Review Raro- Demolidor: Pai
Uma mini-série em 3 partes cujo a terceira edição é quase uma lenda urbana.
O ano era 2000 e a editora Abril publicava o mix Marvel 2000, um mix tradicional da editora que saia todos os anos sempre com o nome Marvel seguido do ano de sua publicação. E foi na Marvel 2000 que conheci o Demolidor da dupla Kevin Smith e Joe Quesada na mini-série Diabo da Guarda.
Os roteiro de Smith era cinematográfico, com diálogos marcantes e trazia questionamentos sobre fé e manipulação através da fé. Claro que isso se devia ao fato de Kevin Smith ter uma carreira no cinema e já ter se provado ótimo com diálogos. A arte de quesada acompanhava essa pegada, com enquadramentos dinâmicos, inventivos e que muitas vezes lembava mais um storyboard belissimamente trabalhado, sem falar que seu estilo era diferente de tudo que estava sendo feito na época (1998, ano em que a HQ foi publicada originalmente nos EUA) e não tínhamos personagens que eram pilhas de músculos pulando pra lá e pra cá em grandes painéis estáticos, coisa que a Image tornou popular nos anos 90. Seu Demolidor era meio franzino em comparação com esse estilo, era mais humano e crível, assim como era o Demolidor de A Queda de Murdock, história da qual Diabo da Guarda se valia pra dar uma baita reviravolta na trama de forma genial.
Mas esse não é um review de Diabo da Guarda! Então, o que essa mini-série tem a ver com isso? Bem, o fato é que eu me apaixonei pela arte do Joe Quesada mas não havia material do editor da Marvel na época em banca, possivelmente pelo tempo que o trabalho de editor demandava. Ainda assim, certo dia descubro que o sujeito conseguiu arrumar um tempinho na agenda pra desenhar e escrever uma mini-série do Demolidor chamada Pai. Só que essa história foi publicada nos EUA em 2004 e no Brasil em 2006 já pela Panini. Obviamente, eu nem estava mais preocupado em achar material com desenhos do Quesada a essa altura e essa mini série passou desapercebida por mim. Só fui ver ela nas prateleiras quando já havia conseguido o status de encalhe numa banca aqui de Caruaru City. As edições 1 e 2 estavam maltratadas, com dobras nas bordas da capa e um aspecto de velhas. Obviamente não senti a menor vontade de pagar preço de capa nelas (R$6,50 na época), até que um dia o dono da banca disse que por elas estarem velhas, venderia as duas pelo preço de uma (sem falar que eu era o ÚNICO que demonstrava interesse por aquela velharia). Peguei-as!
A mini série concluía em 3 edições mas nas bancas só tinham as duas primeiras. Aqui vale ressaltar que eu não tinha familiaridade NENHUMA com computadores desde que havia concluído um curso de informática em 1998 onde o curso começou ensinado MS-DOS e terminou com Windows 95, e muito menos com a internet, ferramenta que só fui ter contanto direto por volta de 2010 (antes disso eu só ia a cybers pra acessar o orkut e ver o vídeo do fan-trailer animado de CDZ feito pelo francês Jerôme Alquié da inédita Saga de Hades, o que levava uns 30 minutos pra rodar um vídeo de 4 já que a internet da época era um lixo aqui em Caruaru City). Obviamente, por isso, eu não procurei a edição 3 via internet e a história ficou inacabada pra mim desde então.
