Contos do Nonsense por Dr manhattan
Dia desses tomei a decisão de dar uma geral no apartamento. Você sabe como é… aquela vida de solteiro… aquele modo de vida largado… vindo de república… tudo imundo e fora do lugar. E é aquela coisa… você sai da vida em república, mas a república não sai de você… logo, dá para imaginar a bagunça.
Pois bem… munido de ânimo, decidi por em marcha a arrumação do apartamento. Foi quando se deu o fato gerador deste pÓstE: peguei o pano de chão… sabão em pó… rodo… e fui pegar o balde. Mas… onde está o BALDE? Não conseguia encontrá-lo em canto algum. Teria emprestado a algum vizinho?… não… nunca havia sequer visto a cara de qualquer um deles. Onde estaria então a porra do balde? Novamente fui cômodo por cômodo da casa, com atenção redobrada procurar o balde. Mas… não havia balde em nenhum canto da casa. Foi quando então comecei a ficar intrigado… estava morando no apê já há uns 4 meses e lembrava de já ter realizado uma ou outra faxina… e, embora minha percepção do mundo estivesse nublada, imaginava que havia um balde envolvido. Estaria eu alucinando? Teria eu vivido em um lugar por tanto tempo sem ao menos possuir um balde? Houve de fato um balde? Alguém nos ajude, Lázaro.
Comecei a temer por minha saúde mental.
O tempo passava e nada de encontrar o balde. “BALDE… BALDE” ficava repetindo comigo mesmo. Aquilo se tornou uma obsessão. Tinha de haver uma resposta. Eu TINHA um balde, não tinha? Teria imaginado um balde? Dia desses comecei a suspeitar que estivesse vivendo em uma realidade paralela ou numa outra camada Inception… a ausência do balde só vinha a corroborar tal teoria. Teria eu caído em um universo ou camada de sonhos desprovidos de baldes? O balde era meu totem? O peão era o totem… ou era a aliança?
Ri por um instante do absurdo de minhas próprias elucubrações. Que insensatos devaneios, pensava eu. Retomei a racionalidade.
Comecei então a recapitular mentalmente as faxinas anteriores à procura de uma memória envolvendo o balde. Era cinza escuro… verde escuro?… não conseguia lembrar. A idéia de que eu teria imaginado o balde esse tempo todo me assombrava. Revirei as gavetas em busca de fotos… poderia ter tirado fotos do balde em algum momento…eu e o balde num selfie… eu e o balde na balada? Nada… aliás, nem fotos eu tinha. A ausência inexplicável do balde começou a ocupar por completo os meus pensamentos…
Foi então que me ocorreu… E se… tivessem roubado meu balde? Teriam armado para mim? Trollei muita gente na internet… fiz muitos inimigos no FB… otakus… gente de direita, gente de esquerda… religiosos. Teriam eles roubado meu balde, minhas fotos e minhas fotos com meu balde? Por que eu ainda pensava que havia tirado fotos com meu balde? Comecei a procurar câmeras pela casa. Poderiam estar me vigiando… querendo saber como eu reagiria… quem seriam eles? Comecei a suspeitar de todos. Comecei a fazer ligações interrogando pessoas a respeito do balde. Mas a moça do auxílio à lista telefônica não sabia de nada… Ela estava mentindo? Liguei novamente. Mas outra pessoa atendeu. E ela também não sabia do balde fingindo não compreender o que eu falava. “Conspiravam”, decidi. Alguém lá fora sabia a verdade. O porteiro, talvez…? A moça da padaraia…? A esponja de coNzinha do Mar? Os amiches? “Não”… isso não faz sentido, disse a mim mesmo. “RECOMPONHA-SE, HOMEM” gritei comigo mesmo em caixa alta… Deve haver alguma explicação…
Mas não havia nenhuma… balde… balde… Por que eu não teria um balde? Estava louco? Teria eu sofrendo sequelas pela exposição prolongada ao lisergium? Todos estes posts nonsense teriam enfim consumido minha sanidade de vez? Toda essa nonsenseira desregrada… os flertes com Delírio… o consumo abusivo de Monty Python… teria minha consciência divergido tanto do mundo real de modo a alcançar um ponto sem retorno… uma espécie de “horizonte de eventos” da demência? Comecei a roer a unhas vigorosamente… sentado num canto escuro do quarto minha mente começou a divagar… comecei a rir histericamente… e então a chorar… e rir novamente… e a cantar a música da galinha pintadinha enquanto meus dedos sangravam… estava me perdendo em mim mesmo ou será que sempre foi assim? Eu era um louco que por um momento provou um momento de sanidade e se assustou com isso ou um homem saudável que ficou irremediavelmente insano? Eu realmente estava ali ou em uma cela acolchoada… preso a uma camisa de força imaginando tudo aquilo por força dos medicamentos? Metafisicamente falando… Era eu um humano sonhando em ser um balde ou um balde sonhando ser humano? Eu estava vivo ou em alguma espécie de ilha-purgatório?
