Leitores de Quadrinhos Modernos e a Síndrome do “EU TENHO QUE TER!

Eu estou cansando disso…

Bem, o post a seguir vai estar bem longe do que você poderia esperar no que tange a bom humor, afinal bom humor é o que menos me sobra quando entro nesse assunto. Pra que você entenda qual foi o gatilho que disparou as próximas linhas em minha mente é preciso que eu lhe dê uma noticia: Akira vai ser publicado ainda esse ano pela JBC! Isso mesmo! O CLÁSSICO e indiscutivelmente mais aguardado mangá a ser republicado no Brasil em breve estará ao alcance dos fãs brasileiros 19 anos depois do ultimo número ser lançado pela Editora Globo. É motivo pra comemorar, certo?

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ERRADO!

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De acordo com a JBC, o mangá Akira será lançado nos mesmos moldes de Ghost In The Shell, com um tamanho maior que um mangá comum e “acabamento de luxo”. Sim, entre aspas por que não sei bem o que a JBC considera “de luxo”, mas GITS certamente não me parece NADA luxuoso.

O conceito de “luxo” da JBC parece se limitar a colocar uma luva sobre a capa e usar o papel luxcream que nada mais é do que um papel jornal mais “fortinho”, mas, ainda assim, claramente muito delicado e amarelado e com cara de que vai amarelar mais ainda com o passar dos anos. Você segura GITS e suas 352 páginas nas mãos e o mangá dobra feito manteiga sobre o fogo, tudo isso pela “módica” quantia de R$64,90! Não é bacana? Não, não é!

Outro mangá da JBC que é lançado quase nos mesmos moldes mas com a diferença de ter o tamanho de um mangá comum e umas 70 páginas a menos é “Blame!” de Tsutomu Nihei. O mangá está sendo distribuído também como sendo de luxo, tanto que só chega em livrarias e lojas especializadas, e custa R$23, 90. Muito mais justo, certo? Não também!

É assim que nasce um "mangá de luxo"...

É assim que nasce um “mangá de luxo”…

E sabe por que eu digo isso? Se você não lê mangá, quando for a banca uma próxima vez pegue qualquer mangá “de luxo” da Panini, pode ser One Punch Man, pode ser Lobo Solitário, pode ser Berserk…escolha! Ali sim, está um material que pode ser considerado “de luxo” pros padrões de um mangá! Capa cartonada firme (alguns com orelhas, tal qual um livro), um resistente e branquíssimo papel offset e custando entre R$16,90 e R$18,90. Estranho, não?  “Ain, mas é que os mangás da JBC são exatamente como os japoneses, com o mesmo papel e tudo”. FODA-SE! Eu não quero ter uma réplica exata e em tamanho real preso nas minhas chaves, por isso que eu uso um chaveiro no formato dela mas do tamanho de um dedo! Do mesmo modo, eu não quero ter uma cópia exata de um mangá tal qual é lançado no Japão, com seu papel molenga e perigando rasgar ao menor descuido, eu quero LUXO DE VERDADE, com o papel tão firme que me dê a certeza de que dá pra construir uma armadura de papel com suas páginas.

A coisa só piora quando você volta a lembrar do mangá GITS da JBC e lembra que Akira consiste em 6 edições e todas custarão, “COM SORTE”, algo em torno de R$64,90. Digo isso pelo status do mangá que, ao contrário de GITS, que só ganhou reconhecimento do público “civil” devido ao lançamento do filme com Scarlett Johasson (e que caso tenha comprado esperado algo minimamente próximo a seriedade da história, quebrou a cara FEIO), Akira  é algo entranhado na cultura pop mundial e extremamente aguardado pelos leitores brasileiros há anos. Ou seja, apesar de R$64,90 ser MUITO caro, não se surpreenda se acabar custando MUITO MAIS.

Mas estou escrevendo isso pra ficar discutindo unicamente preço de mangá? De maneira nenhuma!  Como eu disse no inicio, o anuncio de Akira foi só um gatilho. Agora é que vai começar os puxões de orelha, e não serão nas editoras e, sim, NOS LEITORES!

