[RESENHA] Midsommar: o mal não espera a noite

Hipongagem sueca muito louca num rolê totalmente errado.

Eu assisti a Midsommar semana passada e não consegui escrever sobre ele logo de cara. E nem foi questão de “precisar digerir”, não! Tudo bem que o filme ficou comigo, como um encosto fica com um espírita, ou um pecado fica na consciência dessas pessoas que acreditam em deus, mas não foi por isso que eu não consegui escrever. Eu não consegui escrever simples e puramente por não saber por onde começar a falar sobre esse filme tão maravilhosamente incrível!

A grande mídia e a distribuidora venderam Midsommar como “o filme de terror que se passa todo durante o dia”, como se ESSE fosse o seu grande atributo, ou o diferencial em meio às produções de horror. Talvez o seja apenas no mainstream, afinal Ted Geoghegan fez isso em 2015, no excelente We Are Still Here, que também se passa deliberadamente todo sob a luz do sol.

Mas eu acho que o gimmick de Midsommar ser “o terror em dia de sol” ou “o mal não espera a noite”, como no subtítulo nacional, não é a coisa mais impressionante no novo trabalho de Ari Aster, autor e diretor do fenomenal e apavorante Hereditário. Inclusive, só essa credencial já é motivo suficiente pra ir ao cinema nesta quinta conferir Midsommar. O mais impressionante em Midsommar é que, mesmo com uma narrativa óbvia, em que o espectador vai juntando pecinhas e adivinha exatamente onde elas se encaixam na trama, o filme constrói uma tensão, aliviando-a só na sequência final do terceiro ato. Num clima bem parecido com A Bruxa, a sensação embutida na gente é aquele desconforto, como se estivéssemos assistindo algo que não deveríamos estar vendo. Talvez isso não seja por acaso, já que tanto A Bruxa quanto Midsommar são produção da A24 Films, uma das melhores produtoras de cinema e TV da atualidade.

A história inicia com uma tragédia, nos mesmos moldes de Hereditário. A protagonista, Dani (Florence Pugh, de onde tiraram essa menina incrível?!), perde os pais e a irmã em uma cena de gelar a alma. Dani está em um relacionamento codependente com Christian (Jack Reynor, de Sing Street), que não aguenta mais a garota, mas ao mesmo tempo não consegue pensar em decepcioná-la, usando o que aconteceu com ela como muleta para não dar fim à relação.

Christian e seus amigos Mark (Will Poulter, de Black Mirror Bandersnatch) e Josh (William Jackson Harper, o Chidi de The Good Place) estão planejando uma viagem à Suécia para um festival de solstício de verão a convite do colega Pelle (Vilhelm Blomgren), que vem de uma comunidade alternativa rural do meio do nada da Suécia – vamos ser honestos aqui, né? Um culto. Hipongagem foda.

Aprisionado pelo medo de decepcionar Dani, Christian acaba levando a garota junto. Chegando lá, os únicos convidados para o festival​ vindos de fora da tal comunidade são o casal e seus amigos e um casal britânico trazido pelo irmão de Pelle. Esquisito, não? Vocês não têm nem ideia do quanto!

E é em meio ao uso de muitas drogas esquisitas que os costumes peculiares daquela comunidade vão se mostrando em detalhes gradativamente mais e mais macabros. É muito difícil falar sobre esses detalhes sem dar spoiler, mas lembra​ das pecinhas que eu falei no começo do texto? Várias delas são jogadas na gente logo que o grupo chega ao local, seja em ilustrações nas paredes, seja com algum personagem explicando os costumes do local. E tudo que é introduzido se amarra a algum evento mais à frente no filme. Absolutamente tudo que aparece está ali por um motivo, e o filme é tão bem escrito que não importa se a gente adivinha o que vai acontecer, pois quando acontece, a nossa reação é “EU NÃO ACREDITO QUE ISSO REALMENTE ACONTECEU”.

Tu vai fazer ESSA CARA o tempo todo!

Assim como em Hereditário, o diretor Ari Aster utiliza a violência de forma bem gráfica em diversos momentos. O gore é de revirar o estômago e às vezes permanece mais tempo do que deveria (totalmente proposital), mas o filme também dá muito espaço para a nossa imaginação. Seus momentos mais perturbadores são assim, inclusive. Não aparece o que aconteceu, apenas o resultado final. O caminho até ele fica aberto para que a gente perca o sono construindo a cena em nossas mentes.

Em breve eu farei um Geekburger sobre ele com todos os spoilers, pois, assim como A Bruxa, ele é cheio de simbolismos e significados que merecem ser comentados minuciosamente. É um filme sobre fim de relacionamento, como o próprio Ari Aster apontou. Sobre como o ser humano lida com isso e com sua própria natureza. E isso vai ficando cada vez mais claro à medida que a trama avança.

Midsommar é forte candidato ao filme de terror do ano e merece ser visto na telona. Você vai sair de lá destruído, atormentado, atordoado, apavorado e querendo assistir de novo no mesmo dia.