Review Nostálgico- Superman: As Quatro Estações.
Sempre haverá um “Homem” por trás do “Super”.
Já tivemos algumas histórias de origens para o Superman, uma das mais lembradas é a reformulação pelas mãos do John Byrne em 1986 e a mais recente é Superman: Legado das Estrelas pelas mãos de Mark Waid em 2003 (não vou considerar Novos 52 MAS NEM FERRANDO!). Ambas exploravam os aspectos mais humanos de Clark Kent, seu relacionamento com seus pais e o difícil começo como super-herói. Ambas tem momentos memoráveis e ambas tem embates com supervilões e o estabelecimento da mitologia do herói em Metrópolis e , claro, no resto do mundo. No entanto, existe oura história de origem que faz o caminho inverso. Ela não pretende mostrar a ascensão do herói em batalhas gloriosas e grandes feitos que o colocam na qualidade de um deus vestindo azul e vermelho. Existe uma origem que conta como o homem não estava tão certo sobre o quanto era super, sobre suas duvidas, inseguranças e o medo de não encontrar seu lugar no mundo. Existe Superman: As Quatro Estações da dupla Jeph Loeb e Tim Sale.
Agora, se você é leitor recente de quadrinhos e só ouviu falar mal desse tal de Jeph Loeb, sobretudo nas resenhas escritas pelo Godoka sobre sua coleção da Eaglemoss, saiba que…bem…não está errado não! O sujeito realmente não faz uma boa história HÁ ANOS! No entanto, houve uma época em que o cara escrevia coisas lindas que eram praticamente cartas de amor a muitos personagens de grande sucesso, como é o caso de Homem-Aranha: Azul, e fazia tramas tão envolventes que inspiraram poderosas adaptações para o cinema, como Batman: O Longo Dia Das Bruxas, que foi referência constante para a trilogia do Morcegão dirigida por Christopher Nolan. Superman: As Quatro Estações entra na categoria “carta de amor” e ainda é uma aula de como é o Superman em essência, principalmente pra quem só conheceu a versão marrenta e sisuda do Zack Snyder em Man of Steel.
Esqueça supervilões, esqueça ameaças em nível global, esqueça megas sagas intricadas e chatas pra caramba. Superman: As Quatro Estações conta a história do jovem Clark Kent e de como seus dons recém descobertos parecem impeli-lo à algo muito maior que sua pacata vida em Smallville. No entanto, coisas grandes sempre vem acompanhadas de grandes incertezas, e Clark, mal tendo se tornado um adulto, não sabe o que o mundo lá fora lhe reserva. Uma pessoa comum sempre sentirá incerteza, insegurança, medo e todo tido de sentimento conflitante quando precisar assumir uma posição na vida, e isso já é complicado quando você acha que as pessoas não vão te entender ou aceitar mesmo sendo um sujeito normal. Imagine quando você é um alienígena capaz de dobrar aço com as mãos!
Dividida em quatro capítulos que, como o título sugere, são separadas pro estações do ano, a grande sacada da trama é não mostrar o ponto de vista do Clark Kent/Superman mas, sim, das pessoas que vivem mais próximas a ele, seja em “modo civil” seja em “modo herói”. Esse recurso acaba por humanizar ainda mais o personagem, e isso fica mais evidente nos dois capítulos que se focam em Clark vivendo em Smallville que são o primeiro e o último. O primeiro é narrado por Jonathan Kent e mostra todo o medo de Clark sendo multiplicado na figura de seu pai, que não apenas se preocupa com o futuro do filho como sente um aperto no peito ao saber que precisa deixá-lo partir e viver a própria vida. No entanto, o modo como isso é demonstrado é de um realismo assustador, pois Jonathan é um homem rústico do campo e, sendo um sertanejo, conheço bem esse comportamento. Demonstrar sentimentos é algo complicado para homens assim e, quando algo os deixa tristes, eles preferem fechar a cara e agir de modo rabugento. E é isso que Jonathan faz em uma cena onde ele tenta tirar uma pedra que fez seu trator emperrar e Clark, sem a menor dificuldade, a tira e pergunta “Onde coloco, pai?”. Jonathan simplesmente fecha a cara e sai. E você automaticamente sabe que ele não está zangado por seu filho ser mais forte que seu velho pai ou algo assim. Ele está zangado pois sabe que o filho está se tornando grande demais para viver em um lugar tão pequeno e terá que partir e ele não está preparado pra deixá-lo ir. Apesar de seus 2 metros de altura, ele ainda é seu menininho. Apesar de parar uma bala dom o peito, ele ainda sente a necessidade de protegê-lo. Apesar de ser um super-homem, ele ainda é seu pai.
