Review “dozoião”- Alita: Anjo de Combate

Eu já vinha cantando essa pedra…

Antes de mais nada, uma sinopse básica: Em um futuro distante haviam várias cidades flutuantes sobre a Terra, porém uma guerra contra Marte derrubou quase todas sobrando apenas Zalem ainda pairando nos céus. 300 anos depois do fim da guerra, o Dr. Dyson Ido, um médico que cuida de ciborgues (humanos com partes mecânicas, as vezes quase 100%), recolhe peças no lixão da Cidade do Ferro, cidade essa que fica exatamente embaixo de Zalem, e encontra a cabeça de uma ciborgue com um cérebro intacto. Ele a leva para casa, lhe dá um corpo e a chama de Alita. No entanto, assim como Ido, a própria Alita não lembra de seu passado e ambos vão descobrir que Alita é muito mais do que aparenta ser.

Se você não conhece nada do mangá, pode ler a critica do volume 1, o qual serviu de base para o filme AQUI, e caso não tenha visto o OVA em duas partes lançando nos anos 90, pode ler a minha critica AQUI. Bem, uma coisa que eu já tinha dito na critica do OVA é que o trailer apontava para o fato de que o filme seria uma adaptação dele e não do mangá. Dito e feito! O mesmo aconteceu com Ghost in the Shell, cuja a adaptação estrelada por Scarlett Johasson ignora completamente o mangá cheio de humor ( E CHATO PRA PORRA ) e se foca em adaptar o filosófico longa animado de 1995 dirigido por Mamoru Oshii mas transformado-o em um sci-fi de ação genérico que parece saído dos anos 80. Só que Alita: Anjo de Combate consegue adaptar o OVA, jogar uma pitada do mangá e ainda inserir coisas novas e clichês tipicamente americanos de modo que não deforme a trama a ponto de não parecer nem sombra de sua fonte, como aconteceu com Dragon Ball Evolution e Death Note.

VAMOS FALAR DE DIFERENÇAS

Pra começar temos o fato de terem inserido o velho clichê do “Eu tinha uma filha da sua idade e você me lembra ela” para justificar a afeição de Ido por Alita, coisa que no mangá/OVA não existe e o inicio da trama dá a entender que o lance dos dois vai tender pro romance, impressão que só é quebrada a partir do segundo arco do mangá que se tornou o arco principal do OVA (e, consequentemente, do filme) que é quando o Hugo  (Yugo, no mangá/OVA) aparece. Além disso, a tal filha criada para o Ido no filme é também filha de Shiren, personagem vivido por Jennifer Connelly que só existe no OVA. Esse fato também serve pra humanizar mais a personagem e tornar suas ações mais aceitáveis, pois no OVA se ela  faz algo de bom é unicamente por amor a Ido.

Outra diferença está na mitologia da história de Zalem. No original, ela é a única cidade flutuante nos céus, praticamente uma linha de divisão de classes, o que a faz ser tão cobiçada pelas pessoas que vivem na Terra, pois simboliza uma vida melhor. No filme também funciona assim, mas é revelado que haviam muitas dessas cidades antes. Isso modifica um pouco a mitologia geral mas não ofende (a não ser que você seja um fã hardcore e chatão).

Mas a  diferença que me deixou meio preocupado foi com a inserção do Motorball, esporte que é claramente inspirado pelo filme Rollerball: Os Gladiadores do Futuro de 1975 estrelado por James Caan e que só aparece no terceiro arco do mangá (meu favorito). No entanto, James Cameron  e Laeta Kalogridis, que cuidaram do roteiro, conseguiram inserir o esporte mortal de maneira orgânica no meio da trama e ainda deixar um gancho pra adaptar esse mesmo terceiro arco numa sequencia já que não queimaram plot nessa parte do filme. Claro que ter a supervisão do próprio Yukito Kishiro, criador do mangá, ajudou demais! Aliás, essa cena do Motorball despertou o modo “fanboy das referências” dentro de mim pois todos os corredores principais dessa fase aparecem rapidamente no filme e eu ficava “OLHA AQUELE CARA ALI! EITA, COLOCARAM ESSE OUTRO TAMBÉM! PUTA MERDA, TEM ATÉ ESSE E TÁ IGUALZINHO AO MANGÁ!”. E, venhamos e convenhamos, fidelidade visual é algo do qual o fão não pode abrir o bico pra reclamar desse filme!

