Resenhando Livros Que Nunca Lerei: Ninja de Eric Van Lustbader

Ok, isso provavelmente nunca vá ser uma série de posts e apesar da palavra “livro” estar no plural, eu vou falar de UM livro só!

Quem me acompanha nas redes sociais já deve saber mas, pra quem não acompanha, ultimamente minha fonte literária tem sido uma barraca de cocos. Não, você não leu errado! Uma barraca de cocos no meio da feira tem um cantinho reservado pra venda de livros velhos a preço de R$5,00. Já comprei muita velharia lá, incluindo uma edição antiga de O Poderoso Chefão e Rambo, o qual rendeu um Review.MP3 do qual tenho muito orgulho.

A grande maioria dos livros lá presentes são de coleções da editora Record, Nova Cultural, Abril e Globo que publicavam apenas best sellers mundiais. Mas tem uma frase que eu sempre digo quando falo de filme que é “Bilheteria não é sinônimo de qualidade” e sempre aponto os últimos Velozes e Furiosos, que são ruins como mastigar sabonete Senador mas arrecadam MILHÕES em bilheteria e também os dois Avatar que o que tem de bonitos visualmente tem de HORRENDOS narrativamente, como exemplos. E o mundo dos livros não é tão diferente assim. O livro do qual falarei é uma prova disso.

Como já deixei claro no título eu NÃO O LI e NEM PRETENDO SEQUER CHEGAR PERTO DESSE TROÇO! Digo isso porque sempre que vejo um livro cujo a capa me chama a atenção na barraca de cocos (essa frase não faz sentido nenhum quando falada em voz alta…) eu costumo entrar na internet e fazer uma pequena pesquisa e ler reviews sobre a obra pra me ajudar a decidir se junto as moedas e o levo ou não. E o livro do menino Eric Van Lustbader intitulado originalmente de “The Ninja” e com o título brasileiro simplificado apenas pra “Ninja”, uniu a maioria das pessoas cujo as resenhas li em um único pensamento: Esse livro é UM LIXO!

Antes de mais nada é preciso contextualizar a época em que o livro foi publicado. Era 1980 e uma febre ninja invadiu os EUA. Você ia fazer sua caminhada nas ruas, ouvindo Lost In Love do Air Supply no seu Walkman a todo volume e enquanto olhava pro aparelho pra virar o lado da fita, você batia o ombro em uma árvore e de lá caiam 18 filmes vagabundos de ninja, um de qualidade mais duvidosa que o outro! Em comum, a completa falta de compreensão da cultura oriental dos americanos que achavam que japoneses, chineses e coreanos moravam todos felizes na mesma ilha chamada Ásia. Se você pegar qualquer filme vagabundo de artes marciais “Made in USA” dos anos 70 e inicio dos 80 vai ver lutador de Kung Fu usando kimono de karatê, vai ver lutador de karatê usando hobby de seda como se fosse vestimenta de combate, vai ver coreano dizendo que nasceu em Okinawa e, o melhor de tudo, vai ver AMERICANO INTERPRETANDO ASIATICOS! O maior e mais constrangedor exemplo dessa época é David Carradine interpretando o monge shaolin Kwai Chang Caine (notem o ultimo nome “americanizado” pelo qual ele era chamado na série pra não “ofender” o publico americano) roubando o papel que seria de Bruce Lee na série de TV Kung Fu sendo que o ator que nasceu na California não sabia dar um cascudo direito! Sério, as cenas de luta em Kung Fu são constrangedoras de ruins! Vale a pena deixar abaixo o vídeo do episódio em que Caine enfrenta um “brasileiro” lutador de “capoeira”. Sintam o ki da vergonha alheia se elevar!

Nos quadrinhos vale citar o desenho da espada de honra dos Yashida que Wolverine ganha na minissérie escrita por Chris Claremont e desenhada por Frank Miller. Miller não sabe desenhar Katanas e mete uma CIMITARRA, espada usada comumente por árabes, turcos e persas, como uma TRADICIONAL ESPADA MILENAR JAPONESA!

Vale citar também a tradicional vestimenta japonesa do vilão, Shingen Yashida, que nada mais era que um roupão com um par de pantufinhas de velha.

Enquanto isso, nos filmes, uma coisa que os americanos não pareciam entender é que os ninjas eram, tradicionalmente, espiões e, por isso, se vestiam de negro pra se ocultar nas sombras e passarem desapercebidos. Mas o preto não é alegre, não é divertido, não é cor de herói! Então o que ele faziam?

Sim! Os caras não apenas usavam roupas ultracoloridas como ainda metiam uma faixa escrito “Ninja” na testa pra não deixar dúvidas do que eles eram! E notaram outra coisa nessas imagens? Sim! NENHUM DESSES NINJAS É ORIENTAL!

