Review Jurado: Wytches

Esqueça tudo que você sabe sobre bruxas.

Esse é o aviso que aparece  em todo os reviews e até em certa parte da própria HQ é dito algo assim. Wytches de Scott Snyder em parceria com o desenhista Jock, trás uma abordagem completamente nova para o mito das bruxas. Ou pelo menos tenta. Mas, antes de me aprofundar mais nessa e em outras questões, uma rápida sinopse:

Após um incidente envolvendo sua filha, Sailor, e um acidente que deixou sua mulher, Luce, paraplégica, Charlie Rooks, um escritor de uma famosa série de livros infanto-juvenis, resolve se mudar da cidade grande para a pequena Litchfield no condado de New Hampshire afim de encontrar paz e tranquilidade. No entanto, estranhos acontecimentos começam a afetar a jovem Sailor. Acontecimentos que parecem ter ligação com o tal incidente que a família Rooks tentou deixar para trás. O problema é que ninguém parece dar ouvidos a Sailor e acham que tudo que a garota relata podem ser alucinações advindas de seu trauma. Só que Charlie começa a perceber que as coisas que sua filha diz estarem acontecendo talvez sejam mais reais do que ele gostaria de admitir.

Lançado  pela editora Darkside pela sua linha Darkside Graphic Novel em 2017, Wytches compila as 6 edições originais lançadas pela editora Image nos EUA em um belíssimo encadernado com um acabamento que quem já conhece o trabalho da editora sabe que não é menos que fenomenal. O problema é que nem todo o cuidado gráfico da Darkside consegue tirar a atenção dos VÁRIOS problemas que a trama de Scott Snyder tem. Segundo o próprio Snyder, Wytches é uma HQ completamente pessoal, com uma visão das bruxas que ele montou em sua mente quando, junto a um amigo de infância, saia pra caçar as feiticeiras em uma floresta próxima a casa de campo de seus pais. Foi um dia, quando o amigo viu algo atrás de uma árvore que parecia uma criatura gigante e esquelética, quase como se fizesse parte da própria árvore, que a visão das bruxas mostradas em Wytches nasceu. Elas não seriam mulheres velhas e feias que adoravam o demônio, como sempre foi pregado, agora elas seriam entidades antigas e com conhecimentos arcanos que o homem jamais imaginou existir e as bruxas que conhecemos não adorariam o demônio e, sim, as adorariam. A proposta é ótima, interessante e tem potencial para uma baita história de terror de gelar o sangue. Uma pena que Snyder troque todo esse potencial pelo roteiro de um filmeco de terror B de monstros!

A primeira coisa que a HQ tenta te vender é a simpatia pela família Rooks, e ela até consegue com certo sucesso. O problema é quando Snyder começa a jogar gatilhos para o plot sobrenatural…mas acaba esquecendo TRÊS DELES no meio do caminho! Eu não quero dar spoilers mas posso falar de dois deles com mais tranquilidade pois não vão entregar nada da trama já que acabam não fazendo diferença NENHUMA nela. O primeiro é quando um cervo invade o estúdio de Charlie e Luce o alertar para a presença do bicho. Ambos se perguntam como ele foi parar ali e, de repente, o bicho solta um grito de agonia e vomita o que parece ser um enorme pedaço de carne ou sua língua, a cena não deixa muito claro. E…pronto! Esse acontecimento não é mais citado na história. O outro tem ligação com o que eu não posso falar pra não dar spoiler, mas resulta em um misterioso ferimento no pescoço de Sailor. A capa da terceira edição dá a entender que aquele ferimento vai fazer brotar um olho ali e que talvez isso desencadeie uma série de acontecimentos bizarros mas…se resume a uma cena curta numa piscina e nunca mais o ferimento é citado novamente! Sobre o acontecimento que eu não posso falar pra não dar spoilers, só posso dizer que envolve o desaparecimento de uma personagem, sua reaparição um tanto quanto “mudada”, mas a história chega ao seu fim e tal fato não é explicado e acaba por não fazer NENHUM SENTIDO dentro da trama.

Outra coisa de suas experiências pessoais que Snyder tenta inserir na trama é o nervosismo de Sailor. Segundo Snyder, ele era uma criança nervosa e isso lhe trouxe muitos problemas e ele quis mostrar como o nervosismo afeta uma criança na forma da personagem Sailor. O problema é que quando a palavra “nervosismo” é usada na tradução, você acaba pensando que a menina é esquentadinha e encrenqueira quando, na verdade, o que Snyder quis dizer é que ele e Sailor sofriam de ansiedade, algo mais facilmente reconhecível. Esse ponto pode ser um problema atribuído a tradução, não tenho certeza. Mas, nervosismo ou ansiedade, o fato é que as vezes Snyder parece não saber passar isso pro papel e você não sente ansiedade em Sailor. Quer dizer, depois dos acontecimentos traumáticos de seu passado talvez sim, mas é dito que ela sempre foi assim e em cenas de flashback, antes de tudo acontecer, a garota não parece demonstrar nenhum sintoma, o que deixa uma cena onde Charlie explica a Sailor que também era assim quando criança totalmente carente de força e significado.

