Review Autômato: Brinquedo Assassino (2019)

Nós seremos melhores amigos para sempre! Ou até rolar um remake…

Em 1988 um filme sobre um serial killer com conhecimentos em magia negra que transferia sua alma para o corpo de um boneco antes de sua morte, fazendo o tal brinquedo se tornar uma máquina assassina se aproveitando na descrença das pessoas ao seu redor de que isso seria possível, aterrizou nos cinemas e fez grande sucesso. De fato, Brinquedo Assassino foi um dos filmes que eu mais assisti e re-assisti quando era moleque na casa de um amigo que tinha vídeo-cassete, já que na cidade onde cresci (Santa Cruz do Capibaribe) não havia cinema desde os anos 70 (o ultimo poster lá colado era de um filme do Bruce Lee) e eu nem SONHAVA em ter um vídeo-cassete em casa, artigo de luxo na época.

Eu sempre ficava meio perturbado quando via esse poster do segundo filme na locadora.

Obviamente eu morria de medo do filme. Quer dizer, o conceito era assustador! Uma alma humana fazia um boneco se mover e, durante o filme o tal sujeito precisava arranjar um corpo humano pois começa a perceber que o boneco começa a se tornar orgânico, sangrando e, inclusive, assumindo suas feições. Sim, Chuck não fica a cara do Charles Lee Ray ( interpretado por Brad Dourif, o Grima Wormtongue de O Senhor dos Anéis), mas o cabelo do boneco começa a ganhar entradas e suas feições amigáveis deixam de existir ganhado o ar ameaçado do “Estrangulador de Lakeshore). Os filmes seguintes continuaram assustando…até chegar no quarto filme, A Noiva de Chuck (1998), e a franquia se transformar num “terrir” que agrada a muita gente mas, pra mim, eles mancham a mitologia sombria que o filme construiu até o terceiro longa. A série até tentou resgatar o clima de terror puro com seus dois últimos filmes, e até conseguiu com A Maldição de Chuck de 2013, mas sua sequencia, O Culto de Chuck, de 2017 é tão ruim que matou a franquia de vez. E foi aí que nasceu a ideia do remake. E foi aí que as ideias para renovar a franquia se provaram um tanto equivocadas…

O remake de Brinquedo Assassino resolve “reinventar” a fórmula para torná-la mais “atual” e, pra isso, joga fora a ideia da alma presa ao corpo do boneco por magia negra e se apoia no clichê da “máquina que perde o controle”. Ou seja, vamos trocar o que tornava a ideia do original única por uma ideia usada a exaustão em trocentos quinzilhões de filmes! Parabéns, campeões! Mas, acreditem, esse nem é o maior problema do longa. Antes de mais nada, a sinopse:

Uma empresa de tecnologia lança um sistema de inteligencia artificial capaz de se conectar a todos os sistemas da casa e controlá-los, no melhor estilo Alexa. A diferença é que esse, além de mais voltado ao publico infantil, vem na forma de um avançado e simpático boneco chamado Buddi, capaz de interagir com as pessoas da casa de forma quase espontânea através da análise de rotina da família. Só que um insatisfeito e revoltado funcionário em uma montadora chinesa, após ser humilhado por seu chefe, acaba desativando todas as travas de segurança do chip de inteligencia artificial do boneco e isso inclui, claro, as 3 leis da robótica. Em seguida o sujeito se mata.

Do outro lado do mundo, Karen Barclay, funcionária de uma loja de brinquedos, lida com clientes raivosos que devolvem um certo boneco continuamente reclamando de seu mal funcionamento. Com seu marido falecido recentemente e seu filho pré-adolescente, Andy, se sentindo só principalmente após se mudarem para um novo bairro, Karen tem uma ideia: levar o tal Buddi com defeito para o filho ter um companheiro. Após mexer uns pauzinhos, ela leva o boneco para casa. Andy não fica muito satisfeito inicialmente, principalmente porque o Buddi 2,ainda mais avançado, está para ser lançado. Mas percebendo o esforço empreendido pela mãe para tentar animá-lo, aceita o boneco,que por um erro de reconhecimento de voz começa a ser chamar Chuck (Andy queria chamá-lo de Han Solo), e começa uma relação de amizade com o pequeno automato que, por ser a única companhia de Andy, acaba se tornando seu melhor amigo, mesmo mostrando alguns defeitos de funcionamento e aprendizado.