Em 90% dos filmes dessa época, os ninjas que eram protagonistas, os “heróis”, eram americanos que foram treinados por ninjas para se tornarem ninjas. Na maioria das vezes os americanos eram tão bons que os seus mestres simplesmente resolviam deixar TODO seus ensinamentos e legado pra eles do que pra seus discípulos, muitas vezes um filho ou simplesmente um outro japonês MUITO MAIS CAPAZ! Porque eu, um mestre japonês da misteriosa arte do ninjutsu com anos de tradição familiar vou repassar minhas técnicas pra meu filho seguir com a tradição se eu posso passar pro Lee Van Cleef ou pro Franco Nero que tem bigodes muito mais legais?

E o livro Ninja segue por esse mesmo retardo! Antes de começar a esmiuçar essa tragédia grega de papel, aqui vai a sinopse surrupiada do Skoob e que já uma pérola por si só:

“Esta é a história de Nicholas Linear, filho de pai inglês e mãe oriental, e a de uma antiga vingança. Criado no japão de pós-guerra, Nicholas foi iniciado nos segredos do bu-jutsu – o conjunto de todas as artes marciais japonesas – e teve sua educação orientada pelos princípios do zen-budismo. Anos depois, já adulto e morando em Nova York, repentinamente Nicholas começa a se ver cercado por uma série de assassinatos no estilo ninja. Como uma implacável e perfeita máquina mortal, o estranho crimimoso vai fechando o círculo mortal em volta de Nicholas. Finalmente, o inevitável desfecho, quando os inimigos devem se enfrentar num verdadeiro duelo de samurais.”

Alguém pode me explicar o que são “assassinatos no estilo ninja”? A vitima é alvejada a golpes de shuriken e o assassino deixa tocando Ninja Rap do Vanilla Ice a todo volume no local do crime? Ou o assassino veste a vitima de Naruto? E porque diabos eles vão ter um “verdadeiro duelo de samurais” se eles são A PORCARIA DE UM PAR DE NINJAS?

Mas esse é um problema da sinopse, agora vamos aos problema do livro em si que são MUITOS!

De acordo com todas as resenhas, Eric Van Lustbader escreve como um fanfiqueiro de 14 anos! Aquela idade em que o moleque tá com os hormônios em ebulição, acabou de descobrir a punheta e TUDO pra ele é erótico. O livro tem 518 fodendo paginas, um tijolão, e em grande parte dessas páginas Van Lustbander se dedica mais a descrever relações sexuais com DESNECESSARIAS E MAL VINDAS riquezas de detalhes do que se focando no tema que dá título ao livro. TODAS as personagens femininas tem um fetiche, que vai do sadomasoquismo até a ninfomania completa e, inclusive, o Ninja serial killer que é o vilão, é um depravado sexual que estuprou o protagonista na infância! Não me surpreende que o sobrenome do autor seja “Lustbader” que, separado e traduzido ficaria “Lust bader” que significa algo como “pior luxuria” . Ah, e o Ninja também é viciado em heroína! Não, isso não foi uma piadinha de mal gosto, tá no livro!

Ah, quanto ao protagonista ser um americano, aqui o Lustbander quis ir mais longe e fez de seu protagonista uma salada desorganizada de raças. O sujeito é meio japonês, meio chinês, meio inglês e meio judeu! Claro que o que se sobressai é a raça branca, pois ele é loiro de olhos azuis pra surpresa de ninguém.

Steve Carrel imitando o modelo Fábio nos anos 90 daria um ótimo protagonista pra uma possível adaptação cinematográfica de Ninja.

Outro personagem clichê é o “detetive durão” que vai investigar os assassinatos do serial ninja drogado. Ele acaba se unindo a Nicholas Linear e o usa como consultor, já que o nipo-sino-britânico-judeu manja das ninjaria. O problema é que os leitores descrevem a parte investigativa como uma das coisas mais precárias já escritas na história da literatura detetivesca. Digamos que se essa dupla entrasse numa cena de crime onde uma pessoa foi morta por um Pogo bol do Gugu eles estariam mais preocupados em saber onde o assassino comprou um fabuloso Pogo bol do Gugu pra tentar comprar um também do que em descobrir quem foi o responsável pelo assassinato ou mesmo a identidade da vítima. Mas aí eu já não os culparia porque eu iria querer saber também…

De positivo é dito que Van Lustbader fez uma boa pesquisa sobre as culturas chinesa, japonesa e sobre o Japão pós-guerra mas, em contraponto, perde MUITO tempo do livro dando detalhes COMPLETAMENTE DESNECESSÁRIOS a trama sobre essas mesmas culturas e deixa o livro, que já é arrastado, praticamente deitado no chão, inerte, deixando saber que ainda está vivo por um leve movimento no peito que demonstra que ele ainda está respirando, mesmo que muito mal. Também é dito que quando ele vai começar um momento emocionante…eles simplesmente decide cortar pra outro núcleo onde os personagens estão cortando as unhas do pé, por exemplo.