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Em um post que escrevi há uns três anos (e que pretendo republicar aqui, já que continua mais atual que nunca) eu falei que ser leitor de quadrinhos já estava beirando um passatempo de luxo. Falei sobre os altos preços cobrados pelas editoras e sobre os leitores, principalmente os mais novos, pagando por isso para obter status entre “grupos de veteranos”. E se a coisa já estava perdendo o controle naquela época, hoje em dia foi que a coisa desandou de vez. Temos 3 coleções de encadernados sendo lançados nas bancas, sendo duas da Salvat  (encadernados Marvel de capa preta e vermelha) e uma da Eaglemoss (DC). E já está em fase de testes em RJ,SP e PB mais uma coleção Salvat, agora do Homem-Aranha, além do anuncio da coleção Tex Gold, também da Salvat. Agora eu quero que você, que está lendo esse post, olhe para sua prateleira,guarda roupa, caixa ou seja lá onde guarda sua HQs e me diga…quantas coleções dessas você está acompanhado? E quantas você realmente acha que vale a pena? Quantas você não está comprando só por que ficam bonitas na estante? Quantas você não está comprando só pra formar um maldito desenho na lombada? Quantas você não está comprando só por que as palavras “nossa, é capa dura” ecoam em sua mente assim que as veem na banca? Quantas você não usou a desculpa de “poxa, esse preço tá meio salgadinho…mas tá muito mais barato do que se fosse da Panini”?

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Sejam honestos , quantas histórias da coleção vermelha da Salvat realmente valem um encadernado capa dura e não são caça-niqueis safados? Quando foi que você começou a achar personagens como Valquíria, Harpia, Homem-Múltiplo , Os Três Guerreiros, Polaris, Hércules, Magnum, Vespa e Ciclope tão interessantes a ponto de ganharem seu próprio encadernado? Nenhum…eu disse NENHUM desses personagens teve um arco solo digno de ser republicado ou ser lembrado como um clássico. Eles estão nessa coleção justamente por que eles sabem que pessoas impulsivas e compulsivas, talvez como VOCÊ, vão pagar R$39,90 sem pestanejar, talvez chiando de inicio, mas levando do mesmo jeito. A coleção da Eaglemoss é outra que sofre de um problema parecido, afinal com tantos clássicos que a DC tem, eles resolvem me publicar coisas como Robin: Ano Um e qualquer coisa com a dupla Superman e Batman escrita pelo Jeph Loeb. E ainda mais caro, com seus R$49,90 na capa (pelo menos tiveram a decência de tirar o “APENAS” do adesivo). Isso sem falar na “Coleção Marvel Deluxe” da Panini, com seus preços quase nunca abaixo dos R$80.

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Estamos atravessando uma fase extremamente complicada na economia do país, tanto que uma das piadinhas mais recorrentes no Facebook envolve conseguir um emprego (ex: Escreva três palavras mais lindas que “Eu te amo”, a resposta mais comum  tem sido “Consegui um emprego”). Com a crise, claro que muita coisa ficou mais cara, uma delas foram os quadrinhos. Mensais que antes custavam R$5,90/R$6,90 hoje custam R$8,90 com alguns casos onde a Panini faz uma versão “mais barata” com um papel mais em conta e diminui um real, como a “edição Amigão da Vizinhança” da mensal do Homem-Aranha. Mas parece que alguns leitores estão CAGANDO pra crise e devem estar CAGANDO DINHEIRO também, já que gastam mares de reais mensalmente em encadernados, álbuns de luxo e coisas que estão inexplicavelmente entre uma capa e uma contra capa dura. E ninguém reclama a sério…ou simplesmente reclama! Ou ainda toma uma atitude que, no caso, seria PARAR DE COMPRAR!

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Por algum motivo, apesar de não acompanhar a coleção, eu sigo a página da Salvat no Facebook e sempre que um lançamento de uma nova coleção é anunciada eu leio CENTENAS de comentários como “Ain, assim não vai dar! Mais uma coleção, Salvat? Já vou preparar os bolsos, rsrsrs”, todos sempre num tom de conformidade, como se fosse uma OBRIGAÇÃO MORAL comprar cada edição de cada coleção que a Salvat ou Eaglemoss lança, como se cada edição fosse SIMPLESMENTE IMPERDÍVEL, como se só CLÁSSICOS INCONTESTÁVEIS estivessem preenchendo as páginas de cada exemplar. Para os leitores mais novos, isso é quase que um “Level Up”, algo do tipo ” E se algum ‘veterano’ me perguntar se eu li uma clássica história do Anjo dos X-Men? Eu PRECISO comprar esse encadernado AGORA!”, com toda a inocência de achar que o Anjo é um HERÓIZAÇO e que suas habilidades de voar e…bem…VOAR sejam algo realmente relevante (o personagem só ficou interessante depois da “tunagem” do Apocalipse). Eis a questão do status que vem se criando ao redor do mundo que chamam de “nerd”, o mundo que virou “modinha” e que parece “super cool” e “super in” hoje graças ao sucesso avassalador do universo Marvel no cinema e a séries como The Big Bang Theory. Ser “nerd” é ser “descolado”.

