El Camino – por Marcel trindade
“Dude, you are my hero and shit.” — Skinny Pete
O universo criado por Vince Gilligan que nos trouxe a aclamada série Breaking Bad continua se expandindo em várias direções. De sua estréia em 2008 a seu encerramento em 2013, os desdobramentos de escrever personagens tridimensionais e o cuidado narrativo empregado na série renderam a também excelente Better Call Saul, que funciona tanto como prólogo como um preenchimento às lacunas sobre o personagem de Bob Odenkirk na série original. Breaking Bad é um universo muito rico, com um cenário e climas muito bem fundamentados e personagens carismáticos o suficiente para que nos importemos.
As mais de 60 horas de Breaking Bad conseguem equilibrar de forma muito competente sua coleção gigantesca de personagens, mas quem acompanhou a série originalmente pode ter, assim como eu, ficado com um gosto amargo a respeito do destino de Jesse Pinkman. Ao longo da série, Jesse é massacrado emocionalmente por todos a seu redor, e ao contrário de Walter White, a sua expiação é genuína. Jesse nunca soube exatamente onde estava se metendo. Nunca se imaginou fazendo as coisas terríveis que precisou fazer para se manter vivo ou quando manipulado por Walter. Imagino que ele também nunca tenha se imaginado feliz como ele foi brevemente toda vez que encontrou amor ou redenção brevemente. Mas no ato final de Breaking Bad, Jesse despenca de uma maneira vertiginosa, sendo animalizado pelos seus captores e abusado até o limite pela crueldade dissimulada de Todd.
Os momentos finais da série conferem algum tipo de alívio pra essa tensão construída, mas não completamente. Ver Jesse acelerando o El Camino pra fora daquele portão depois de Walter tomar as devidas ações para se redimir com ele podem até indicar que ele pode ser feliz agora, que o pesadelo acabou. Mas Breaking Bad sempre foi sobre a transformação de Walter em Heisenberg, e é aqui que El Camino entra.
A partir daqui, teremos SPOILERS sobre o filme da Netflix, então assiste antes se ainda não viu, ok?
Em duas horas, Vince Gilligan te traz de volta ao ponto de partida e além. O filme opera e se constrói como um novo episódio da série original. Isso transparece na cinematografia, com os mesmos recursos econômicos mas extremamente criativos que Gilligan e companhia aplicam em ambas as séries. Aaron Paul continua entregando Jesse de forma muito verdadeira e impactante. Fisicamente existe uma distância de 6 anos entre as produções, então alguns detalhes nesse sentido precisam ser ignorados (principalmente com forma física de Todd, que é completamente diferente hoje de sua performance em 2013).
A abertura do filme restabelece os acontecimentos ao mesmo tempo em que nos oferece o conforto de reencontrar Skinny Pete e Badger. Charles Baker faz valer cada segundo em tela na pele do personagem e nos confortando sobre o destino dos dois junkies que tantas vezes serviram como alívio cômico, tanto quanto pivôs importantes nas transformações de Jesse. Eles são o ponto de partida de Jesse em El Camino. E é bonito que eles sejam os primeiros que Jesse procura, porque infelizmente, eles são os únicos em que Jesse pode confiar. E por sorte, eles não desapontam.
A partir daí, Jesse tem uma jornada a seguir, com um destino claro, elucidado por Mike na cena de abertura do filme: um flashback dos dois à beira do lago, em uma cena que evocava um dos melhores momentos da relação entre os dois durante a série. Se Walter White foi um pai severo e injusto com Jesse, Mike era uma mãe carinhosa e protetora. Com o Alaska como destino, Jesse sabe pra onde deve ir e como, exceto por um detalhe: o que ele precisa pra isso.
E é aqui que acho que Vince Gilligan, depois de passar quase 15 anos dentro desse universo se tornou um mestre em contar as histórias desses personagens. Ele condensa em duas horas o presente de Jesse e expande o passado recente (em lacunas que nunca havíamos nem sonhado existirem) de maneira extremamente competente e coerente.
Sem tentar entregar muito a respeito do filme, nós entendemos a relação de Jesse com seus captores, e como ele foi manipulado a se entregar àquela situação. Entendemos as escolhas que ele fez e como ele percebe seu caminho até aqui. E isso tudo nos faz entender as ações dele em El Camino para chegar onde precisa.
Cada ponto de decisão da história é pontuado por algum momento do passado, em que Jesse aprendeu uma lição com alguém que passou pela vida dele. Nesses momentos temos de volta Mike, Walter e Jane. Ed (Robert Forster) e Old Joe (Larry Hankin), dois dos meus personagens preferidos na série. Esses encontros funcionam como um ritual de passagem, nos dando uma chance de dizer adeus a eles de forma definitiva agora, como não pudemos em Breaking Bad.
El Camino não é uma história de redenção. Jesse já pagou seus pecados diversas vezes ao longo de Breaking Bad. E esse desenvolvimento longo é o que permite que essa narrativa seja concisa dessa forma. Não precisamos vê-lo sobre outra ótica. Sabemos exatamente onde ele está e o que ele precisa desde o primeiro momento em que o reencontramos. O caminho do título, mais do que o modelo do carro que lhe permitiu a fuga, é justamente esse capítulo curto que oferece um alívio mais adequado à história de Jesse Pinkman.
Publicado originalmente no Medium por Marcel Trindade