Após seus vizinhos, Pugg e Falyn perceberem que o Buddi de Andy faz coisas que não deveria, como repetir palavrões, eles começam uma amizade e vivem indo pra lá e pra cá juntos. O problema começa quando Pugg e Falyn convidam Andy para assistir um filme da série O Massacre da Serra Elétrica e, após ver os garotos morrendo de rir com os assassinatos absurdos do filme, ele assimila como algo normal e divertido que faz Andy feliz. Pra piorar, Chuck se torna superprotetor com Andy e as coisas  desandam de vez quando o namorado da mãe de Andy demonstra detestar o menino em frente ao boneco e, depois de um momento onde o sujeito intimida Andy violentamente, o garoto deseja que ele sumisse. Aí é só juntar 2 + 2 pra adivinhar o que acontece…

Como eu disse, o problema inicial do filme está nessa mudança de conceito. O lance da inteligencia artificial que ganha um instinto assassino não é novidade mas poderia muito bem funcionar…se o filme não se chama-se Brinquedo Assassino! Entendam, o elenco do filme é bom, o boneco tem um visual que assusta (talvez porque tenham colocado as feições do Mark Hamill nele e isso é perturbador…), há algumas cenas de tensão bacanas…mas tudo vai por água abaixo justamente pela sensação de “hmmm…já vi isso antes…e não foi no filme original”. As coisas só se agravam quando o primeiro assassinato só acontece depois de 40 longos minutos e começa com uma cena que deveria ser agoniante…mas acaba tomando contornos CÔMICOS! E nem foi a intenção, como nos filmes da série que puxam para a comédia! Era MESMO pra ser assustador e angustiante, mas o jeito que acontece acaba por se tornar imbecil e pouco crível, mesmo dentro de um universo onde um boneco de plástico rodando um sistema android do mal é o tema principal! Abaixo falarei da cena com spoilers para vocês terem uma ideia do que quero dizer, portanto se não quiserem saber nada do filme antes de assisti-lo, podem pular esse pedaço.

 

ATENÇÃO: SPOILERS A FRENTE!

 

Acontece que o namorado filho da puta da Karen, que você torce pra morrer da forma mais cruel possível, acaba por ser a primeira vitima do Chuck. Quer dizer…a primeira vitima HUMANA, já que o boneco do satanás mata primeiro o gato  da família após este arranhar Andy e o menino chamá-lo de “gato estúpido” e dizer que ele sempre causa problemas.

O sujeito, chamado Shane, era casado e Karen não sabia. Após dar uma bronca em Andy dizendo que ele deveria ser homem e dizer que se tivesse algo contra ele dissesse em sua cara, o sujeito discute com Karen que, irritantemente, sempre dá razão pra ele, e vai pra casa da sua família. Lá chegando, ele vai tirar as luzes de natal do telhado da casa, mas começa a perceber que tem algo errado, ele sente que alguém o observa. É quando Chuck balança a escada e o sujeito cai de quase 4 metros EM PÉ feito um gato, o que faz com que suas canelas quebrem e resultem em uma fratura exposta. Sim, se você cai de uma altura de quatro metros em pé, as chances de ter uma fratura exposta são altíssimas. Só que quando você cai de um lugar tão alto, obviamente você não para em pé por uns 15 segundos como uma estaca de madeira só pra depois começar a cair pra trás lentamente. Sério, o cara caí de quase quatro metros mas fica parecendo que ele só deu um pulinho de pouco centímetros do chão. E essa é só a primeira bizarrice sem nexo dessa primeira morte!

