Que vocês nunca sintam sede.

Valentine Michael Smith é um homem e ao mesmo tempo não é. Filho de uma relação extraconjugal entre duas das mais brilhantes mentes e pessoas mais ricas do mundo, ele nasceu em Marte, e após a morte da tripulação da nave, os habitantes do planeta vermelho criaram-no como um semelhante, então ele é marciano, e ao mesmo tempo não é. Quando outra nave humana tripulada, quase duas décadas depois chega ao planeta, a presença de um homo sapiens não apenas deixa todos maravilhados como acabam por frustrar as intenções coloniais e imperialistas de muitos poderosos.

Enviado como um emissário pelos anciões de Marte, a vida de Mike corre perigo por causa do que ele é e do que possui. Seus pais, além de brilhantes cientistas, eram empresários milionários, tornando-o provavelmente a pessoa mais rica do mundo, herdeiro de inúmeras patentes. Além disso, de acordo com a legislação da Terra, sua presença em Marte antes de qualquer missão colonizadora lhe torna o “dono” do planeta. Um homem poderoso demais e rico demais para permanecer vivo.

Porém para Michael, nada disso faz sentido. A Terra é muito diferente de Marte, muita informação para assimilar, muita gente, conceitos alienígenas como propriedade, mentira ou até mesmo Deus, nada disso existe ou mesmo faz sentido na sociedade marciana. Inicialmente, qualquer estímulo mais intenso pode fazer com que Mike simplesmente desencarne de seu corpo, o que para os terráqueos é simplesmente morrer mas para os marcianos é simplesmente assumir uma nova forma de consciência.

Gillian Boardman é uma dedicada enfermeira que trabalha no hospital onde o famigerado Home de Marte está sendo mantido isolado do mundo enquanto ele está sendo mantido isolado do mundo, além de sendo cuidado enquanto se fortalece para se acostumar com a atmosfera terrestre. Apiedada e envolvida pelo rapaz, Gillian escutas os apelos de seu amante e jornalista, Ben Caxton, e acaba contribuindo para a fuga de Smith da custódia do governo. É dessa maneira que começa a jornada do homem que veio de Marte até se tornar um Messias moderno.

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Que além de polêmica, a escrita de Robert Heinlein (mesmo autor de Tropas Estelares) era diversificada eu já tinha sido avisado, só não estava esperando um choque tão grande. Enquanto na aventura espacial, o discurso de Heilein mesmo que crítico acaba sendo de certa forma ordeiro e utópico, aqui a acidez e auto análise de sua época domina a narrativa. Lançado em 1961, o livro se tornou ícone e livro de cabeceira da geração hippie, com todos os méritos possíveis para tal, e de certa forma ainda é um livro extremamente relevante para os dias de hoje.

Da comercialização e radicalização das religiões com os famosos (e ainda populares) tele evangelizadores, passando por emancipação feminina e igualdade entre os sexos, poligamia e crítica os materialismo exacerbado, Estranho Numa Terra Estranho acaba se tornando um retrato romântico da geração dos anos 60. Claro, o livro ainda é fruto de seu tempo, e ainda existem passagens misóginas e homofóbicas aqui e acolá (algumas coisas pesadas mesmo), mas ainda assim acaba sendo um livro fantástico e corajoso.

Nos anos 60 mesmo o impacto do livro pode ser sentido, como por exemplo a criação da Igreja de Todos os Povos, baseada na entidade de mesmo nome presente no livro, da qual Heinlein não possuía ligação alguma além de uma assinatura vitalícia que recebeu de presente dos seus fundadores. Alguns conceitos do livro podem ser encontrados aqui e acolá em meios esotéricos e sociedades alternativas, e, falando de um aspecto negativo, o livro também servi como uma das bases teóricas para a seita suicida Heavens Gate. Enfim, o que tudo isso mostra é que não se pode passar incólume por um livro assim. Outro ponto interessante é a criação do termo ‘grokar’, que seria, entre outras coisas, entender algo em toda a sua plenitude.

A edição da Aleph é em capa cartonada com uma arte sensacional, de certa forma acaba sendo um belo pedido de desculpas pela capa horrorosa de Tropas Estelares. Além do texto integral do livro, um calhamaço de quase 550 páginas, a publicação conta com um prefácio escrito por Neil Gaiman (o homem que mais escreveu prefácios na face da Terra) e um texto no final bem interessante sobre a criação, o impacto da obra e a por demais polêmica carreira literária de Robert A. Heinlein. Originalmente lançado custando 70 reais, atualmente o livro se encontra a venda na internet por metade do preço, o que pra um livro de mais de 550 página e com um acabamento legal é um ótimo preço.