Conspiração Violenta: Livro vs Filme

Mais um post que você não pediu sobre um livro que você não leu que deu origem a um filme que você não viu!

Após a não totalmente entediante leitura de O Transe e após ficar completamente horrorizado pelos motivos errados ante sua nojenta adaptação pra um filme de TV, decidi ler um thriller com um tom aventuresco. E foi assim que me lancei na leitura de Conspiração Violenta, de Peter Driscoll, autor de incontáveis sucessos como…er…como….hããã…como Conspiração Violenta…?

Confesso que a razão de eu ter pego esse livro foi uma só: A lembrança do nome do filme sendo repetido em um comercial ou da Globo ou do SBT (tenho quase certeza de que era do SBT) no início dos anos 90. Eu não lembro de ver a chamada mas lembro claramente de ouvir o título várias e várias vezes na minha infância. Resolvi ver qual era a da bagaça. Como sempre, vamos dividir o post entre o livro e o filme. Primeiramente, claro…

O LIVRO

Escrito por Peter Driscoll (como eu já havia dito) e lançado em 1972 nos EUA com o título original de The Wilby Conspiracy, a versão brasileira lançada pela editora Record , onde quer que se procure, é datada como sendo lançada no mesmo ano, mas eu acho que foi um pouco mais tarde pois a capa traz um sujeito que é a cara do Michael Caine que interpretou o papel título na adaptação pro cinema de 1975. A Record tinha o péssimo hábito de não escrever as datas de publicações de seus livros no expediente. Fato é que aparentemente essa foi a única vez que o livro foi lançado no Brasil, sem republicação nem da própria Record que costumava relançar seus livros várias e várias vezes.

Na trama, acompanhamos Jim Keogh, um engenheiro de minas mandado de férias pra África pela empresa onde trabalha após sofrer um acidente em uma mina onde dois funcionários morreram e ele e o resto da equipa passaram horas presos. Em sua estádia no país, Keogh conhece a jovem advogada africana Rina Van Niekirk, a qual está em um processo de separação do marido herdeiro, riquinho mimado, narcisista e violento Blane Van Nierkik. Mas ter o caso com Rina descoberto pelo marido não é um problema que sequer incomode minimamente Keogh, que está defecando e locomovendo pro sujeito pois está verdadeiramente apaixonado pela moça. Os problemas de Keogh começam mesmo quando ele é testemunha de violência policial contra um homem negro e acaba quase matando um dos tiras.

Fugindo junto com o homem, que se apresenta como Shack Twala, Keogh acaba descobrindo que seus problemas vão muito além de agredir um policial, pois Shack tem envolvimento com um movimento de libertação chamado O Congresso cujo líder, Wilby Xaba, é ferozmente caçado pelas autoridades locais. As coisas se complicam ainda mais quando Keogh começa a ser perseguido pela dupla de agentes especiais Horn e Van Heerden, dois sádicos que se acham acima da lei e não tem o menor problema em matar com requintes de crueldade pra conseguir seus objetivos. E como se a situação já não estivesse complicada, Keogh vai ser forçado a localizar diamantes que podem levar a uma guerra civil se caírem nas mãos erradas. Mas…quais são as mãos erradas? Será que Wilby Xaba é mesmo o nobre líder que parece ser? Será que Horn e Van Heerden, apesar de seus métodos sádicos e violentos são mesmo os vilões ou só estão fazendo valer a lei nos termos do local? Será que Shack está sendo totalmente honesto com Keogh? A resposta a todas essas perguntas…eu vou dar daqui a pouco, na parte em que vou falar do filme! Sim, o spoiler vai rolar solto! Não finja que se importa! Você não vai ler o livro mesmo!

Conspiração Violenta não é nenhuma Brastemp literária! A trama tem conveniências pra porra ( Keogh é um engenheiro de minas que vai precisar encontrar diamantes em um sumidouro, que aqui é basicamente uma mina vertical) mas compensa com uma trama bem contadinha. Basicamente é um jogo de gato e rato com um sujeito comum sendo jogado no meio de uma intriga politica onde pode ir pra vala a qualquer momento. Novos personagens vão aparecendo e plantando mais mistério e dúvidas em Keogh que, apesar de tudo, acaba aceitando a situação e tenta encontrar a melhor solução pra tudo, por vezes descobrindo que tomou as decisões erradas tentando sair dessa da maneira mais fácil mas abraçando a maneira mais difícil sem pestanejar quando tem que remediar todas essas decisões erradas. E, por ser um sujeito comum, não espere que ele saia fazendo coisas heróicas e malucas ao melhor estilo John McClane! A única similaridade com o lendário policial interpretado por Bruce Willis é que o sujeito apanha mais que vaca na horta!