Aliás, é importante apontar que o único momento de confronto entre o protagonista e o ninja se dá no CAPÍTULO FINAL! Inclusive é dito também que o ninja só deixa de ser uma espécie de “Predador” matando todo mundo “fora de tela” também nesse capítulo final onde resolve enfrentar um monte de policiais armados. Deve ser algo como comprar o livro Harry Potter e acompanhar o carteiro do bairro por 400 páginas só pra no final a gente descobrir que o carteiro NÃO PASSA na casa do Harry porque uma coruja entrega as correspondências daquela rua e a ultima linha do livro é “Harry Potter, entrega da Amazon! Ah, e você é um bruxo! Fim”.

Eu confesso que quando vi a capa me bateu um certo ar de familiaridade e nostalgia e quase peguei o livro na hora. O que me segurou foi lembrar que eu vivi essa febre ninja e que, depois de adulto, descobri que muito do que eu assistia quando moleque era lixo fedorento e eu não prestava atenção na história porque ver gente vestindo preto, dando piruetas e voadoras era a prioridade. Fico feliz por não ter feito essa besteira. Claro que sempre tem quem goste! Tem gente que gosta dos filme do Steven Seagal que nada mais são que lavagem de dinheiro da máfia e ele usa dublê até pra se levantar de uma cadeira (e isso é sério)! Mas entre todas as defesas ao livro eu tenho que destacar a mais tosca de um rapaz que disse que leu o livro em MEIA HORA! Sim, ele leu um livro de QUINETAS E DEZOITO PÁGINAS EM TRINTA MINUTOS dizendo que fez uma leitura dinâmica porque sabia que o livro seria ruim e que não queria perder tempo! Aí, depois de se vangloriar em cima dos “inferiores que esperavam um livro bom de algo pras massas” ele me manda um “Gostei do livro!”. COMO TU GOSTOU DE ALGO QUE TU NEM LEU DIREITO, INFELIZ! Se brincar, na tua leitura a história é sobre um Ninja que precisa escapar de um mestiço stalker que tem uma gangue de mulheres com parafilias sexuais e, no meio do caminho, vai tropeçando num monte de cadáveres que, por alguma razão, apareciam magicamente cravejados de shurikens!

Enfim, uma fogueira que pulei de costas, uma obra que é uma ode a uma época em que qualquer porcaria com o tema ninja corria o risco de ser um sucesso inversamente proporcional a sua qualidade vagabunda.

Nota: De repúdio

PS: Caso você seja um masoquista ou simplesmente sinta prazer em ler coisas toscas, o livro teve três versões lançadas no Brasil. Duas edições que saíram pela editora Record em 1980 que, curiosamente, tem apenas 442 páginas, possivelmente pela Record usar uma fonte MINÚSCULA em seus livros.

E a edição de 1987 da Nova Cultural que é a que tem disponível aqui, na barraca de coco, essa sim, com 518 páginas.

Caso tenha sebo em sua cidade você deve encontrar esse troço baratinho! Se não estiver barato, procure as autoridades mais próximas porque isso deve ser crime! Caso não tenha sebo na sua cidade ou não encontre, esse papel higiênico em bloco pode ser achado online facilmente a partir de R$6,00. Com “sorte”, até por menos…

PS 2: Quando Robert Lundlum terminou a trilogia de livros do agente Jason Bourne com O Ultimato Bourne em 1990, ele não revisitou mais o universo do agente desmemoriado. Quando faleceu em 2001, a editora resolveu que iria continuar com os livros com um novo escritor. Adivinha quem foi o escolhido? Pois é, o menino Eric Van Lustbader! Ele escreveu nada menos que ONZE livros de Jason Bourne! Espero que tenha feito um trabalho melhor que em Ninja. O Legado Bourne foi o primeiro filme que ele escreveu em 2004 mas, curiosamente, a adaptação pro cinema de 2012 estrelada por Jeremy Renner nada tem a ver com o livro graças a desistência de Paul Greegras de dirigir mais um filme o que levou a desistência também de Matt Damon de voltar ao papel. Eles voltariam a se unir novamente só em 2016 em Jason Bourne, que não adaptava nenhum dos livros e tinha uma trama 100% original.

Todos os 11 livros da saga Bourne escritos por Eric Van Lustbader
Hellbolha
23/09/2023