Anos depois, já perfeitamente integrado com a internet, me recordo dessa HQ e resolvo ver se encontro a edição 3 em algum sebo online. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que a edição número 3 parecia ter se tornado uma raridade! Todo mundo aparecia vendendo as duas primeiras edições baratinho, mas se a edição 3 aparecesse pra venda, era sempre por um preço exorbitante. Passei mais um tempo sem conhecer o final dessa história e, consequentemente, eu a esqueci. Até que, há umas duas semanas atrás, um canal espanhol falou de uma história do Demolidor que tinha um segredo pouco conhecido ligado a suas origens e era justamente a mini série “Pai”. Agora, munido de conhecimento internético, desencavei as minhas duas edições físicas e…AHEM…”importei” a última online e finalmente a li. E eis minhas impressões sobre ela, mas só depois de uma breve sinopse:
Um misterioso serial killer, chamado Johnny Órbitas pelo seu estranho fetiche em arrancar os olhos de suas vitimas, anda aterrorizando a cidade de Nova Iorque. Matt Murdock, que havia revelado a imprensa que era o Demolidor recentemente mas voltou atrás em seguida, desmentindo toda a história, volta aos trabalhos como advogado e tem uma nova cliente, a jovem e bela Maggie Farrel. Maggie diz ter câncer e quer processar a companhia elétrica de Nova Jersey que, segundo ela, é a responsável pela sua doença. Só que Maggie tem um marido extremamente ciumento chamado Sean, e Matt Murdock percebe que há algo errado na relação entre os dois. Em paralelo a isso, um novo grupo de vigilantes aparece na cidade e se auto intitulam os Santeros. O tal super-grupo bate de frente com o Demolidor e diz que ele pode até ter limpado a cozinha do inferno, mas o lixo acabou indo parar no resto de Nova Iorque e que o demônio tem responsabilidade nisso. Agora Matt terá que lidar com os problemas judiciais e conjugais de Maggie, com o misterioso serial killer Johnny Órbitas e com os Santeros de uma só vez.
Quesada não é um roteirista ruim, mas também não é um roteirista formidável. Sua história, que se foca no clássico “quem é o assassino” é simplória e se utiliza do velho macete de jogar mais de um suspeito na trama com vária pistas falsas. Não quero dar spoilers mas temos 3 suspeitos e 2 são logo descartados por Quesada tentar demais cobri-los com uma camada de “eu sou o culpado” e essa obviedade acaba automaticamente dissipado a suspeitas sobre eles. E quando a identidade do serial killer é revelada, tampouco surpreende pois está embrulhado do velho clichê “era eu o tempo todo”. O que surpreende, de fato, é o gatilho por trás dos motivos do assassino. Falarei mais adiante com spoilers, mas devo dizer que o uso tardio dessa revelação, que fica nas 5 últimas páginas da mini série, desperdiçou o desenvolvimento pra uma trama mais complexa e emocional que poderia render algo realmente memorável para a mitologia do Demolidor.
Existe também um personagem introduzido na trama que é novo e que se você não ler e só “olhar as figurinhas”, acaba achando que é o Tony Stark, já que o visual é IDÊNTICO! Trata-se do empresário do ramo do entretenimento Nestor Rodrigez, mais conhecido como NeRo. Toda a mini-série tenta vendê-lo como um tipo de Bruce Wayne de R$1,99, sendo um sujeito amado por todos pelos seus programas sociais e seu comportamento alegre mas que em seus momentos de privacidade é soturno e sombrio e esconde um segredo. Quesada tenta jogar muita importância no personagem nas primeiras edições mas, conforme a mini série avança, essa importância vai se perdendo e o personagem vai ficando mais e mais apagado.
O mesmo pode ser dito dos Santeros, que parecem ter sido introduzidos na trama unicamente pra termos cenas de ação com o Demolidor. O plot “você limpou seu bairro mas usou os outros bairros como tapete pra esconder seu lixo” é interessante, mas Quesada pouco se foca nisso e os Santeros acabam perdendo importância na trama quando Quesada resolve se focar no mistério do assassino pra fechar a história, deixando a dos Santeros com um baita rombo em aberto, que não sei se foi aproveitado nas mensais do personagem posteriormente. O interessante dos Santeros está no fato de se basearem nas religiões de matriz africana e cada um de seus integrantes ter o nome de um Orixá, coisa até então inédita pra mim em uma HQ de super-heróis.
Mas se tem uma coisa em que Quesada capricha, essa coisa é a arte! Se o estilo do sujeito deu todo um diferencial em Diabo da Guarda, aqui ele estiliza ainda mais e chega até a extrapolar a anatomia do Demolidor, deixando com um tronco gigantesco em relação a braços e pernas, o que poderia resultar em uma tragédia anatômica nas mãos de outros artistas. Mas quesada sabe o que faz e o troço fica estiloso e bonito, seu traço está menos carregado que em Diabo da Guarda e sua narrativa continua cinematográfica e com ótimos momentos. A arte só soma pontos positivos com a colorização impecável de Richard Isanove, o sujeito que não dá uma fora (e a única coisa sem “poréns” naquela MERDA que é Wolverine: Origens. Deus que me livre, que HQ HORRÍVEL…).