Após cair no chão enrolado em luzes de natal, o sujeito começa a se arrastar, mas Chuck liga o cortador de grama que começa a andar em sua direção se enrolando e puxando o fio das luzes. Shane começa a se arrastar pra longe EM LINHA RETA, quando ele claramente poderia rolar pro lado, o cortador NÃO CORTA O FIO E NEM PARA DE RODAR POR ENROLAR MAIS DE 2 METROS DE FIO NA LÂMINA e quando Shane parece tomar uma decisão minimamente sábia, que é parar de se arrastar, se virar e segurar o cortador de grama, Chuck aparece em pé sobre seu peito segurando uma faca e, pra não morrer apunhalado, o sujeito larga o cortador de grama e tem a parte superior do seu crânio triturado. Ele poderia te virado o cortador de grama de lado, parando-o e ficando comas mão livres pra dar um murro num boneco de plástico de 50 centímetros? Poderia! Ele o faz? Não! Porque ele é burro! Mas, acreditem, ISSO AINDA NÃO É O PIOR!

Andy acaba de acordar em sua casa e quando se levanta pra ir escovar os dentes, percebe que em sua cômoda tem um adorno diferente. Uma melancia com o rosto de Shane colado a ela e com uma fitinha amarela rodeando-a como um lindo presente. Obviamente o garoto entra em pânico e Chuck diz que é um presente e toca a gravação onde Andy diz que queria que ele sumisse e o deixa-se em paz. O problema da cena não é Andy tentando desovar a melancia com o rosto ao invés de avisar as autoridades que seu boneco enlouqueceu, o problema é que, segundo o pessoal responsável pelos efeitos especiais do filme, quando se arranca a pele do rosto de alguém, os olhos e dentes vem junto! Sim, aparentemente nossos olhos não são em formato de globo, eles são planos como a Terra, bem como nossos dentes que não se ligam as gengivas e, sim, a nossos lábios. “Ain, Hellbolha, mas ele poderia ter cortado só uma camada dos olhos e deixado o resto no cadáver” você poderia justificar. Acontece que é mostrado o cadáver e fica claro que os globos foram arrancados! Essa cena é medonha! Mas rende um momento agoniante e engraçado quando Andy, junto de Pugg e Falyn tentam se livrar da melancia macabra.

 

FIM DOS SPOILERS!

 

As outras mortes que acontecem no decorrer do filme também são pouco inspiradas e te fazem questionar o quanto as vitimas podem ser burras. Uma delas está no trailer e se trata de um sujeito rotundo, pendurado em um cano sobre uma serra de carpinteiro. Ele poderia se balançar minimamente e pular, caindo em segurança, mas prefere ficar se debatendo em agonia como se isso fosse humanamente impossível! Sério! Até minha vó escapava dessa!

A interpretação de Mark Hamill como Chuck é bacana e convincente…até o filme chegar aos minutos finais e ele começar a fazer a voz do Coringa, personagem que ele dublou por ANOS! Obviamente isso não é grande problema, mas você só consegue imaginar que o Coringa da série de jogos do Batman vai pular na tela a qualquer segundo quando o Chuck está escondido e ouvimos apenas sua voz.

Outra coisa pra tentar “atualizar” o filme é juntar um grupo de crianças pra “caçarem o monstro” no fim do filme. É impossível não lembrar da turminha de Stranger Things, sobretudo quando o ator Marlon Kazadi está em cena, pois o moleque lembre DEMAIS Caleb McLaughlin da série da Netflix.

A cena do clímax do filme até tem uma situação que poderia ser extremamente tensa, mas acaba ficando apressada demais e pra fechar com chave de cocô tem a clássica cena do assassino que todo mundo pensou estar morto mas volta pra dar um “último bote” mas é atingido por um tiro misterioso disparado por outro personagem que você também pensava estar morto. Sim, isso é um spoiler, mas é tão previsível dentro do próprio filme que nem conta.

Enfim, Brinquedo Assassino é um remake que tenta atualizar a ideia mas acaba amputando justamente o seu maior diferencial e charme que é o fator sobrenatural. No entanto, apesar da sequencia de clichês e de decisões burras ao extremo, como não lembrar que tudo que o boneco faz é gravado pelas câmeras em seus olhos e levar essa gravação diretamente pra policia, e das mortes pouco inspiradas e até toscas, o filme ainda consegue divertir um pouco e talvez agrade a nova geração que nunca viu o original.  Um filme fraco e esquecível mas não de todo horrível

 

Nota:6,0

PS: O filme estreou dia 21 de junho nos EUA mas no Brasil só chega aos cinemas dia 22 de agosto!