A Divina Comédia – Parte 3
Paraiso tem que ter molho de churrasco
Vamos quase que direto ao assunto.
O Paraiso também é organizado em 10 setores, separados pelas pelas quatro Virtudes Cardeais e pelas três Virtudes Teologicas, os nove “Céus” que representam o conhecimento medieval sobre o universo, mais o Empireo. Embora, interessantemente, Dante diga que o que ele descreve é o que ele conseguiu entender do lugar. Outro ponto interessante é a aparencia das almas.
No inferno elas são quase indistinguíveis dos vivos, exceto por não terem peso e nem sombra. E estarem nus. Em dado momento no Paraíso, Dante não consegue mais identificar as pessoas, apenas nuvens brilhantes. Mais para cima no entanto elas voltam a se tornar visíveis.
Dessa forma, é preciso atravessar uma esfera de fogo que circunda a Terra para atingir o primeiro Céu, o da Lua. Ali ficam os que abandonaram seus votos (a inconstância da lua) pois não tiveram a Coragem o suficiente para mante-los.
Na Segunda esfera, a de Mercurio ficam as almas que fizeram o bem, mas por razões de como obter fama e/ou poder, significando uma ausencia de Justiça mesmo em suas boas obras.
Venus é a Terceira Esfera, e abriga os que amaram, mas lhes faltou a Temperança, equilibrio, em suas vidas na Terra.
Como Dante só conhecia o sistema ptolomaico, o Sol não estava no centro do sistema solar, então ele o colocou na Quarta Esfera, a dos Sábios, os que tiveram Coragem, Justiça, Temperança e Prudencia. É um local repleto de filosofos, teologos e ao menos um rei, Salomão.
Avançando Dante e Beatriz chegam à Esfera de Marte, onde ficam os guerreiros da fé, sujeitos do calibre de Carlos Magno e Judas Macabeu. Ali Dante encontra Cacciaguida, um ancestral seu, morto há mais de 100 anos e que lutou na Segunda Cruzada. Cacciaguida informa Dante que ele ira ser exilado e sofrer muito (a historia se passa alguns anos antes desse fato, então é como se Cacciaguida tivesse informado Dante de antemão).
Jupiter é onde ficam os governantes Justos, como Ezequias, Constantino e até um pagão, Ripheus, um troiano.
Os contemplativos, que viveram com Temperança ficam na Sétima Esfera, Saturno. E com o monge filosofo Pedro Damião discute o triste estado da Igreja entre outras coisas.
A Oitava Esfera é o céu das estrelas fixas, que são as estrelas mesmo (pensava-se que os planetas visiveis eram “estrelas variaveis”). Dante encontra a Virgem Maria e vários santos que o testam com perguntas.
A ultima esfera física é a Primum Mobile, de onde é possível ver o centro de Tudo, cercado por anjos.
Finalmente ele abandona a Existencia e vê anjos e santos, numa formação semelhante à uma rosa, no centro da qual há uma luz brilhante. Ele está no Empireo, onde é auxiliado por Bernardo de Claraval, que lhe explica sobre predestinação, já que Beatriz retornou para o lugar dela na rosa.
É ali que Dante se vê frente à Deus e admite que não consegue explicar plenamente o que viu.
Sabem aquela coisa de analisar muito uma obra, em busca de significados ocultos, alegorias e coisas do tipo? Em boa parte dos casos é alucinação sem fundamento do analista e o autor não queria dizer nada daquilo que esse pessoal viu. Mas Dante queria passar uma mensagem e encheu os poemas disso. Alguns são bem diretos, como colocar seus desafetos aqui e ali no inferno. Outros são um pouco mais sutis, como aquela coisa dos luxuriosos nos ventos, que representa o fato que essas pessoas se deixaram levar pelos seus impulsos e agora o vento, que representa esses impulsos, os arremessa dolorosamente pra todo lado. Todas as punições e recompensas, assim como os residentes em cada lugar foi cuidadosamente pensado para estar ali.
Mas é o tal negocio, tem gente analisando essa coisa, palavra por palavra, há 700 anos. E volta e meia aparece algum significado diferente.
Frequentemente é dito que Inferno é a melhor parte e é dificil contradizer isso.
Inferno é imensamente poderoso e de uma criatividade sem par. Uma razão para seu digamos, sucesso, poderia ser como ele é profundamente “terreno”, ao contrario dos progressivamente mais exotéricos e espirituais Purgatorio e Paraiso. Geralmente quando a Comédia é referenciada, é do Inferno que se fala.
Dante viveu em uma época turbulenta e se envolveu na politica italiana, apoiando o imperador Henrique VIII, a quem ele esperava que fosse o unificador. Em geral, as coisas não acabavam bem para ele. Dante foi exilado em certo momento e recusou-se a pedir desculpas para seus poderosos inimigos, mesmo quando uma sentença de morte foi colocada sobre ele e seus filhos. Isso se reflete no poema, em particular na relação de amor e odio que tinha com a sua cidade natal, Florença, à qual queria retornar, mas também chamava de antro de mentirosos e chegou a coloca-la no Inferno.
Ele não poupa criticas à Igreja e coloca vários Papas em cantos diversos do Inferno e há muitas alegorias demonstrando sua insatisfação com a presente situação da organização.
Eu particularmente não sou de poesia, embora curta poesia épica, como Os Edas. Tão pouco sou religioso, mas é impossível deixar de notar a imensa criatividade e grandiosidade da obra, mesmo sob um olhar secular.
Há uma infinidade de traduções da Comédia, algumas melhores que outras. Independente disso, há um aspecto a ser buscado que é a arte de Gustave Doré.
O ilustrador francês Gustave Doré é um puta artista, foi um dos maiores e sua arte é tremendamente incrível e reconhecível. Da mesma forma que a Comédia, influenciou meio mundo e com total razão. As obras do cara mereceriam, e talvez mereçam, um post à parte.
Mas para finalizar, cacete, Dante tem titulos como Il sommo Poeta, O Poeta Supremo e o Pai da Lingua Italiana.
Não é para qualquer um.