Tá no Catarse: Pavilhão

Victor Zanellato e Diogo Mendes atacam novamente!

Em 2020 tive a honra e o prazer de ser um dos escolhidos pra resenhar em primeira mão o projeto do Estúdio Molotov HQ chamado Assalto ao Útero. Escrito e colorizado pelo nosso querido Victor Zanellato (Gariba para os leitores veteranos do site) e desenhado pelo absurdamente talentoso Diogo Mendes (que parece um Jesus sensual), a HQ mostrava uma mulher pobre, preta e gravida as portas de se tornar mãe solteira e tendo que enfrentar os preconceitos sociais e as injustiças que gente com dinheiro parece adorar infligir aos pobres. A HQ é um soco no estômago e você pode ler minha resenha clicando AQUI.

Agora, em 2021, Victor e Diogo se reúnem novamente e trazem o arte-finalista Aristeu F. dos Santos pra dar outro soco com a outra mão em nossos estômagos mau sarados em mais uma HQ que faz parte do “Úteroverso”. Trata-se de Pavilhão, uma HQ que mais uma vez não tem pena de expor as mazelas sociais e também não tem pena do emocional do leitor. Mas antes de partir pra resenha, uma pequena sinopse:

Em Pavilhão acompanhamos a trajetória de Everson, filho de pais Baianos que se mudaram para a Vila São Pedro, considerada a maior favela em São Bernardo do Campo em São Paulo. O pai de Everson, um alcoólatra inveterado, abandonou a família a própria sorte e agora seu irmão mais velho, Wesley, e sua mãe, Dinorá, é quem tem que se virar pra manter a família nos eixos. O grande problema é que Wesley não é de “permanecer nos eixos” e se mete com atividades criminosas, sempre apontando pro seu irmão caçula que é injusto uns terem tanto e outros tão pouco enquanto sua mãe perdeu o emprego por conta de um problema cardíaco que não tem dinheiro pra tratar. É nesse cenário de desesperança que Everson precisa crescer. Mas um circulo vicioso de tragédias parece perseguir sua família e Everson parece fadado a seguir os mesmos caminhos que seu pai e seu irmão, por mais que se esforce por não faze-lo. Mas em um mundo onde cor e status social fazem toda a diferença, as coisas sempre são mais difíceis do que deveriam ser…

Baseando-se em raps de grupos como Racionais MC’s e Facção Central, Victor Zanellato mais uma vez pinta o quadro das injustiças sociais com tons de revolta e indignação bem acentuados. Através de uma narrativa em flashback, acompanhamos o crescimento de Everson de um garoto alegre e apaixonado por futebol, passado pelo adolescente que começa a se dar conta de uma realidade mais sombria que sempre esteve diante de seus olhos mas sua falta de maturidade o impediu de enxergar chegando ao adulto cuja desesperança foi sendo moldada graças as desigualdades e o descaso culminado com sua pena no Carandiru.

Aqui eu preciso apontar um baita acerto do senhor Zanellato que foi trabalhar o lado da mãe nessa história toda. Dinorá, claro, se preocupa com seu filho e teme que o destino dele se assemelhe demais ao do pai e do irmão e tenta protegê-lo da realidade difícil pela qual passa do jeito que dá. Mas em uma cena no metrô, Everson dá de cara com essa realidade difícil do jeito mais cruel e doloroso possível. Eu tenho mãe doente e sei o que ela sempre passou pra tentar parecer bem e também sei como é crescer e se dar conta da barra que ela segura e devo dizer que essa cena do metrô bateu fundo. O problema é que dentro da realidade em que vive, Everson só consegue enxergar os meios errados pra tentar resolver o problema. E fica difícil culpá-lo, já que sempre lhe foi demonstrado que a compaixão não parece se estender a todos os tons de pele.

O olhar do segurança da loja pro pequeno Everson é um retrato cruel da realidade.