Comecei a ouvir gritos de horror… sons incognoscíveis… não… ainda era eu cantando a música da galinha pintadinha…
Estava eu no mundo de Matrix? Não me lembrava de ter tomado pílula nenhuma. Havia um mundo lá fora? A realidade objetiva era apenas um produto de minha imaginação ou ela existia de fato? E como se encaixava o balde nisso tudo? Teria o balde criado o Universo e então partido nos deixando irremediavelmente sozinhos num mundo permeado de caos e melancolia? “O balde está morto”, disse Nietzsche certa vez… “Nietzsche… ele também enlouqueceu”, lembrei… estaria eu fadado a semelhante destino?
Não havia esperança. Não havia balde. Só havia desespero e agonia excruciante.
Rodopiava…
Sem parar…
Veio a febre.
Veio o delírio…
A convulsão.
A náusea.
E tudo rodopiava…
Os sussurros não calavam… crianças choravam… famintas.
E rodopiava…
Sentia a dor dos desiludidos… ouvia os gritos dos suicidas. A galinha pintadinha serelepeteava por entre as cinzas da Humanidade pós-hecatombe nuclear. E gargalhava histericamente como que tomada por um frenesi psicótico enquanto mastigava crânios.
Rodopiava…
Sem parar…
Sem parar…
Súbito, ouvi um estalo… como se algo dentro de mim houvesse colapsado… e então veio o silêncio… e então um som.. uma microfonia aguda… e então novamente o silêncio… caí então num estado de profunda calmaria e não significado. O morno e viscoso líquido amniótico do vazio me tomou em um abraço de não consciência e me embalou como uma Madona misericordiosa. Minha agonia sumiu.
Eu era camelo.
E era então leão.
E finalmente me tornei criança.
E então o super-homem.
E então eu era o nada.
Eu era a paz.
Havia somente paz e vazio.
Paz.
Tudo o que havia era paz.
Paz e vazio.
O nada era lindo… tranquilo.
Me senti limpo. Senti balde sombrio rodopiando e entendi por que gatos gritam à noite como bebês.
Alan Moore.
Adormeci.
Acordei.
O sol iluminava o dia como nunca houvera feito dantes. Não conseguia lembrar nada do que havia ocorrido no dia anterior, sentia que algo havia se passado… mas… o que seria? De qualquer forma, nada disso importava pois o ar tinha um sabor completamente diferente. Revigorante. Alegre.
Tomei café. Comi. Liguei a TV. Desliguei a TV. Desenhei o Churrumino. Ouvi Hendrix. Repousei.
“A vida é misteriosa e inebriante. Como é bom estar vivo”, meditei.
Então… como que tomado por um novo estado de espírito, decidi dar marcha ao plano de fazer uma faxina na casa, pondo um fim àquela entropia sem sentido.
Peguei o pano de chão… o sabão em pó… o rodo… fui pegar o balde.
Foi então que me dei conta… O BALDE!! ONDE ESTÁ O BALDE??!!??!!??!!??!!??!!??!!??!!?? (FIM)
Então é isso amiguinho… se você leu até o fim, então… vish… Mas é isso aí… Abração na boquinha e até o próximo pÓstE… isso se até lá você não… viishh!!
PS.: até o fechamento desta edição o Manhattan ainda não havia encontrado o tal do balde. Fomos informados de que sua família já solicitou assistência psiquiátrica, sendo nosso amiche azul internado no renomado Instituto Pato de Papete de Nonsenseiros Insanos, onde segue medicado (ainda que em estado catatônico e babando) em seu confortável quarto sob o abraço de uma aconchegante camisa de força. Em seu delírio nonsense, a galinha pintadinha segue ainda lhe sussurrando segredos sombrios a respeito do fim das coisas enquanto bica, zombeteira, o bizuin de seu ouvido.
Atenção, este post pode causar: mal estar, náusea, enjoo, desconforto estomacal, epilepsia, desmaios, Aids, gripe aviária, diarreia, entrar nas drogas, te fazer repensar sobre a vida, largar as drogas, insanidade, demência, loucura, ebola, escutar MC Livinho em looping, matar seus pais, se matar, são tantos efeitos colaterais que este aviso deveria estar no começo do post!