Agora que já falei dos aspectos técnicos, vamos falar do significado da palavra “Pai” como título da mini série. Mas, pra isso, vou precisar largar spoilers, então estejam avisados!
ATENÇÃO: SPOILERS A FRENTE!
A HQ tenta se focar nos diferentes tipos de relacionamentos entre pai e filho, mostrando flashbacks de Matt com seu pai e de NeRo com o seu. O problema é que com a salada de coisas acontecendo, como o lance do serial killer, a aparição dos Santeros e o mistério do relacionamento entre Maggie e Sean, que leva Matt a crer que a garota está sendo vitima de violência doméstica, essas relações entre pais e filhos acabam se dissolvendo e perdendo toda a força. O que é irônico, pois quando o vilão da trama é revelado, suas motivações se dão justamente por conta das ações de seu pai.
Acontece que o tal serial killer, Johnny Órbitas, é ninguém mais ninguém menos que Maggie Farrel! Ela tentava incriminar Matt pelos assassinatos por que ele acabou salvando seu pai no passado. “Ué…mas por que alguém ficaria com raiva da pessoa que salvou seu pai?” vocês devem estar se perguntando. Simples! O pai de Maggie abusava dela quando criança, o sujeito era diabético e um alcoólatra inveterado. De tanto beber, acabou ficando cego. E lembram do cego que Matt salvou do acidente que o deixou cego? Pois é! Era o pai de Maggie! Se ele tivesse morrido, o pesadelo de Maggie teria acabado. Mas como Matt o salvou, Maggie passou a vida o culpando pelos seus infortúnios. Ela, de fato, tem câncer e até isso ela joga na conta de Matt. Ah, e seu marido não era abusivo, ele era um sujeito ciumento pois achava que o fato de Maggie estar obcecada por Matt se devia ao fato de ela estar apaixonada por ele, mas nunca ousaria levantar a mão contra sua mulher. Em contraponto, Maggie amava seu marido de verdade e estava desconfiado de que ele, sim, estaria tendo um caso com uma outra mulher. Só que o sujeito saia a noite pra faze um curso de informática afim de dar uma vida melhor a mulher, já que os computadores eram o futuro. No final, Maggie o mata por ciumes.
Como eu disse, a revelação da identidade do pai de Maggie poderia render um ou dois capítulos com Matt Murdock lidando com o peso de tal revelação, mas Joe Quesada só joga nas páginas finais e o melhor plot da HQ acaba sendo desperdiçado. Quanto a identidade do NeRo, que Quesada tenta vender a HQ inteira de que é o Johnny Órbitas, é revelado que ele é o chefe dos Santeros e que, aparentemente, usa um cavanhaque postiço, já que ele não usa máscara e o cavanhaque desaparece quando ele está “uniformizado”. Como eu disse, os Santeros não servem pra muita coisa a não ser pra ter porradinha na HQ com direito ao Demolidor vestido de “ninja-samurai-motoqueiro” em seu segundo confronto, assim como NeRo serve só pra tentar desviar a atenção do leitor convencendo-o de que ele é o assassino.
FIM DOS SPOILERS!
Enfim, demorei anos pra terminar Demolidor: Pai e resultou que, fora a revelação final, acabou sendo meio decepcionante. Não é a história mais horrível do personagem, longe disso! Ela só é simplória e poderia ser bem mais, mas, ainda assim, diverte. Muito me surpreende o número 3 da mini série da Panini ser tão raro mas me surpreende mais ainda não terem lançado um encadernado com essa história, sobretudo durante o auge da falecida série da Netflix ou mesmo no meio das falecidas coleções Salvat.
Nota: 7,5
PS: Muita gente chiou pelo fato da máscara do Demolidor na série da Netflix ter o nariz coberto. Eu nunca entendi a encrenca com esse detalhe, mas curiosamente nessa mini série o quesada desenhou a máscara com o nariz coberto.