Review Mórbido: Morto Não Fala.
O terror nacional que estreou primeiro lá fora.
Stênio é platonista em um necrotério na Zona Leste de São Paulo mas ele tem um dom especial que o difere dos demais companheiros de profissão: Ele pode falar com os mortos. E, não, eu não falo de espíritos propriamente ditos, ele fala com os cadáveres recém falecidos que, muitas vezes, lhe pedem favores, como avisar para familiares de seu falecimento para não serem enterrados como indigentes. O refugio fora do seu trabalho cansativo e mórbido é seu lar, onde vive com os dois filhos, a pequena Ciça e o esquentadinho Edson, além de sua mulher, Odete, por quem Stênio é completamente apaixonado mas começa a notar que o sentimento não é mais reciproco. Aliás,muito pelo contrário! Sempre que tem uma chance, Odete humilha Stênio e ainda o acusa de trazer o fedor do trabalho pra casa.
Certo dia o irmão de um conhecido traficante da região é morto e quando chega ao IML, pede a Stênio para que avise seu irmão que há um traidor em seu grupo que o entregou a policia para ser morto. Stênio se recusa e diz que os assuntos dos mortos sempre trazem complicações para os vivos, por isso devem permanecer com os mortos. Porém tudo muda quando, no dia seguinte, o corpo de um conhecido de Stênio chega ao IML resultado de uma briga de bar onde foi alvejado a golpes de faca. Após um pequeno debate a cerca do motivo da briga e subsequente morte do sujeito, que teria sido motivado por ciumes já que ele estava com a mulher do assassino, o recém-cadáver diz a Stênio que ele tem que viver a vida ao máximo, que estar com uma mulher só não é o suficiente e, sobretudo, estar com Odete, a qual vem traindo Stênio com Jaime, o dono da padaria onde Stênio bebe vez ou outra. Diante da revelação, Stênio investiga e acaba descobrindo ser verdade. Tomado pelo ódio, ele resolve por em prática um perigoso plano: entregar o X-9 ao traficante como o falecido irmão havia pedido, mas mudando o nome do sujeito. O X-9 agora seria Jaime e Stênio teria sua vingança. Só que o tal plano sai de controle e uma vitima inesperada vai acabar por se tornar o maior tormento de Stênio e de sua família.
Baseado no conto do jornalista policial Marco de Castro escrito em 2004, Morto Não Fala foi lançado primeiro em festivais internacionais com o título de “The Nightshifter” e só no dia 19 de setembro chega aos cinemas nacionais. E quer um conselho? VÁ VER!
Dirigido por Dennison Ramalho, o qual já tem em seu currículo outros filmes de terror nacional como o roteiro do terceiro filme da trilogia Zé do Caixão, Encarnação do Demônio de 2008, além de um curta na antologia ABC da Morte, Morto Não Fala é mais que um filme de terror, é um drama familiar com consequências sinistras e uma baita critica social. Em muitos momentos você se esquece do sobrenatural e começa a questionar o sistema de saúde as condições de trabalho precárias, sobretudo em uma cena onde um grande número de corpos começa a chegar de uma vez e Stênio e o médico legista tem que se virar pra organizá-los no necrotério.
A ideia do sujeito capaz de falar com cadáveres já é interessante por si só, mas existem pequenos pormenores que quem tem interesse pelo sobrenatural vai achar fantástico, como o fato dos mortos não saberem que estão mortos e, mesmo estando imóveis em cima de uma mesa gelada, muitos deles duvidam do aviso de Stênio de que acabou pra eles, o que vai de encontro com a teoria de que alguns espíritos ficam presos a esse mundo por não se darem conta de que desencarnaram. Olhando por esse prisma, Stênio é quase um Caronte dos pobres, auxiliando a defuntada a aceitar sua situação e seguir adiante, por vezes acabando seus assuntos no plano físico, ou seja, avisando aos familiares de possíveis indigentes que eles se foram.
Em certo ponto do longa a história entra no clichê das assombrações e possessões, mas tudo é tão bem construído de um maneira tão simples e eficaz que te faz ignorar o uso massivo de clichês. Mais que isso, Dennison Ramalho sabe assustar e consegue deixar alguns momentos onde o sobrenatural corre solto de maneira tão realista e sem os exageros hollywoodianos que é impossível não sentir um arrepio subindo pela espinha vez ou outra. Claro que tem jump scares, acontecimentos assustadores que se revelam apenas pesadelos no final e tantos outros chavões usados a rodo nos filmecos de terror do James Wan, por exemplo, mas a construção da trama, o jeito que os personagens são apresentados de modo a você se preocupar com eles e, sobretudo, a derrocada de Stênio que começa a chafurdar nas consequências de seus atos de modo a te deixar desesperado junto com ele consegue contornar tudo isso.
O apertado orçamento de 3.3 milhões gera alguns pequenos problemas técnicos, como o efeito digital usado pra animar o rosto dos cadáveres que, por vezes, fica artificial em excesso mas tem um porque de ser assim. A ideia é boa, colocar o rosto do ator sobreposto ao boneco que representa seu cadáver pra limar a possibilidade de uma respiração de leve ser notada, o que tiraria o realismo e a imersão da coisa. Mas apesar de ficar aparente o efeito e as vezes ter um resultado meio esquisito, deformando o rosto do ator/atriz, o artificio funciona na hora de causar desconforto ao ver um corpo inerte falando, sobretudo com a voz com um assustador efeito de “eco-rouco” genialmente aplicado. Mas se os efeitos digitais vacilam não há do que se reclamar quanto aos práticos. As cenas com corpos sendo abertos são de um realismo que pode perturbar as pessoas mais sensíveis.
O elenco, encabeçado por Daniel de Oliveira no papel de Stênio, dá show, com destaque pra o ator mirim Cauã Martins (o Titi em Turma da Mônica: Laços) no papel do revoltado Edson, o qual culpa o pai por todas as mazelas que a família passa, e com total razão. Outro destaque fica pra o espirito que se torna a pedra no sapato de Stênio, o qual não quero revelar pra não dar spoiler mas posso dizer com toda certeza que a mesquinharia, a sordidez, o mau caratismo e o rancor são coisas que, aparentemente, se leva pra o outro lado sim, e se demonstra da maneira mais assustadora e brutal possível. O único ponto negativo não está no elenco principal mas em pequenos coadjuvantes, como o sujeito que interpreta um pastor na TV o qual só aparece em voz mas não soa como os pastores picaretas de trocentos programas “compre a toalha ungida por mil reais” e uma mulher possuída que também não soa natural. A cena está no trailer e no trailer mesmo é possível atestar o quanto a interpretação dessa mulher ficou medonha.
Escrevi esse post meio que de ultima hora e em meio a MUITAS interrupções por isso ele pode não soar muito coeso (eu estou achando HORROROSO, pra ser bem honesto, mas se eu não fizesse agora sabe lá Deus quando eu teria tempo), mas a ideia básica é deixar a dica mais uma vez: VEJAM Morto Não Fala! É um terror que com pouquíssimos recursos financeiros consegue ser INFINITAMENTE SUPERIOR a estes enlatados do Wanverson que custam muito mais e entregam porcarias como A Freira e A Maldição da Chorona. Aqui o terror é cru e de raiz e, devo dizer que fazia MUUUUITO tempo que um filme não me deixava andando meio desconfiado pela casa a noite.
Nota: 8,0