O capítulo final, narrado por Lana Lang, contrasta demais com capitulo 2, narrado Lois Lane. Para Lana, Clark era o homem com quem pretendia se casar, ter filhos e uma família, era tudo o que ela queria. Clark sentia o mesmo, mas tinha medo demais de deixar transparecer, mais uma vez provando que as incertezas do “homem” são sempre maiores que a intrepidez do “super”. No entanto, a vida de Lana perde completamente seu rumo quando Clark vai embora. E é aí que nos é revelado um outro lado da belíssima cena de revelação do primeiro capítulo. Acontece que no capítulo 1, antes de partir para Metrópolis , Clark leva Lana a um lugar esmo e revela que pode voar, numa cena muito similar ao filme de Richard Donner. Para Clark, esse era um momento muito importante, pois estava compartilhando seu maior segredo para a mulher mais importante de sua vida (depois de sua mãe, claro). Um momento repleto de poesia e romance…até chegarmos ao capítulo 4 e vermos o ponto de vista de Lana. Ela achava que Clark iria, finalmente, abrir seu coração e pedi-la em casamento. No entanto, tal revelação foi como um chute certeiro em seu castelinho de areia. A partir daquele momento, ela sabia que Clark era grande demais para caber em sua vidinha e isso lhe trouxe tristeza e desilusão. Certamente um dos pontos de vista mais tristes da história.
Já o capitulo 2 nos apresenta a Lois Lane que bem conhecemos, uma mulher de atitude, uma repórter audaz (e inconsequente) e totalmente independente de figuras masculinas. Lois deixa bem claro que, sim, já teve ilusões com príncipes encantados em cavalos brancos, mas era apenas uma menininha. Após crescer e conhecer melhor os homens, esses conceitos se desfizeram como fumaça. Sobretudo quando conheceu a egocêntrica figura de Lex Luthor, um homem inescrupuloso que enxerga tudo como objetivo de conquista unica e exclusivamente, incluindo a própria Lois. No entanto, a chegada do Superman a cidade muda tudo em que acreditava e lhe traz de volta o conceito de príncipe encantando como algo palpável. E isso a deixa PUTA DA VIDA, pois o sujeito traz a tona esse lado vulnerável que ela tanto lutou pra deixar pra trás. Ah, e é claro que ela rejeita Clark o tempo todo, mas em dado momento da história, vemos que apesar de toda a grosseria contra o “Smallville”, nome pelo qual ela se dirige a Clark, ela nutre certo sentimento por ele, mesmo que não admita nem pra ela mesma.
Aí temos o capítulo 3 e o ponto de vista de Lex Luthor. Se fosse escrita hoje em dia, pode ter 100% de certeza de que Jeph Loeb enfiaria um supervilão super-poderoso pra trocar sopapos por 30 páginas seguidas com o Super, mas era outros e melhores tempos. E até temos uma pequena vilã graças as manipulações de Lex Luthor, o que rende um momento até meio breguinha ao fim, mas não vou falar muito dessa parte, falarei mais do ponto de vista de Lex sobre o Superman. Para ele, Superman é uma afronta! Não apenas por ser uma criatura alienígena, ou ser superior em força física. Ele é uma afronta pois se torna o centro das atenções em SUA cidade, a cidade onde ele deveria ser maior que a própria vida. O agravante? Seu próximo objeto de conquista, a senhorita Lane, parece só ter olhos pra esse “ultraje voador”. Claro que expor os podres de Luthor e suas ligações com facções criminosas também aumentam muitos pontos no “ódiometro” de Luthor, e a gota d’água é quando Superman o faz passar uma noite na cadeia. Após esse acontecimento degradante, Luthor decide que é hora de tirar o brilho do novo cavaleiro de armadura reluzente de Mterópolis, nem que tenha que sacrificar vidas inocentes aos montes pra isso.