O ritmo do livro é até frenético, quase um “road movie” com Keogh tendo que ir pra lá e pra cá de carro pra resolver tretas, encontrar pessoas, coisas e tentar despistar o implacável Horn. Aliás, vale citar que Horn é um daqueles vilões que você adora odiar! O sujeito usa a vantagem de saber quem Keogh é pra enganar o engenheiro a toda oportunidade e seu “capanga”, Van Heerden, e o típico sujeito grande e caladão em quem você anda pra longe sem tirar o olho dele. O momento que mostra esse poder de manipulação de Horn é quando ele faz Van Hardeen espancar Keogh e, no final, ainda planta a dúvida no engenheiro se ele não está mesmo certo, apesar da sua forma deturpada de aplicar a lei.

Outros dois personagens que valem ser citados são os irmãos Hasim e Yusuf. Ambos eram muito próximos a Wilby Xaba mas uma traição que quase acaba com a morte de Xaba acaba separando os dois. Na primeira metade do livro vemos a história do ponto de vista de Hasim, um joalheiro cadeirante que parece ser sábio e sereno mas que, ao mesmo tempo, parece esconder muito de Keogh. É Hasim quem sabe a localização dos diamantes e vai ajudar Keogh e Shack a recuperá-los. Isso rende a cena mais tensa de todo o livro que é a descida pelo sumidouro, um buraco gigante no chão tão profundo e escuro que não se pode ver o fundo e dificilmente se ouve barulho no fundo quando se joga algo lá dentro.

Na reta final do livro vemos as coisas do ponto de vista de Yusuf, um sujeito sem a mesma sabedoria ou serenidade do irmão mas com um senso de vingança bem afiado que não o deixa medir consequências pra consegui-la.

Ah, o marido de Rina, Blane, também merece ser citado. Ele é o típico playboy que acha que pode tudo porque o pai tem dinheiro e acha que mulher é propriedade. Basicamente os playboys de hoje em dia. O tempo passa, o tempo voa, mas esse tipo de arrombado continua se proliferando. O pior é que Rina reflete, em muitos momentos, um pensamento arcaico que, infelizmente, ainda se faz presente na mente de muitas mulheres ainda hoje, que é achar que, sim, o seu marido tem poder sobre ela e é preciso apenas se calar e obedecer. E eu falo isso porque tem gente assim na minha família. E não se enganem! Não falo de mulheres com mais idade pra usar como desculpa a “cabeça da época”, falo de mulheres jovens! Infelizmente ainda é uma realidade esmagadora demais,

Dessa leva de livros antigos que eu estou lendo, Conspiração Violenta foi o que teve a tradução menos datada. Tirando um ou outro termo aqui e ali, a tradução fez um ótimo trabalho, deixando o livro quase atemporal. A capa tem uma arte muito bacana mas o que chama mesmo a atenção é a chamada vagabundamente sensacionalista onde eles pegam uma crítica e metem um “O livro que o jornal tal falou que era superior a O Dossiê Odessa”. Pra quem não conhece, O Dossiê Odessa é um thriller escrito por Frederick Forsyth que foi campeão de vendas quando de seu lançamento também em 1972 e que rendeu um filme em 1974 estrelado por John Voight.

E agora…

O FILME

Lançado em 1975 e dirigido por Ralph Nelson, a adaptação cinematográfica de Conspiração Violenta pega o livro…e dá uma bica pela janela! A história não tem metade do clima de tensão e perigo do livro e ainda transforma a trama num road movie cômico deixando ele com cara de filmes como 48 Horas, estrelando Nick Nolte e Eddie Murphy. Em alguns momentos as piadinhas nem incomodam e até casam bem com a trama, em outros elas destoam completamente e assumem um tom pastelão que mais lembram um filme do Jerry Lewis. Um dos exemplos mais bizarros está em uma cena onde Keogh está guiando o carro enquanto Shack dorme no banco traseiro. Keogh começa a lutar com o sono mas uma hora cede e o carro sai da estrada. A cena é mostrada em off e ouvimos o som do freio e do carro capotando, em seguida a câmera começa a trema comicamente pra mostrar que o carro bateu. A cena seguinte são os dois personagens colocando a cabeça pra fora das janelas do carro capotado de lado com ambos completamente ilesos e termina com uma piada sobre quem estava dirigindo.

