Confissões do Crematório

10 a cada 10 médicos afirma: todos vamos morrer um dia.

Caitlin Doughty era uma linda jovem que se mudou do Havaí para São Francisco e logo começou a viver o seu sonho de vida trabalhando em um crematório. Parece uma frase meio sem sentido, mas é isso mesmo. O fato é que uma experiência traumática envolvendo o tão temido destino final na infância foi o suficiente para transformar a morde em sua obsessão de vida. Trabalhar com a morte e procurar entender as diferentes relações que diferentes pessoas possuem com a senhora da foice.

Confissões do Crematório reúne uma série de histórias do período de Caitlin como assistente de cremação, que a deixava responsável por praticamente quase tudo. Desde a cremação de indivíduos que aguardam serenamente refrigerados em caixas de papelão, indigentes e pessoas sem nome, pessoas com famílias enormes e que possuem seus rituais funerários culturalmente diversos, bebês, idosos, suicidas, até a busca desses corpos em residências, hospitais e centros de pesquisa.

As histórias, cada uma com um capítulo pra chamar de seu, são entremeadas por dados antropológicos associados à morte ou à vida, da autora no caso. Não apenas um diário de um trabalho não muito corriqueiro, uma pequena enciclopédia da morte e um diário pessoal da autora em relação ao tema, e da história funerária dos Estados Unidos, que pode não parecer atrativo mas o é, ou então se torna por mérito da autora.

Uma coisa me chamou atenção durante toda a leitura, em parte também devido a minha profissão e a inevitável proximidade que ela possui com a morte muitas vezes: a sociedade moderna não sabe lidar com a morte. Encaramos um dos mais naturais processos da vida justamente como algo a ser escondido, e se fosse possível evitado. Escondemos a morte em hospitais, escondemos das crianças, dos idosos que podem se sobressaltar. Fugimos da morte como se fosse possível fazê-lo, trocamos uma partida digna por algo muito pior.

Existe uma disciplina acadêmica chamada tanatologia, que visa tanto a entender os processos biológicos pós morte quanto a percepção da morte como fenômeno natural e suas implicações psicológicas e sociais. Acho que não é surpresa pra ninguém se eu disser que as aulas de tanatologia que tive foram mínimas e irrisórias, bem como o congresso sobre o tema foi pouco divulgado, pouco procurado e não teve vida longa. Em compensação o congresso de cirurgia plástica é sempre um grande sucesso. Os médicos são levados a acreditar durante a sua formação que a morte é um fracasso, mesmo sabendo que é entrar numa briga já perdida.

Bem, acho que deu pra perceber que esse livro mexeu comigo, não é?

Feita uma breve crítica ao livro, vamos à parte editorial, que não é tão importante quanto o conteúdo mas ajuda  a vender o produto. O fato de ser um livro lançado no Brasil pela Darkside já deve significar muita coisa. A arte do livro é sensacional, apenas em vermelho, preto e branco, além das bordas vermelhas da página, conferindo um estética ao mesmo tempo pesada e atraente. Não sei se é padrão, mas a edição que comprei veio com um marca páginas em formato de carta de tarot (A Morte, obviamente) além do marcador em fita. É um livro que chama a atenção ao longe, e despertava olhares curiosos quando estava na minha mesa no consultório.

O preço de capa é de 50 reais, até condizente com o trabalho magnifico nesse livre de 250 páginas, mas hoje na internet você o encontra por 35 pavões esquizofrênicos. Recomendo esse livro a absolutamente todas as pessoas.

Godoka
13/08/2019