Coringa – por Zweist
Send in the clowns
Quando soube desse filme, minha reação foi de descrença. Ou seria desprezo? De toda forma, estava mais intrigado do que interessado.
E as noticias só aumentavam essa confusão. Seria uma peça separada do cambaleante DCU. Com Joaquin Fenix. Dirigido pelo cara de Se Beber não Case.
Que cazzo?
De toda forma, minha atitude era mais de deixar passar. Até ver o primeiro trailer. Ali deu pra ver que o que teriamos era algo completamente diferente do que tivemos até agora, em se tratando de adaptações de quadrinhos.
E o trailer me passou a sensação que acabou me acompanhando durante praticamente o filme todo.
Imenso desconforto.
Era isso o minimo que se espera sobre um filme do Coringa.
O filme mostra a trajetoria de um cara já não muito normal, Arthur Fleck, que trabalha como palhaço na decadente Gothan City do começo dos anos 80. Ele tem um disturbio psicologico que lhe causa risos incontroláveis em momentos inconvenientes.
Afora isso, tem que cuidar da mãe e tentar uma carreira em stand-up comedy. Mas a cidade, as pessoas e a vida em geral parecem dispostas a pisar em Arthur, até o momento em que ele acaba matando três caras em auto defesa.
É um momento catartico, e é onde se torna possivel ver o nascimento do Coringa.
O filme é tecnicamente impecável, desde a fotografia, o contraste das cores, até detalhes da cidade, mostrada como um pardieiro ferrado, com ratos do tamanho de cães pequenos.
A trilha sonora é magistral. Porra, tem FRANK SINATRA e a escolha de Smile de Jimmy Durante ajudou a transmitir a terrivel dicotomia de um cara que se veste como algo de deveria trazer alegria, mas bem, é o Coringa.
A atuação de Joaquin Phoenix é responsável por um pedaço imenso da força do filme, e o cara consegue transmitir isso com os olhos. Repare como os olhos de Arthur mudam durante suas alterações de humor, em especial conforme ele vai criando uma visão de mundo que dá origem ao Coringa. Afora os maneirismos, como as dancinhas.
E nem falo da desfiguração fisica que o cara se submeteu. Sabe quando você vê uma atuação e pensa que a pessoa deveria ganhar um prêmio?
Isso se casa com a direção e gera imagens como o Coringa descendo das escadas enquanto dança de alegria.
O simbologismo daquelas escadarias é assustador. Repare que cada vez que Arthur sobe as escadas, ele está cada vez pior e andando mais lentamente. O Coringa desce depois, saltando em extase.
Já sobre o Coringa em si.
Essa é mais uma interpretação do personagem, que já variou loucamente, sem trocadilhos, ou com trocadilhos, durante os anos, conforme os atores que o interpretaram, ou roteiristas que o escreveram mudavam. É junto talvez com o Coringa de Heath Ledger, um dos mais propensos a matar por razões triviais, se não o mais, que fazem sentido apenas para ele. E certamente é a versão do Coringa que eu menos gostaria de encontrar em um beco escuro. Ou num bem iluminado.
Mas acho que uma analise precisa mencionar ao menos a situação do filme.
Por causa do tema, foi gerado, em particular nas EUA um clima de panico, principalmente entre a imprensa profissional. O medo de que o filme seja uma glorificação dos “incels” e um estimulo a violencia e tiroteios.
O que o filme em si passa tremendamente longe de ser. Mas não impediu que uma rede de cinemas acionasse o exercito, ou a Guarda Nacional para prevenir problemas. Problemas esses que não aconteceram até agora e na verdade, nem deram indicativos que aconteceriam em algum momento.
Esse clima de histeria parece bem localizado no entanto e não afetou a bilheteria do filme, apenas a critica especializada, que está muito preocupada com os aspectos politicos do filme, verdadeiros ou imaginarios e por isso as resenhas dos criticos profissionais estão sendo menos que estelares. Para quem liga para eles.
O que não depoe contra o filme. As comparações com Táxi Driver, ou mesmo Desejo de Matar (a cena do metrô ficava me sugerindo isso), não são descabidas e a ambientação foi deliberadamente feita para refletir essas idéias. Mas é interessante notar como várias pessoas tiveram várias interpretações diferentes do filme e do que ele se propoe.
De toda forma, aqui está a minha.
Embora seja possivel entender pelo passar do filme o porque do Coringa fazer o que faz, e sua queda para a insanidade completa, não me parece que o filme justifique os atos dele. Fica claro que uma pessoa que faça o que ele faz é maluca e um perigo, para si, e como bem sabemos, já que se trata do Coringa, para todos. A sociedade de Gothan não necessariamente criou o Coringa, apenas o tirou de dentro de um cara que já o tinha em si. Fica o questionamento. Se Arthur vivesse sob outras condições, tivesse tido uma vida diferente, teria se tornado o Coringa, ou algo semelhante? Ou aquela situação teria tornado qualquer um no Coringa? Nurture vs Nature?
Outras pessoas teriam usado as tragédias de suas vidas para se tornar heróis. Algumas, para ser o Coringa.
De toda forma, é possivelmente o melhor filme de quadrinhos em um bom tempo e um daqueles poucos que resolveu fazer algo diferente.
Se a Warner abdicasse de ter um Universo Cinematográfico em troca de filmes com essa qualidade, eu diria que seria uma troca vantajosa.