Eu estou me adiantando um pouco, então deixa eu dar uma sinopse pra vocês terem uma ideia de como a trama muda. Rina Van Nierkik é a advogada de Shack Twala, preso durante o Apartheid. Após conseguir sua libertação, ambos se unem ao namorado de Rina, Jim Keogh, e vão comemorar. No caminho são parados em uma blitz onde policiais brancos encrencam com Shack, Rina tenta intervir e é agredida por um dos policiais, o que faz Keogh partir pra cima. Ele e Shack nocauteiam os policiais e fogem. Aí começa a caçada do filme.

O agente especial Horn é designado pra prender a dupla mas até então não temos ideia da trama dos diamantes que nos é jogada numa cena aleatória quando Shack vai visitar um amigo indiano que é dentista e revela o segredo ao espectador numa cena digna de O Auto da Compadecida. Esse amigo indiano ocupa na trama a vaga dos irmãos Hamir e Yusuf mas não tem metade da metade da METADE da importância e nem da profundidade dos personagens. É só um alivio cômico jogado em um roteiro cheio de equívocos. A cena do sumidouro, por exemplo, é completamente broxante! O momento mais tenso do livro foi transformado em uma cena que parece ter sido produzida pela galera que fez o episódio dos aerolitos do Chapolin.

Até Horn é colocado de maneira meio cômica no filme e o personagem é mais afável. Há uma cena no filme onde ele interroga um velho senhor líder de um vilarejo que ajudou Keogh e Shack. No livro, ele teria mandado Van Heerden matar o velho cruelmente na frente de todos ou ele mesmo o teria feito. No filme ele passa um sermão e manda o cara escolher o valor da multa que ele terá que pagar!

Horn e Van Heerden no livro são descritos quase como Tommy Lee Jones e Dolph Lundgren respectivamente. No filme nos temos esses dois. Horn é o de chapéu.

Agora eu vou ter que entrar na parte dos spoilers, como avisei previamente. Se, porventura, alguém resolveu que não tinha nada melhor pra fazer que ler o livro e ver o filme, pode pular. Se você é parte da maioria que eu tenho certeza de que não vai chegar nem perto de nenhuma das duas mídias, ♪♫siga em frente, olhe para o lado♫♪.

ATENÇÃO: SPOILERS A FRENTE

No filme, quem interpreta Shack Twala é o lendário Sidney Poitier, nome famosíssimo na época e uma das escolhas mais recorrentes do diretor Ralph Nelson. O problema é que o Shack Twala do livro aparece no início, some um pouco por ficar muito mal de saúde graças a uma infecção que pegou por estar com algemas muito apertadas por muito tempo. volta lá pela metade do livro, ajuda na cena do sumidouro e…morre nessa mesma cena! Apesar de Shack ser o ponto de partida da trama, ela gira em torno de Keogh em quase sua totalidade! Só que como é que você coloca um ator negro consagradíssimo no seu filme em um papel onde o personagem aparece pouco e ainda morre bem antes do final? Simples! Você aumenta o tempo de tela do sujeito e entrega boa parte das cenas do protagonista do livro em seu desfecho pra ele poder brilhar como um dos heróis!

Eu não tenho problemas com isso e foi até bom saber do protagonismo do Poitier no filme porque a morte de Shack no livro me pegou completamente de surpresa! O meu problema mesmo está no fato de que, como eu já disse, o filme tira toda a profundidade e o ar sombrio da trama pra colocar um clima de comédia pastelão no meio e transformá-lo num “road buddy movie”.

Outra coisa que é completamente diferente no livro e no filme e que muda a personalidade de um personagem central completamente é o destino de Horn. No livro é revelado que Horn não quer os diamantes, ele simplesmente quer que os diamantes continuem sumidos pois eles significam dinheiro pra causa do Congresso, pra que eles se armem e ameacem a supremacia branca na África. No fim do livro, Horn forja a morte de Wilby Xaba e o sequestra. Keogh e um jovem delegado chamado Moorscroft descobrem e acabam impedindo o sequestro. Van Heerden é baleado e morto por Yusuf, que estava ajudando Horn mas acaba percebendo que foi traído, mas Horn escapa ileso e o livro termina com um gosto meio agridoce, pois Keogh resolve sua situação mas Horn segue por aí, vivendo mais um dia pra enfrentar o Congresso.