O FILME ENQUANTO ADAPTAÇÃO

Como já foi dito, o filme adapta mais o OVA do que o mangá em si. E, sim, é uma ótima adaptação ao ponto de guardar poucas surpresas pra quem já viu o OVA mas também a ponto de deixar boquiaberto pela sua fidelidade visual AGRESSIVA, não só nos visuais de alguns personagens mas na composição de algumas cenas que são quase reproduções quadro a quadro do que foi visto no OVA. E o diretor Robert Rodriguez já provou que é bom nisso em Sin City. Porém, sempre existem os fãs hardcore que podem chiar horrores com as diferenças que citei anteriormente e pela fato de o filme se focar em adaptar mais o OVA que o mangá original. Mas é como eu já disse em posts anteriores: o mangá NÃO É UMA OBRA IRRETOCÁVEL! Ele é bem meia boca e apenas os 3 primeiros arcos são bons, sendo que do quarto pra frente ele despiroca completamente e próximo ao final vai ficando quase insuportável de ler de tão tedioso e por passar a impressão de que o Yukito Kishiro já não sabia bem o que contar, transformado a trama numa cruza de Mad Max e Hokuto no Ken. Eu acho um exagero sem tamanho a devoção de muita gente a esse mangá e devo dizer que como um cara que gosta medianamente dele, estou muito satisfeito com o que vi!

 

O FILME ENQUANTO FILME

Sim, o filme é uma adaptação de um mangá e de um OVA baseado nesse mangá. No entanto, nenhuma adaptação é produzida focada apenas no fã hardcore, afinal o que o filme busca é público pra poder gerar lucro, e o público vem de todos os lugares. Assim sendo o público que não conhece nada da obra vai se deparar com um show de efeitos visuais, uma protagonista que esbanja carisma como uma “pinóquio moderna” que é capaz de quebrar a cara de qualquer um, um relacionamento pai e filha convincente, uma história de amor adolescente com dramas que fogem quase que totalmente da pieguice  por trazer a questão “você me amaria mesmo não sendo 100% humana” para a equação, e um baita filme de ação com cenas pra lá de bacanas.


Ah, outro ponto que eu já ia esquecendo de comentar é justamente quanto a interpretação da atriz Rosa Salazar como Alta. A atriz, que corria os sets vestindo um pijama preto e pontos no rosto para a captura de movimentos consegue entregar sensibilidade e inocência em sua Alita. E, acreditem, os olhos gigantes que incomodaram muita gente no primeiro trailer (eu incluso) acabaram por ser fator importantíssimo no quesito “transmitir sentimentos”. Quando a Alita ficava triste era como olhar para o Gato de Botas fazendo cara de coitado multiplicado por 3. Uma escolha arriscada mas que funcionou, pois se os olhos são as janelas da alma, os olhos da Alita são aquelas janelas de prédios empresariais que tem 3 metros e tomam uma parede inteira.

O filme se sustenta bem como obra isolada. No entanto, a um fator preocupante aqui no que diz respeito ao futuro do filme enquanto primeira parte de uma possível franquia que reside no fato de o longa já estar nos planos de James Cameron há 16 anos. E, caso fosse lançado na mesma época que Avatar, certamente seria tido como uma obra revolucionária em termos de efeitos visuais, tal qual o filme dos Smurfs de 3 metros do diretor. Porém, hoje em dia um filme com essa quantidade de efeitos visuais e com uma protagonista 100% digital não é mais novidade e qualquer filme de baixo orçamento pode conseguir o mesmo resultado (vide o Colossus no primeiro Deadpool que era de baixo orçamento). Assim sendo, o que poderia ter sido uma mega-produção e candidata a Oscar de efeitos visuais só por ter o nome James Cameron envolvido acaba por se tornar só mais um filme brigando pelo seu espaço entre tantas outras produções similares de hoje em dia. Agora é torcer pra dar dinheiro porque eu quero sequência!

 

PONTOS FRACOS DO FILME

Sim, o filme não é perfeito, claro. Mas tem alguns pontos que realmente deixaram um gostinho de “hmmm…não adaptaram bem isso aqui…” e muito disso está nos momentos finais do longa. Assim sendo, aviso que a partir de aqui vou largar alguns spoilers mas se você leu o mangá ou viu o OVA, nem esquente que não tem grandes novidades, pode ler sem medo.

