Lendas do universo DC: Darkseid
Ou “Watchmen PG-13”.
Olha só, amiches, a Panini fez algo que eu não esperava e lançou Lendas, uma das HQs mais celebradas pelos fãs da DC, dentro da linha “Lendas do Universo DC”, série de publicações que se focam em um personagem e republicam suas fases mais clássicas com seus artistas mais consagrados. Dessa vez a série se foca no vilão Darkseid, e Lendas foi uma das sagas onde o sujeito era o grande vilão por trás da quizumba toda.
Mas, por que eu não esperava esse lançamento? Justamente pelo status de Lendas, eu esperava que a Panini fosse lançar em capa dura por um preço acima dos R$60, como aconteceu com Odisseia Cósmica, outro clássico (ou melhor, CLÁSSICASSO) da DC onde Darkseid é o grande vilão tembém. Muito me alegrou o anuncio de que Lendas seria publicada nessa linha mais acessível aos bolsos mais surrados.
Mas, vamos voltar para o foco principal, a HQ. Em Lendas vemos Darkseid sentindo-se insatisfeito, apesar de todo o seu poder e soberania sobre Apokolips. É quando seu assecla, Desaad, diz que a fonte das insatisfações do gigante cinzento pode ser a imaculada existência dos heróis da Terra. Darkseid concorda, tendo em mente que a humanidade se sente inspirada por esses heróis por os considerarem lendas vivas e, sem elas para se inspirarem, a humanidade seria mais submissa e facilmente conquistada. Assim, Darkseid manda a Terra o Glorioso Godfrey, um homem com o poder da persuasão através de sua voz, para se disfarçar de G.Gordon Godfrey (baita disfarce…) e convencer a população que os heróis não apenas são desnecessários como também são a fonte de muitos dos super-problemas que assolam a Terra. Uma proposta interessante pra uma história bem bacana, não? E se eu te disser que…não?
Sendo muito honesto e subjetivo, Lendas, pra mim, se assemelha muito a Guerras Secretas da Marvel. Uma daquelas histórias que você cresce ouvindo muita gente gritar aos quatro ventos que é um clássico absoluto, uma história espetacular, uma obra irretocável, uma perola dos quadrinhos, até que você finalmente resolve ler e…é só uma historinha boba! No caso de Lendas, ela se sai MUITO MELHOR que a bagunça que é Guerras Secretas, uma história que, me arrisco a dizer, é infantiloide ao extremo, cheia de momentos non-sense, com diálogos ridículos e redundantes e que mostra o quanto Jim Shooter não sabia o que estava fazendo. Quer dizer, ele sabia sim…inventando qualquer coisa só pra vender os bonequinhos da Gulliver. Mas, apesar de tudo isso, a história ainda é divertida se você não a levar a sério EM MOMENTO NENHUM, e quiser apreciar a boa arte de Mike Zeck.
Já Lendas foi pensada para ser uma história mais leve, segundo o editor Mike Gold revela em uma entrevista presente no final da edição, pois ela seria a primeira grande saga pós Crise Nas Infinitas Terras, uma história extremamente grandiosa e cheia de dramas, mortes e com um clima pesadão (IZIII). No entanto, o clima leve não apenas resvala no “bobo”…ele mete o pé até o joelho no conceito de “bobo” em MUITOS momentos, mas nada tão agressivo quanto Guerras Secretas. Muita gente pode lançar o argumento “mas tem que pensar no contexto da época em que foi lançado” como defesa mas, nessa mesma época (1986), já haviam muitas outras histórias com qualidade muito superior, e essa linguagem mais “inocente” tinha ficado pra trás, lá nos anos 70.
O roteiro de John Ostrander, com os argumentos de Len Wein, resulta numa história que parece um Watchman adaptado para um episódio de Superamigos. A começar pelo incitador de todo o ódio contra os heróis, o tal Glorioso Godfrey na pele de G. Gordon Godfrey. O poder do sujeito é o de incitar as pessoas apenas com sua voz, tudo bem. Mas Ostrander e Wein parecem se apoiar tanto nesse poder que não se esforçam pra criar um argumento convincente pra justificar o ódio da população contra os heróis. Na primeira aparição de G. Gordo Godfrey na TV, no programa de entrevista de Billy Batson (não sei por que diabos um menino de 12 anos tem um programa de entrevista…), Billy diz algo como “Com todo o bem que os heróis já fizeram, não entendo seu ponto de vista” ao que o sujeito responde “Justamente por isso! Eles são um péssimo exemplo para nossas crianças! Eles enfatizam a violência como solução dos problemas!”. E muitos outros diálogos como esse se seguem, com pessoas soltando frases lógicas como, por exemplo, “Eles salvaram vidas levantando toneladas de escombros que soterraram dezenas de pessoas que tinham apenas 5 minutos de oxigênio” sendo refutadas por “Mas os bombeiros poderiam fazer isso em 3 horas. E eles vestem roupas ridículas. TE REFUTEI”. E é só isso.