No filme, temos também a tentativa de sequestro de Wilby Xaba por Horn, só que mais na cara. Ele vai até o vilarejo onde Xaba está escondido, e quando está prestes a ir embora em seu helicóptero, a população impede e destrói o helicóptero com paus e pedras. Horn saí ileso, tem uma conversa com Keogh dizendo que ele venceu mas que vai voltar outro dia e Keogh simplesmente mete-lhe um tiro na testa! Como eu disse, no livro Keogh é um sujeito comum, nunca matou ninguém e segue até o fim do livro assim. Matar alguém está completamente fora de cogitação pra ele. No filme ele mete uma azeitona na jaca de Horn, olha pra Rina e manda um “Acho que vou precisar de uma advogada” e essa é, literalmente, a última fala do filme antes dos créditos subirem sem música nenhuma e com a câmera focando no helicóptero destruído ao fundo.

Confesso que não gostei do fato do Horn ter fugido no fim do livro mas gostei bem menos do Keogh matando ele no fim do filme.

FIM DOS SPOILERS

Mas o filme é de todo ruim? Não! Tem uns pontos sobre segregação racial que são muito bem representados, até melhor quer no livro, inclusive! Mas é só isso! Enquanto adaptação, ele peca demais por simplificar a trama e jogar comédia excessiva onde não cabia.

Bem, é isso! Eu jurei pra mim mesmo que esse seria um post curto mas volto a falhar mais uma vez. É o famoso “Sucesso no Fracasso”. A todas as 15 pessoas que seguem lendo meus posts, meu muito obrigado e pra mostrar que vocês ainda estão mesmo aí, deixem nos comentários a palavra “Ovo”, só pra eu ter certeza que não perdi completamente umas 3 horas de vida nesse post.

Até a próxima, amiguinhos e amiguinhas!

Curiosidades inúteis que esqueci de citar:

1- Em 1958 Sidney Poitier estrelou um filme com uma premissa base similar a Conspiração Violenta. Trata-se de The Defiant Ones, que no Brasil foi lançado como Acorrentados, onde ele interpreta um presidiário que, após um acidente com o ônibus que o transportava para outro presídio, acaba tendo que fugir algemado a outro prisioneiro branco. A diferença é que não havia tom de comédia algum no longa.

2- A atriz Prunella Gee, que interpreta a Rina, usa o cablo curtinho durante todo o filme. Porém, em uma cena no meio do filme onde está na banheira com Keogh, ela aparece com o cabelo preso porém claramente muito mais longo. Aí ficam 3 possibilidades: 1- O cabelo curto era peruca 2- O cabelo longo era peruca, o que não faria sentido com a trama 3- Ou a cena uma das primeiras gravadas pro filme ou foi uma refilmagem MUITO tempo depois. Existe também a quarta possibilidade: O/A Continuista tava cagando e andando pra tudo!

A possibilidade de ser peruca ou uma cena gravada fora de ordem fica mais forte quando ela aparece com o cabelo maior e até com outro tom de loiro em uma cena perto do fim do filme.

3- Na cena inicial do filme onde o Michael Caine dá uma cotovelada giratória no policial, podemos ver toda a NÃO habilidade do ator pra cenas de luta! Sério, sai tudo torto, é horrível…

4- Michael Caine já nasceu velho.

5- Lembram que eu falei que o livro foi comparado com O Dossiê Odessa do Frederick Forsyth lá no começo? Então…Forsyth escreveu O Dia do Chacal que foi adaptado pro cinema duas vezes, uma em 1973, apenas um ano após o lançamento do livro, e outra em 1997 estralado por Bruce Willis e Richard Gere. Sabem quem também estava nessa segunda adaptação? Sidney Poitier! Sabe o que isso significa? Nada! Só que ele era um ator e precisava trabalhar!

6- Quando o filme foi lançado no Brasil ele era chamado de Conspiração Wilby, sendo apenas chamado de Conspiração Violenta na sua segunda dublagem.