A Bíblia em Mangá: O Velho Testamento
Não, você não leu errado. Não, esse não vai ser um post religioso. Bem longe disso, na verdade…
Se alguma das 15 pessoas que lêem meus posts não sabe, eu estou me recuperando de uma cirurgia de hérnia inguinal e isso me força a ficar deitado grande parte do dia. Ah, e também estou sem computador pra assistir coisas novas legais. A saída pra não sucumbir ao tédio completo e absoluto foi tirar o velho aparelho blu-ray da aposentadoria e assistir um monte de DVD velho numa tv de tubo de 14 polegadas. Resolvi rever coisas que eu gosto, rever coisas que só vi uma vez, ver coisas que não vi e por aí vai.
Foi então que decidi fazer o mesmo com a leitura. Influenciado por ter reassistido ao ÓTIMO O Principe do Egito da Dreamworks, o MELHOR filme bíblico já produzido, resolvi pegar duas HQs que só li uma vez desde que as comprei anos atrás, os dois volumes de A Bíblia em Mangá lançados pela JBC em 2008. Por que eu comprei algo assim? Dois motivos: 1- Curiosidade mórbida e 2- acho que paguei só R$10,00 pelas duas edições que estavam encalhadas numa já falecida comic shop daqui.
Este post vai se focar no volume 1 que corresponde ao Velho Testamento e já aviso que não é porque tem o nome “Bíblia” na capa que eu serei gentil, porque essas edições são de uma picaretagem ímpar no que se propõem. Mas, antes, uma pequena sinopse:
Bem… é um resumão do Velho Testamento! Sabe como é…coisas que não fazem sentido pra explicar a existência humana, que pela lógica, deveria ter nascido de uma “festa do incesto”; Deus sendo cruel pra exigir adoração absoluta, forçando seus servos a sofrer quando poderia resolver tudo em um estalar de “inefáveis” dedos , ordenando genocídios com direito a execução de mulheres, crianças e animais de povos inimigos ( leia-se ” que não o adoravam”)…enfim, o de sempre!
Agora vamos falar do material em si. Em primeiro lugar, a Bíblia em Mangá não é mangá nem aqui nem na casa do karalho-san! A coisa já fica evidente no modo de leitura que é o ocidental ( da esquerda pra direita).A dupla responsável pela empreitada, Siku ( ideia original e arte) e Akinsiku (roteiro) são INGLESES com trabalhos publicados na 2000A.D., sim a conceituada revista onde foram ( e acho que ainda são) publicadas histórias do Juiz Dredd e do Slaine! Então porque diabos isso se chama “A Bíblia em MANGÁ” se não foi sequer produzida por um cara com um primo de quarto grau nascido no Japão? Porque, segundos as próprias palavras do desenhista Siku em uma entrevista que está presente na revista, o mangá é um estilo mais dinâmico e dramático onde a arte fala por si só, sem a necessidade de muitos textos. O problema é que a Bíblia em Mangá NÃO É NADA DINÂMICO NEM DRAMÁTICO E TEM TEXTO PRA PORRA AO LADO DE DESENHOS MINÚSCULOS!
Serio, as páginas da revista são UM CAOS! A distribuição dos painéis nas páginas muitas vezes é confusa e as inúmeras caixas de narrativa em off só deixam tudo ainda pior! Como a dupla teve a “genial” ideia de resumir TODO o velho testamento em pouco mais de 130 páginas, a história ficou obviamente corrida pra cacete e não raramente temos ONZE painéis em uma única página ( painéis são os quadrinhos das páginas do gibi, caso você não tenha familiaridade com o termo). Em um momento chegamos a ter DEZOITO painéis numa única página!
Essa sensação de pressa vai ficando mais forte a medida que a história avança. No começo da HQ ( não vou chamar isso de mangá mas nem fodendo) a história até reserva umas páginas pra se concentrar em personagens chave. Moisés é praticamente o protagonista da primeira metade da revista, servindo inclusive de narrador. Sansão e Davi são outros que tem seu espaço, mas depois de Davi o roteiro de Akinsiku pisa no acelerador mesmo com o carro já descendo a ladeira e aí você já não consegue identificar quem está em pé na calçada de tão rápido que passa. Um personagem aparece e morre na mesma página e seguimos seu descendente que também aparece e morre na mesma página. A coisa desanda totalmente e, mais uma vez, o texto precisa explicar o que está acontecendo porque a arte parece ter desistido.