E se o roteiro de Loeb é de uma sensibilidade como há muito não vemos em seus trabalhos, os desenhos de Tim Sale não ficam atrás! Aliás, é seguro dizer que em outras mãos, os desenhos talvez não tivessem o mesmo impacto! Com seu traço limpo e leve, Sale passa todo o peso dos sentimentos que o pouco texto de Loeb nos traz. Aliás. em muitos momentos, sua arte é o golpe final no coração já espancado (no bom sentido) pelo texto do Loeb. E o homem ADORA fazer páginas duplas e splash pages que, unidos a sua pintura igualmente delicada, dariam quadros MARAVILHOSOS!
Ah, ao fim do encadernado temos algumas historietas extras. Na primeira, Martha Kent conta como foi a ida de Clark e Lana ao baile da escola, uma historinha bonitinha que mostra como o espirito altruísta do Superman já estava em Clark desde sempre. A segunda é um verdadeiro soco no estomago. A história, contada por Jonathan Kent, fala sobre a amizade de Clark e um garoto chamado Sam em Smallville. De acordo com Jonathan, Sam era o único garoto que fazia Clark gargalhar. No entanto, certo dia Sam chega a escola de muletas e Clark se surpreende. Sam diz que se machucou jogando futebol, mas Clark sabe que não é verdade por dois motivos, o primeiro é que Sam não era de praticar esportes, o segundo é que, com sua visão de raio x, Clark descobre que Sam tem um tumor em sua perna. Apesar de tudo, Sam não perde o bom humor e continuar a tentar fazer Clark sorrir…até o dia em que avisam na escola que Sam faleceu devido a um câncer, doença que Clark viu tomar o corpo de Sam lentamente mas, não tendo nada a fazer a não ser estar ao lado do amigo, nunca questionou ou revelou saber. A história fica ainda mais triste quando nos damos conta que o Sam da história é ninguém menos que o filho de Jeph Loeb, que faleceu no mesmo 2005 em que essa história tributo foi escrita. Confesso que o nó na garganta foi atado forte aqui…
Por fim, temos uma historieta de duas páginas que conta o quase encontro de Clark e seu amigo Peter com um recém órfão Bruce Wayne. Uma versão dessa estoria onde eles, de fato, se encontravam e jogavam, foi publicada no Brasil, só não lembro exatamente onde.
A edição da Panini, dita de luxo, estranhamente não traz verniz localizado nem nada do tipo na capa. De diferente, temos 3 cartões grandes com desenhos aleatórios da história e nada mais que justifique o elevado preço de R$74,00 (a não ser a ganância da Panini). Essa é, sim, uma história do Superman que merece ser lida, não apenas pela beleza da arte, mas por apresentar um Superman que vem fazendo falta, sobretudo no cinema. Ele de uma viradinha nessa direção em Liga da Justiça e espero que se acerte a partir daí mas, sem sombra de dúvida, essa HQ daria um primeiro ato MUITO MELHOR a Man of Steel do que o que vimos na telona. Assim sendo, espere uma promoção bacana e, quando estiver num preço menos estuprativo, pegue-a sem medo. Superman: As Quatro Estações é mais que uma HQ sobre um super-ser e seus feitos heroicos. É uma HQ sobre crescer com incertezas, buscar seu lugar no mundo mas sempre lembrar que, quando tudo mais der errado, você sempre terá um lugar seguro nos corações de quem o ama.
Nota: 10