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O outo extremo está nos leitores “velhacos” e calejados mas sem nenhum controle, que eu já citei acima. Tudo se resume a simplesmente ter uma adoração injustificada por tudo que tenha uma capa dura, ou a obrigação interior de completar a droga de um desenho de lombada ou ainda a inexplicável vaidade de ter uma estante “bonita”, muitas vezes pra “impressionar” pessoas (sim, não faz muito sentido, eu sei…), muitas vezes pra impressionar a garotada do “eu preciso comprar isso pra ser tão legal quanto os veteranos”, ou ainda pra olhar e se sentir realizado de alguma maneira (não me peguntem como, tem maluco pra tudo).

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E é assim que segue o mercado editorial hoje em dia, com as editoras cobrando o quanto querem por que sabem que grande parte dos leitores (os acima citados) VÃO PAGAR! Em praticamente nenhum momento eu vejo uma reclamação quanto aos preços nas páginas das editoras ou nos comentários dos blogs que noticiam os lançamentos. Todo mundo já está “programado” pra comprar seja o que for pelo preço que for se a editora disser que elas precisam ter aquilo.E não é assim pessoal! Não precisa ser, acreditem!

“Ain, mas se a gente não comprar as editoras não vão ter interesse em lançar mais materiais assim…”. NÃO, CACETA! Esse tipo de publicação NÃO VAI ACABAR SE VOCÊ NÃO COMPRAR TODO E QUALQUER MATERIAL MIXURUCA QUE SAIA NA BANCA OU LIVRARIA POR PREÇOS ABUSIVOS (ABUSIVOS SIM, já que muito material é produzido a preço de banana em locais como Filipinas)! A Panini, por exemplo, tem os direitos da Marvel e DC e precisa vender, caso veja que as vendas de uma linha caíram, obviamente eles vão parar de publicá-la, mas isso não quer dizer que não vão mais fazê-lo, apenas que vão procurar um modo melhor e que atraia os leitores para comprá-lo. Isso se chama “seletividade”. Se a Salvat ou a Eaglemoss perceberem uma queda vertiginosa nas vendas, provavelmente também parem de lançar suas coleções. Não precisa entrar em pânico, basta lembrar que a Panini é dona de todo o material que as duas editoras também publica. Ela só precisa perceber que o publico tem interesse nesse ou naquele material. E como o publico pode demonstrar isso? Tirando a atenção (e o dinheiro) de tudo aquilo que é dispensável e pedindo massivamente a própria Panini para publicar o material “a” ou “b”.

Por falar nisso, quantos aqui não compraram coisas como “Superman: Brainiac” , “Dr. Estranho: O Juramento” e “Eu, Wolverine” pagando uns vinte e pouco reais pela Panini e voltaram a comprar esses mesmo títulos pela coleção Salvat/Eaglemoss pagando seus “precinhos” nada amigáveis? Se você fez isso, sinto lhe informar que você é um dos compulsivos anteriormente citados.

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Bem, o assunto é longo e eu sempre me exalto e acabo falando demais sobre algo que me incomoda tanto quanto essa era da supervalorização dos quadrinhos enquanto meio de consumo. O que, basicamente, eu quis dizer com tudo isso foi: quadrinho é um hobby, a menos que você trabalhe na indústria. Não se sinta na obrigação de comprar tudo que as editoras te empurram, não façam coleções por vaidade, sejam seletivos e comprem só aquilo que realmente te interessam. Quer uma imagem igual a das lombadas completinha? Baixe a imagem da internet, vá a uma gráfica e peça pra imprimir e depois mande emoldurar, garanto que sai muito mais barato que gastar centenas de reais por mês com coisas que você jamais imaginou que iria comprar, como uma HQ do Jimmy Olsen ou do Porco-Aranha. Vamos parar de dar corda pra editoras cobrarem o quanto quiserem. Eu queria muito ler Akira e não vou por  causa dessa “gourmetização” dos quadrinhos atualmente.  Então CHEGA DE FINANCIAR ESSA MERDA, pois eu não sei vocês, mas eu compro quadrinhos pra ler, não pra montar um museu da ostentação repleto de capas duras e álbuns de luxo. E se meu bolso não alcança as altas cifras que muitas vezes nem vem impressas nas capas pra não assustar, eu simplesmente passo, pois tem coisa muito mais importante que demanda meu suado e sofrido dinheirinho. Espero que esse texto quilométrico tenha feito você parar pra pensar. Se sim, meu trabalho está feito. Até a próxima!