ZONA DE SPOILERS

O final do filme é quase idêntico ao OVA, com Hugo sendo caçado por fazer parte de uma gangue de ladrões de peças de ciborgues, sendo quase morto por um caçador de recompensas e forçando Alita a cortar sua cabeça, ligar ao seu sistema de suporte de vida para implantá-la em um corpo cibernético para que ele siga vivendo. Quem torna Yugo/Hugo procurado no manga,no OVA e no filme é Zapan por vingança contra Alita, a diferença é que quem dá o golpe fatal em Yugo no mangá e no OVA é um caçador de recompensas com jeitão de samurai que havia matado o irmão de Yugo anos atrás porque esse construiu um balão para ir até Zalem e isso era expressamente proibido. Esse plot foi deixado de lado no filme bem como o personagem do caçador de recompensas. No filme, o responsável pelo golpe fatal em Hugo é o próprio Zapan, o que faz mais sentido dentro da trama. O problema é que a cena é extremamente violenta e dramática no mangá e no OVA, mas no filme ela não tem o mesmo impacto. Outra cena que não tem o mesmo impacto é a vingança de Alita contra Zapan, que no mangá arranca o rosto do sujeito com um golpe violento e o mesmo cai pra morte de cima de um prédio (e não morreu, voltando como vilão do quarto arco do mangá que é uma cruza de Akira com O Exterminador do Futuro e é bem fraco). No filme, é estabelecido que Zapan tem um cuidado especial com sua beleza (algo que não existe no mangá e OVA), estando sempre bem cromado e com uma atenção especial a seu rosto, único traço humano externo que ele possui. No filme, Alita arranca parte de seu rosto com um golpe de sua própria espada mas você não sente a violência, dor e a agonia da cena como no mangá. O personagem de Ed Skrein simplesmente fica segurando parte da pele sintética e fica gritando “MEU ROSTO!” meio chateado…e só!

E a falta de impacto continua na cena do confronto final contra Vector, o traficante de órgãos e vilão do filme interpretado por Mahershala Ali. No mangá o personagem é confrontado por Alita mas ela o deixa vivo. No OVA (que é a obra que serve de base para o filme, lembra?) quem enfrenta o vilão é Ido, que acaba por enfrentar um de seus capangas gigantes e Vector acaba empalado acidentalmente pelo próprio capanga. No filme, Alita confronta Vector e tem seu embate final com Grewshka (interpretado por Jackie Earle Haley, o Rorschach de Watchmen). O tal embate é chocho, breve e não empolga, bem como a morte de Vector que é rápida. No entanto, a cena mostra o quanto Mahersha Ali é foda, já que ele precisa interpretar o vilão Desti Nova usando seu corpo para conversar calmamente com Alita enquanto Vector vai agonizando e morrendo lentamente.

O ultimo ponto negativo em termos de adaptação está  na cena em que Hugo tenta subir para Zalem pelos canos da Factor que se ligavam a Cidade do Ferro (Cidade da Sucata no original) e é despedaçado pelos anéis de segurança. No mangá e no OVA Yugo faz isso após perder a razão ao perceber que havia se tornado uma máquina. O personagem fica claramente desequilibrado e isso dá um ar trágico ao seu final no mangá e OVA. No filme Hugo sobe pelos canos graças a uma ideia IDIOTA de Ido para que Hugo não seja preso. O personagem está calmo e sereno quando Alita o encontra e isso retira todo o impacto e peso que a cena original tinha. Após isso, o filme corta pra Alita voltando ao Motorball e não revela se ela ainda está com Ido ou não. O OVA termina com os dois juntos e não temos nem sombra de Motorball, no mangá ela se separa de Ido por quase um ano e se torna estrela do Motorball quase em segredo, com um destruído Ido (sanduiche-iche feelings…) buscando sua ‘filha” desesperadamente. Espero que, caso haja sequencia, o filme siga por aí.

 

FIM DA ZONA DE SPOILERS

 

Por fim, Alita: Anjo de Combate é um filme divertido! Assim como o Evandro falou no GEEKBURGER – SNACK #022 – ALITA: ANJO DE COMBATE, sim, o filme parece que não sabe decidir quem vai ser o vilão até metade dele, mas no final as pontas se fecham, tudo termina redondinho e o saldo é positivo!  Pior é o mangá cujo o autor parece não saber que história quer contar do inicio ao fim…

 

Nota: 8,0