Gotham e os motivos pelos quais continuo fumando cigarros – por Marcel Trindade.
Nosso amiche Marcel Trindade enviou esta análise sobre a série Gotham!
Há 5 anos eu venho fazendo algo do qual não tenho muito orgulho. Eu comecei assistindo Gotham pra ver onde essa história iria. Eu deveria ter me arrependido no segundo episódio, assim que dei de cara com o “The OC” como James Gordon, mas fazer o que? Eu já tinha perdido 4 anos nas últimas temporadas de Dexter. Eu posso ser trouxa, mas não sou hipócrita.
O que me leva a ontem. Foi o dia em que assisti o penúltimo episódio da série. Uma série que promete um final apoteótico. Na verdade, uma série que fez muito disso: promessas. E se eu tivesse comprado todas essas promessas como produtos da Polishop, meu amigo… eu teria uma casa cheia de caixas vazias nesse momento.
Me permitam começar contando o que Gotham deveria ser inicialmente e o que nunca foi. Em meados de 2008, após o estrondoso sucesso de Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), o homem-morcego voltou a ser um commodity valioso para Hollywood. Alie-se a isso o fato de que estávamos desbravando uma nova era de ouro da televisão, que começou com séries como Lost e House, e você consegue visualizar produtores lambendo os beiços para colocar as mãos nesse pedaço de mau caminho vestido em látex preto com mamilos protuberantes. Greg Berlanti já corria pelos corredores da CW com uma série do Batman protagonizada pelo Arqueiro Verde e os fãs órfãos de Smallville ansiavam por mais uma série de high school disfarçada de super-herói. Corre a história, se bem me lembro, de que a Warner estaria desenvolvendo uma visão específica para uma série sobre o Cavaleiro da Trevas.
Gotham seria, em princípio, sobre as pessoas normais de Gotham. A cidade seria o pano onde os personagens seriam servidos, com uma protagonista feminina, filho do parceiro ou parceira de Reneé Montoya, que teria a irmã assassinada e investigaria essa morte durante o arco da primeira temporada. Rumores de que o Charada, Arlequina e Máscara Negra estariam entre os personagens do cânone em tela, assim como uma leva de personagens originais, habitantes da cidade. As consequências das atividades de Batman e sua galeria de vilões nas vidas dessas pessoas normais seria o motif du voyage da série.
Uma série dessas na HBO com um orçamento decente e arcos de personagens bem construídos seria fantástica. Mas acabamos com Gotham de Bruno Heller (showrunner de The Mentalist), que resolve focar a série em um jovem Jim Gordon, investigando o assassinato dos Wayne em um formato que nunca se decidiu ser dark e sérião, como o Batman do Nolan, ou campy e colorido, como a série clássica da década de 60.
Aqui a coisa fica delicada. Nós temos toda a coleção de bonecos, mas não temos alguém que saiba brincar. Temos Gordon, Bruce, Alfred, Selina, Bullock e Montoya, temos Pinguim, Charada, Falcone e Fish Mooney, e podemos ter toda a galeria de vilões de Batman. Toda mesmo. Todinha. Sem exceção. Mas escolhemos contar uma história que se baseia em duas coisas: apresentar personagens sem nenhum impacto e abandonar arcos inteiros pra conseguir enfiar mais personagens sem nenhum impacto no meio.
Gotham é uma bagunça. A cada episódio fica mais difícil saber quanto tempo se passa entre cada cena, a geografia dos cenários nunca fica clara (você sabe qual o tamanho da delegacia? Do apartamento de Bárbara e onde ele fica na cidade? Da porra da mansão Wayne, que aparentemente só tem dois cômodos?!) e os diálogos… ah os diálogos. Em 5 anos de série você não consegue selecionar um diálogo sequer que não seja expositivo ou que não leve a lugar algum. É sério. São temporadas longuíssimas com as pessoas dizendo exatamente o que está em seus coraçõezinhos ou exatamente o que está acontecendo.
A fotografia da série talvez mereça um certo mérito. Exceto… pela maldita câmera holandesa que tenta intensificar momentos que não têm intensidade alguma, pra começar. Algum dos diretores decidiu que fazer a sua cabeça virar como se você fosse um filhote de pastor alemão durante horas de conversas sem profundidade entre Pinguim e seja lá quem for, tornaria a série melhor.
Quanto aos personagens: não vou estender mais do que o necessário, mas posso dizer que eles perderam todas as chances de tornar qualquer personagem interessante em todas as vezes que tentaram. Mesmo quando os personagens são apresentados com dilemas importantes, que em princípio alterariam a natureza, tudo pode ser apagado num passe de mágica poucos episódios depois. Ou vocês lembram que Gordon foi perseguido pela polícia e teve sua vida virada num inferno ao se aliar à máfia, para depois simplesmente voltar a ser o herói de Gotham, com a moral intocada e um passado sem manchas?
Na reta final, eles me fazem a pachorra de recriar o pior dos filmes da trilogia de Nolan com um Bane paraguaio e colocando as frases batidas em Nyssa Al’Ghul (“somente então você tem minha permissão para morrer”). Aliás, deve haver um motivo pra Thalia ter se tornado Nyssa, mas a essa altura do campeonato, pouco importa.
Amanhã estreia o episódio final, e se vocês me perguntarem: sim, eu vou assistir. Mas duvido que dê pra arrumar essa maloca em 50 minutos. A gente merece uma boa série do Batman, e vou dizer, não é Titãs (outro festival de fan service sem história nenhuma pra amarrar). Até lá, espero que o morcegão ponha as asas de molho e que alguém do calibre de Bryan Fuller decida as coisas na próxima empreitada. Quanto à série do Alfred… talvez vocês me vejam reclamando dela aqui, daqui uns 3 anos