 

Agora, quanto ao fator terror. Quando vi a capa de Wytches, eu esperava uma história sinistra, sombria, cheia de terror psicológico ao melhor estilo A Bruxa de Blair ou mesmo A Bruxa, dois filmes que fazem um ótimo uso do terror sugerido afim de incomodar de um jeito que não seria possível se jogassem o demônio dançando Macarena em tela a cada 5 minutos (coisa que meio que foi feito no PÉSSIMO Bruxa de Blair de 2016, sequencia do original). Só que o que você recebe é uma história de monstros stalkers assassinos ao melhor estilo Abismo do Medo, e isso castra todo o potencial que a mitologia que o Snyder pensou para a bruxas se torne algo dolorosamente desperdiçado. É como se na fase de planejamento da história ele fosse o George Lucas da trilogia original mas na hora de passar para o papel quem assumisse fosse o George Lucas da nova trilogia. O próprio Snyder admite que não esperava que a HQ vendesse tanto e se torna-se o sucesso que acabou se tornando e eu só posso dizer que concordo com ele.

Essa imagem passa a ideia de um terror tão melhor…

Mas a HQ é uma tragédia grega total? Não! Ela tem bons momentos, mas é só isso! Nenhum momento é “ótimo” , “espetacular” ou “memorável”. Muito desses bons momentos são ajudados pela arte suja do Jock, que cai como uma luva pra histórias mais sombrias, e a colorização propositalmente “bagunçada” de Matt Hollingsworth. Visualmente não há do que se reclamar, os fãs de Vertigo e dessa nova leva de terror da Image vão se sentir em casa.

De extras temos mostras de algumas páginas arte finalizadas e o detalhamento do processo de aplicação das cores além de alguns relatos de Scott Snyder sobre as suas inspirações para a criação de Wythces que remontam a sua infância na maioria da vezes. Esses relatos se tornam cansativos muitas vezes, sobretudo quando Snyder fala sobre suas idas a um acampamento de esportes, mas tem partes interessantes quando ele começa a relatar suas primeiras experiências com paternidade e tem seu ápice quando ele conta que, pasmem…ele trabalhou na Disney vestido como alguns dos personagens! E a melhor parte é quando ele conta como o Mickey dançou sensualmente para ele uma vez.

Enfim, Wytches era uma HQ que eu só conhecia de capa, tive a sorte de achar baratinho (paguei R$15,00 numa banca de feira daqui da cidade) e fui ler esperando muito pelo clima que a capa evoca e pela seletividade que a Darkside tem em seus títulos. Acabei me frustrando um pouco, mas me frustaria bem mais se tivesse pago o preço de capa de R$59,90. Uma história com potencial desperdiçado e que te deixa com vontade de saber mais sobre as bruxas em sim, transformadas em coadjuvantes em sua própria HQ, e a promessa de que a sequencia (sim, esses 6 edições são creditadas como “volume 1”) vai se focar em Sailor e numa sociedade oculta que combate as bruxas deixa bem claro que Snyder não planeja se aprofundar muito nelas, deixando tudo mais com uma cara de The Walking Dead, onde os humanos comandam o show. Agora, quando será lançado? Só Deus e Snyder sabem, pois ele promete essa sequencia desde de 2015. Bem, este volume 1 não me deixou com pressa mesmo…

 

NOTA: 7,0

PS: Como vocês devem ter notado, a grafia de “Wytches” é diferente da palavra em inglês original, “Witches”. Tentando fazer algo similar em português, a Darkside transformou “Bruxas” em “Brvchas” e toda hora eu parava de ler achando que era erro de português até lembrar da intenção. Ah, e sim, a HQ tem pequenos erros de tradução e palavras faltando, mas nada no nível Panini. ABRAÇO, PANINI!

PS2: Pesquisando pra saber quando o volume 2 seria lançado, acabei descobrindo que existem algumas historietas de umas 8 páginas que serviam como prequel pra história, aparentemente sem ligação direta com a trama central, mais no sentido de promover a HQ antes do lançamento, mas a Darkside deixou de fora da edição. Bem que poderiam ter entrado na parte de extras que é meio “magrinha”…