Em tempo, Siku não é um mal desenhista. Muito pelo contrário! Se você der uma olhada nos trabalhos da 2000 A.D. onde, inclusive, já desenhou o Juiz Dredd, vai ver que ele tem um traço que lembra muito o do Simon Bisley. O problema aqui é o velho “Desenhista que não sabe desenhar bem um estilo achando que sabe desenhar bem um estilo”. Ele mira no mangá mas acerta numa versão caricata dos desenhos animados americanos do início dos anos 2000 que tentavam copiar a estética dos animes porque estava em alta na época, como Três Espiãs Demais, Martin Mistery e Megas XLR. E como, aparentemente, ele acha que o mangá tem um traço mais simplificado e por isso não precisa de tantos detalhes, muitas vezes os personagens não tem características físicas que os distingam. Os rostos são praticamente todos iguais, com grandes olhos, um risco com um ponto de lado pra representar o nariz e muitas vezes a boca é um círculo pura e simplesmente. No início alguns personagens até tem um jeito de se vestir ou um detalhe, como uma bandana, que os tornem únicos, mas com o passar da história parece que o Siku vai desistindo de tentar. Aliás, isso também pode ter a ver com o prazo.
O próprio Siku foi quem convenceu a editora HODDER a publicar o projeto. Só que a editora disse que só o faria se tudo ficasse pronto em 3 meses. Pra não perderem o prazo, Siku e Akinsiku foram praticamente escrevendo e desenhado ao mesmo tempo. Isso explica muito da bagunça, dos desenhos muito pequenos e extremamente simplificados em muitos momentos e a quase total AUSÊNCIA DE CENÁRIOS. Sério, acho que 60% das páginas não tem cenário ou, se tem, é um risco embaixo pra representar o chão e uns riscos tremidos em cima pra representar nuvens no céu.
Mas é tudo uma grande tragédia? Não! É muito divertido ver o visual estiloso que o Siku deu pra alguns personagens com mais “tempo de tela”, como seu Moisés que é um Gandalf atlético com direito aquela típica franja sobre um olho só ao melhor estilo Leon S. Kennedy, ou um dos meus favoritos, Caleb, que anda com uma baita bandana quase cobrindo os olhos e tem um par de espadas o deixando com um ar quase ninja.
Aliás, lembra que eu falei lá no começo que haviam umas desculpas pra tapar buracos bíblicos e tirar coisas feias como incesto da história? Uma delas é que os descendentes de Adão e Eva casaram-se com uma raça cujo a história se perdeu nas brumas do tempo. Que conveniente, não? Bem, alguns acreditam que tal raça eram os Nefilins, o problema é que essa era uma raça de GIGANTES! Ou seja, deve ter sido a temporada de sexo mais bizarro daquela época, porque os bichões eram descritos como tão altos que um homem adulto ficaria, no máximo, na altura de sua perna.
Acontece que mais adiante, Moisés, o idoso mais porradeiro do velho testamento, sai no braço com Ogue o rei de Basã, um dos últimos Nefilins vivos e Siku desenha quase que uma versão alternativa da luta entre Gandalf e o Balrog.
Ah, curiosidade: dizem que a suposta cama de Ogue ficou exposta em Basã anos atrás e que ela tinha 3×2 metros. Não encontrei fotos mas há desenhos feitos lá pelo século XVIII e XIX que representam pessoas comuns olhando a cama com espanto numa espécie de museu.
Antes de terminar preciso apontar alguns momentos em que o Siku parecia estar tentando jogar um pouco de humor nos desenhos, talvez pra se divertir no meio da correria, sei lá. Em um momento um personagem aparece saltando com duas METRALHADORAS nas mãos numa cena ao “melhor” estilo Image dos anos 90. Em outro momento, contando a história de duas mulheres, coloca um tipo de “mascote mágico voador” ao melhor estilo dos mascotes de magical girls como Sailor Moon e Sakura Card Captor.
Enfim, A Bíblia em Mangá: O Velho Testamento é um bootleg de mangá caótico e que não valia o preço de capa da época, R$14,90 em uma edição fininha em uma época em que já tínhamos o formato tankon completo nas bancas DE MANGÁS DE VERDADE por R$9,90. Obviamente deve ter sido um fracasso retumbante ou eu não teria comprado um encalhe e certamente a JBC já teria dado um jeito de republicar em um formato menos vagabundo ( é um “mangá”, então foi publicado em papel jornal).
Porém, eu ainda arrisco a dizer que se você achar em algum sebo ao preço de troco de pão e estiver curios@ pra ver se é tão ruim assim mesmo, eu digo…pegue! Primeiro porque vai tá barato ( se passar dos R$5,00 clame ao Deus do velho testamento pra ele dar “um susto” em quem estiver cometendo essa afronta)e segundo porque o clima de quadrinho medieval com todo personagem bíblico vestido como um personagem de RPG além das histórias de guerras absurdamente violentas em nome do Senhor que fariam Conan dormir de luz acesa garantem um pouco da diversão.
NOTA: 5,0 ( mais por esses últimos aspectos citados)
PS: Vou ler o Novo Testamento e aí sim, vamos ver se focado apenas em um personagem central a dupla faz algo menos bagunçado. Eu disse “menos bagunçado” e não “melhor”.