Tem uma cena que me deixa puto envolvendo dois policiais e a Canário Negro. Os dois policiais estão indo até um lugar onde o Conde Vertigo está tocando o terror e o vilão acaba virando a viatura com os dois dentro. É quando a Canário Negro entra em cena e nocauteia o vilão. Um dos policiais manda ela largar o maníaco com super-poderes e levantar as mãos ameaçando atirar na heroína. Seu parceiro tenta convencê-lo a baixar a arma e o sujeito larga um “ELA é a verdadeira ameaça”. O policial com juízo tenta desarmar seu desequilibrado parceiro e acaba sendo baleado por ele, que se contorce em remorso por uns 30 segundos só pra dizer “ELA me fez fazer isso. ELA é a culpada!” logo em seguida. Certo que os poderes do Godfrey são de manipular, mas não achei que fosse pra deixar tão mongolão e transformar as pessoas em haters frustrados de internet…
Outro fator capenga na trama é a velocidade com que Darkseid resolve criar seu plano maligno, que são, literalmente, 3 páginas, sem grande aprofundamento ou razão razoável. É o Darkseid dos Superamigos, só que sem querer casar com a Mulher Maravilha (até por que ela só aparece no final da trama). No entanto, o roteiro de Ostrander se mostra inconstante de novo. O que começa como um plano onde Darkseid apenas observaria solitariamente ao longe os resultados, se torna uma batalha de valores quando, DO NADA, o Vingador Fantasma é introduzido na trama no segundo capítulo, e começa o momento “novela da Record”, com uma adaptação da história em que Deus permite que o diabo tire tudo de Jó, com o Vingador Fantasma fazendo as vezes de Deus e Darkseid as de Lúcifer. Se acha que eu estou exagerando, a história fecha com uma passagem bíblica totalmente gratuita. Sabe quando alguém escreve “Deus é fiel!” ou “Até aqui nos ajudou o Senhor!” na etiqueta daquela roupa ou na embalagem daquele hambúrguer? Pois é…
Ainda falando em momentos e frases idiotas, em dois momentos da HQ é esquecido que as tais “Lendas” são apenas os heróis, pela lógica que a própria trama apresenta. No entanto, em uma cena onde o Esquadrão Suicida enfrenta o gigante Enxofre, o vilão Arrasa-Quarteirão é incinerado pelo grandalhão do mal. Depois do acontecido, me vem um sorridente Darkseid se vangloriando que “Uma segunda lenda chegou ao fim”. Pra você entender quem foi a a tal “primeira lenda” que “chegou ao fim”, foi “apenas” o Capitão Marvel, o qual achou que tinha matado um vilão com seu raio mas, na verdade, o vilão era apenas um robô enviado por Darkseid, no entanto, sem saber disso, Billy Batson promete jamais se transformar em Capitão Marvel novamente para não ferir mais ninguém. Aí eu pergunto…QUEM DIABOS É ARRASA-QUARTEIRÃO NA FILA DO PÃO? O cara nem herói era, era a porcaria de um vilão de quinta e que estava num missão secreta para o governo visando beneficio próprio. Ele não era uma “lenda”! Ele nem era uma “história ao redor da fogueira”! Aliás, essa bosta se repete novamente quando, no final da história, Glorioso Godfrey pega o CAPITÃO BUMERANGUE pra servir de Judas para a população enfurecida como se ele fosse UM DOS HERÓIS! John Ostrander já não sabia mais o que estava fazendo…
Outro grande problema, e esse sim me irrita bastante, é a necessidade de SEMPRE colocar um maldito recordatório QUILOMÉTRICO em cada capítulo da história pra relembrar o que aconteceu até ali. Sei que isso era um recurso comum na época pra localizar novos e eventuais leitores, mas tem um capítulo INTEIRO onde o último quadro de cada página é o Desaad recontando tudo que aconteceu até ali, sendo que esse último quadro não tem NADA A VER com a história que está rolando nos quadros acima. Isso não é apenas chato como tira o ritmo da trama.
Esses são só alguns dos muitos problemas que a história tem. Mas, agora, vamos falar dos pontos positivos. A começar por Guy Gardner, o único herói que está CAGANDO pra opinião do povo e vai salvá-los NEM QUE SEJA A FORÇA! Se quiser reclamar, passe amanhã!
Temos também a reformulação do Esquadrão Suicida pros moldes que conhecemos hoje, com supervilões integrando o time (originalmente eram um grupo militar que atuou durante a Segunda Guerra), o Wally West tentando manter a lenda do Flash ainda viva enquanto substitui Barry Allen, falecido nos eventos de Crise nas Infinitas Terras e as aparições cômicas do MELHOR BESOURO AZUL DE TODOS OS TEMPOS, o senhor Ted Kord. Pra quem só conhece o Jaime Reyes e sua armadura simbiótica alienígena, saiba que ouve um Besouro Azul antes e ele era uma cruza de Homem-Aranha sem poderes com o Batman, incluindo o dinheiro.