Quanto aos desenhos de Diogo Mendes, o sujeito continua mandando bem demais! Quando fiz a resenha de Assalto ao Útero destaquei o fato do Diogo fazer um bairro pobre brasileiro parecer um bairro pobre brasileiro de fato e não um “Brasil York” como muito desenhista brasileiro faz quando resolve emular os desenhos da Image dos anos 90. E dessa vez eu tive essa sensação ainda mais forte, pois as ladeiras da Vila São Pedro lembraram demais as ladeiras da Palestina, um bairro pobre localizado na cidade de Santa Cruz do Capibaribe construído aos pés de uma serra e que ficava vizinho do bairro onde fui criado durante minha infância.

Mas outro fator que me deixou feliz demais foi o fato de o Diogo pegar algo que eu disse na resenha de Assalto ao Útero e usar aqui sem parcimônia. Em minha resenha de Assalto ao Útero eu disse que a casa da protagonista, apesar de ser localizada em uma favela, era “inteira demais”, sem as típicas marcas de casa de pobre, como infiltrações, rebocos rachados e tantas outras mazelas da “engenharia” que conheço tão bem por viver em uma. Aqui ele o fez! As casas tem paredes rachadas, temos tijolinhos aparecendo em buracos no reboco, as ruas são sujas…o sujeito caprichou na sujeira! Talvez até demais em uma página que envolve um banheiro…O QUE FOI ÓTIMO! E nojento ao mesmo tempo…

Até a cadeirinha de metal da mesa o Diogo fez! EU AMO ESTE HOMEM!

Me apaixonei perdidamente pelo design do Everson adolescente e ainda mais me apaixonei por uma página dupla que usaria com alegria como poster e que ainda acho que deveria ser um dos prints das recompensas!

Essa página dupla é MARAVILHOSA!

A arte final do Aristeu F. dos Santos casa com perfeição com a arte a lápis do Diogo, trazendo um estilo semelhante e ao mesmo tempo diferente do usado em Assalto ao Útero. A simbiose é perfeita e com as cores também do menino Diogo fecham a trinca de ouro.

Pavilhão já foi anunciado como a segunda parte de uma trilogia que começou com Assalto ao Útero e devo dizer que Pavilhão renderia um ótimo filme FÁCIL! Já fizeram filme e série com uma certa HQ porcaria aí cujos os desenhos foram feitos por cima de desenhos de outras HQs, frames de filmes e imagens de jogos de tiro, porque não fazer baseado em uma HQ produzida por gente talentosa DE VERDADE e com conteúdo e algo a dizer ao invés de ficar chupando ovo de politico merda? Aliás, não só Pavilhão, Assalto ao Útero também! Tá aí uma coisa que eu torço fervorosamente pra acontecer! Deem atenção pra quem merece, estúdios!

Mas enquanto isso não acontece, você pode contribuir no Catarse e garantir sua cópia de Pavilhão. As contribuições vão de R$10,00 a R$100 com várias recompensas sendo que existem duas categorias pra lá de especiais. A primeira é a “Recompensa Relâmpago Marquinhos” que custa R$20,00 e dá direito a cópia física de Pavilhão + uma cópia digital de Pavilhão + uma cópia digital de Síndrome de Pressa, uma HQ curta de terror feita por esse timaço! Mas essa categoria só é válida pras 20 primeiras pessoas e enquanto escrevo esse parágrafo restavam só 3 disponíveis. A outra é a de R$250 que dá como recompensa as artes originais de Síndrome de Pressa! Quando o Victor e o Diogo forem famosos, isso vai custar uma fortuna…

Contemplem esses originais e chorem! Ou contribuam com R$250 e mantenha seus lindos olhinhos sequinhos!

Então é isso! Corram pra apoiar mais essa baita HQ do Estúdio Molotov HQ e ter material nacional de qualidade em suas mãos. Ah, e eu já ia esquecendo! Como bom arte-educador que é, o Victor sempre manda uma cópia das suas HQs para bibliotecas públicas pra que elas cheguem pra gurizada que não pode pagar. Só por isso esse já é o MELHOR quadrinista nacional da atualidade! Esse menino só me dá orgulho! E pra Pavilhão é…

NOTA: 9,0

CLIQUE NA IMAGEM ABAIXO PARA IR À PÁGINA DO CATARSE!

PS: Prestem atenção aos desenhos dos “figurantes” já que o Diogo colocou um monte de gente conhecida entre eles, desde figurinhas carimbadas no cenário do rap até personagens de séries de TV.