. Ela deixava bem claro que estava homenageando os filmes que tanto amava em seu editorial. Aliás, Manfredi sempre falou abertamente que o personagem Mágico Vento é baseado no ator Daniel Day Lewis, tanto no que tange a história de ser criado pelos índios e defende-los do homem branco quanto no próprio desenho do personagem.

Mas nem só de terror vive Mágico Vento. A história também usa acontecimentos históricos como pano de fundo e temos muitas histórias onde o sobrenatural é deixado de lado para mostrar o conflito dos brancos contra os índios, os preconceitos que os povos indígenas e os negros sofriam, as mudanças que a chegada de novas tecnologias traziam e até o fim de tribos por causa da ganancia do homem branco, tudo sempre pela visão das vitimas, índios.

Mas lembram que láááá no inicio do post eu disse que nasceram DUAS histórias de amor com Mágico Vento? A primeira, obviamente, foi com a trama, os personagens, enfim, a revista em si. A segunda foi com o traço de um sujeito chamado Pasquale Frisenda, o sujeito que tirou minha atenção do traço do Goran Parlov.

Como eu disse, inicialmente eu busquei Mágico Vento para ver mais trabalhos do Goran Parlov mas, daquelas 3 revistas iniciais que comprei, apenas uma era desenhada por Parlov, as outras duas eu peguei pelas capas com criaturas assustadoras que denotavam que ali haviam boas histórias de terror. O que eu não sabia é que ambas tinham o mesmo desenhista, um sujeito com um traço MUITO diferente do que Parlov fazia. O traço das edições era mais fino, delicado, os personagens tinham expressões faciais extremamente expressivas e as cenas de ação eram sempre dinâmicas e belíssimas e as de suspense sempre angustiantes. Pasquale Frisenda havia me fisgado ali e sempre que eu ia buscar novas edições de Mágico Vento, as desenhadas por ele eram prioridade.

Mas apesar de meu amor incondicional pela arte de Frisenda, que agora eclipsava o amor que tinha pela arte de Parlov, Mágico Vento tem o bônus de não ter UM ÚNICO DESENHISTA RUIM em todas as suas 131 edições. Muito pelo contrário! Alguns são tão diferentes que chegam a ser fascinantes e muitos deles, infelizmente, passaram pelo título uma única vez, como foi o caso de Corrado Roi no número 20 na história intitulada “O Manicômio”. O traço mais “sujo” de Roi é belíssimo e casa perfeitamente com a trama cheia de mistério e terror da edição. Não por coincidência, o traço de Roi pode ser mais apreciado em Dylan Dog, onde é um desenhista regular das histórias do detetive do sobrenatural.

Ficou interessado nas aventuras de Mágico Vento? Pois eu tenho uma boa noticia e uma ÓTIMA noticia pra você! A boa é que desde 2017 a Mythos vem relançando a saga de Mágico Vento em edições de luxo com capa dura, em cores e no tamanho 19 x 26. Até agora foram lançados 4 volumes. O problema é o preço. Essas edições tem 200 páginas cada, o que equivale a duas edições da original. As duas primeiras custam R$69,90 e as outras duas custam R$76,90. Ou seja, levam o tradicional selo “Preço Alto Pra Caralho” da Mythos! Mas a ótima noticia é que você não precisa gastar tudo isso se não ligar pra capa dura e acabamento “de luxo”. Você pode encontrar facilmente edições encalhadas de Mágico Vento  sendo vendidas nessas gondolas que vendem revistas de tricô e caça palavras que ficam perto dos caixas de padarias e papelarias por míseros R$1,99! E caso não ache mas tenha um sebo em sua cidade, garanto que é fácil de encontrar baratinho lá também, então procurem sem medo!

Bem, é isso! Há muito tempo queria fazer esse post e finalmente saiu! Então fica a dica, procurem Mágico Vento e conheçam todo um novo universo fora das histórias de super marombados de pijaminha. Garanto que você não irá se arrepender!