Mas a melhor coisa de toda a HQ é, de longe, a fenomenal arte de John Byrne! Quando começou Lendas, Byrne estava terminando os últimos trabalhos na Marvel e já tinha assumido dois títulos do Superman com enorme sucesso (a reformulação do azulão em suas mãos é considerada por muitos, a melhor até os dias de hoje). No entanto, Byrne ainda não tinha tido a oportunidade de desenhar muitos dos personagens da DC que ele cresceu lendo e, em Lendas, ele o fez e o fez com um gosto tão grande que fica evidente em cada página. Em especial o Capitão Marvel, que ele desenha com total esmero. Estranhamente o mesmo não pode ser dito de sua contraparte, Billy Batson, que Byrne hora desenha como um moleque de doze anos, hora como um adolescente de 16, hora como um anão…
Agora vamos falar da edição da Panini. Caso você não saiba, a Panini já havia lançado Lendas em formato encadernado em 2007. No entanto, a edição de 2007 tinha 162 contra 180 desta nova edição. Isso acontece por que a Panini “quase” genialmente incluiu uma história da edição 3 do Superman do Byrne. Lembrando que Lendas foi uma mega-saga que se estendeu por TODAS as revistas da DC na época, mas essa edição 3 de Superman tinha uma ligação mais direta com a história por que o quarto capítulo de Lendas terminava com o Darkseid desferindo uma rajada de seus olhos para perseguir o Superman na Terra e trazê-lo a Apokolips.
A edição 3 de Superman mostra justamente Clark Kent sendo levado até Darkseid que, confuso, joga o repórter por uma janela sem saber que se tratava do Superman. O azulão aproveita pra dar um “passeio” disfarçado pelo planeta, mas acaba se envolvendo em uma trama onde uma jovem está para ser executada. No meio da quizumba, ele enfrenta um cara gigante numa armadura chamado de Pacificador, só pra descobrir que quem pilotava a tal armadura era um Sanguessuga, uma criatura que suga ondas mentais enquanto controla o corpo da vitima. A história termina com um gancho gigante com o Homem de Aço caindo em uma das fornalhas de Apokolips e sem responder quem era a tal garota. O grande problema aqui é que, próximo ao fim de Lendas, o Super já aparece como se nada tivesse acontecido e só menciona por alto ter sido capturado por Darseid. Esse vacilo de deixar esse intervalo em aberto é o que me fez colocar o “quase” antes do “genialmente” lá em cima. A Panini bem que poderia ter colocar pelos menos a história em que o Super volta a Terra. Pelo menos deu um contexto, coisa que a edição de 2007 não dava. Acho que é ponto a favo mesmo assim…
O final trás o já citado posfácio do ex-editor Mike Gold explicando toda a ideia por trás de lenda, e é isso que eu gosto de ver como extra em uma HQ. Isso e os esboços do desenhista, claro. Agora, roteiro original pra preencher espaço? Não, obrigado!
Pra finalizar, teve só um probleminha nessa edição que não sei se foi apenas com a minha ou se foi geral: A Panini colou as páginas de um modo tal que ler o balões perto das dobras da revista se tornou uma tarefa complicada em muitos momentos. Calma com a cola, dona Panini! E empresta um pouco dessa cola pra Nova Sampa colocar nos mangás dela e não desmancharem tão facilmente…
Por fim, você deve estar se perguntando se Lendas do Universo DC: Darkseid ainda vale a pena depois de tudo que eu falei de negativo, não é? Olha…eu vou te dizer que, na minha humilde e sertaneja opinião…vale sim! A história não é um primor, mas diverte se você relevar alguns diálogos imbecis. É quase como assistir uma mescla de Superamigos com o desenho da Liga da Justiça do Bruce Timm . Ah, e daria um ótimo longa animado, caso a DC jogasse na mão do Timm! Ele certamente limaria os diálogos ruins e faria uma baita história! E se você conseguir ignorar a trama capenga, certamente será recompensando pela arte do Byrne em um de seus melhores momentos! Então, sim , Lendas vale a pena, é só não esperar uma história com tanta profundidade e grandiosidade quanto sua fama evoca. Agora resta torcer pra que as próximas edições de Lendas do Universo DC: Darkseid traga Odisseia Cósmica, essa sim, uma HQ digna do peso que o nome “clássico” traz.
Nota: 7,0
PS: Eita, eu ia esquecendo! Eu falei em Jim Shooter, roteirista de Guerras Secretas e editor da Marvel nos anos 80, e quase deixo de fora essa informação IMPORTANTISSIMA! Em determinada parte da história, Guy Gardner está enfrentando um sujeito chamado Mancha Solar. Acontece que o personagem nada mais é que uma representação do Jim Shooter, conhecido como um dos editores mais chatos da Marvel, lugar onde, lembrem-se, John Byrne e Len Wein trabalharam. Vale destacar a cena onde o Mancha “Jim Shooter” Solar tenta se libertar do poder do anel do Lanterna Verde, que havia o prendido pelo tornozelo, e..EXPLODE O PRÓPRIO PÉ! Sensacional!