Paschendale
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Bélgica, 30 de junho de 1917
Querida Susan.
Estou enviando essa carta antes mesmo de receber a próxima que havia prometido. Estamos tendo problemas com as comunicações aqui e provavelmente suas cartas demorarão mais tempo para que cheguem em minhas mãos.
Amanhã começa a segunda investida contra o exército alemão. Tanto o tenente quanto o resto de nós estamos muito confiantes, afinal, já ganhamos uma vez.
Porém as coisas não andam muito bem como dos dias em que conquistamos nossa primeira vitória. A chuva não pára já faz algumas semanas, todo o local se transformou em um pântano gigantesco. Andar por entre as trincheiras já era insuportável, agora virou praticamente um inferno.
Além disso corre um boato entre as tropas de que os alemães estão usando um tipo de gás venenoso nas batalhas. Eu sinceramente não sei o quanto disso é verdade. Eu não sei se quero realmente saber.
Sinto sua falta e das crianças, não consigo acreditar nos seus relatos sobre o quanto o mais novo já cresceu. Espero que ele ainda se lembre do pai quando eu voltar pra casa.
Todos os dias antes de me deitar eu paro por um instante e penso “será que isso tudo é realmente necessário?”. Será que não existe outra maneira de se resolver os problemas nesse mundo que não envolva a pessoas sendo retiradas de suas casas e famílias e sendo obrigadas a pegar em armas?
Dizem que não é errado matar, afinal, estamos em guerra. E na guerra muitas vezes o fato de voce ficar vivo pra ver o dia seguinte é puxar o gatilho antes da outra pessoa. Essa pessoa também quer viver, quer ir pra casa, talvez tenha até uma família como eu. Pensei que iria me acostumar com o tempo, “depois do segundo você se acostuma”. Eu passei do segundo e até agora não me acostumei.
Mas no final eles estão certos, eu quero viver, quero voltar pra casa e é isso que vai acontecer. Não sei quando terei tempo de escrever novamente, mas lembre-se do que eu disse, eu vou voltar. Não vejo a hora de pisar em solo britânico novamente.
Com amor
Paul
A Batalha de Passchendaele ocorrida na I Guerra Mundial, conhecida também pelo nome de Terceira Batalha de Ypres; travou-se entre 31 de julho e 10 de novembro de 1917. Este confronto foi despoletado pela grande ofensiva britânica em direção às posições germânicas com o objetivo de romper através da costa belga. A fase inicial da operação foi extremamente bem sucedida: no dia 7 de junho, as tropas inglesas tomaram a estratégica vila de Messines, um ponto alto a partir do qual passaram a controlar milhas de território ocupado pelos exércitos alemães. A segunda fase da ofensiva (entre 31 de julho e 10 de novembro) foi, pelo contrário, desastrosa.
Chuvas prolongadas e fortíssimos bombardeios aliados transformaram o campo de batalha num imenso pantanal e os alemães, operando a partir de “bunkers”, causaram pesadas baixas nas tropas aliadas com gás mostarda e metralhadoras. Após alguns meses de duros confrontos no meio da lama, a infantaria canadiana capturou a destruída vila de Passchendaele. Nesta altura, o comando aliado decidiu travar a ofensiva. Como balanço final, verificou-se que as tropas aliadas apenas fizeram recuar os alemães cerca de 8 km; cada um dos lados sofreu perdas na ordem dos 250 mil homens.