Review Revoltado- Death Note da Netflix (ENTUPIDO DE SPOILERS)
O que foi que acabei de ver…?
Pra quem não conhece Death Note, a trama original do mangá, bem como de sua adaptação em anime, é a seguinte: Light Yagami (ou “Raito”, que é Light em japonês e foi como conheci inicialmente) é um estudante genial do ensino médio, popular entre as garotas e que tem uma família feliz, composta por seu pai, o chefe de policia Soichiro Yagami, sua mãe e sua irmã. Certo dia, entediado com tudo, Light encontra um caderno negro com um nome escrito em branco em sua capa: Death note. Mais adiante, Light acaba por descobrir que o caderno pertence ao shinigami (deus da morte japonês) Ryuk (ou Ryuuku, pronuncia japonesa que foi como também conheci) que revela a Light que basta escrever o nome de uma pessoa no caderno tendo seu rosto em mente, e esta pessoa morrerá após 40 segundos, acometido por um fulminante ataque cardíaco. Caso prefira, Light também pode especificar a causa da morte, desde que de maneira plausível (nada de tubarões surgindo na banheira, por exemplo).
Após resolver impor seu senso de justiça, matando criminosos que aparecem na TV e que não são pegos pela policia ou se salvam de condenações, as agencias de segurança começam a ligar os pontos e achar um padrão nas mortes misteriosas, no entanto nada deixa claro quem, por que e, principalmente, como o assassino estaria fazendo isso. Com a teoria de que é uma única pessoa a responsável pelas mortes dos criminosos, acabam lhe dando o nome de Kira (japonês para “Killer”, ou seja, “assassino”). Porém, Kira acaba virando alvo de adoração de grande parte da população, que acaba o venerando como a um Deus, e Light se delicia com isso, mesmo que não possa se revelar. É quando entra em cena o jovem e excêntrico detetive L, o qual junta os pontos e acaba gerando uma grande suspeita contra Light por este ser filho do chefe de policia e, possivelmente, ter acesso aos arquivos mais secretos do departamento. A partir daí começa um inteligente jogo de gato e rato, onde Light e L se enfrentam em complexos jogo psicológicos, onde um sempre parece estar um passo adiante do outro, deixando a trama tensa e fazendo o leitor/telespectador se perguntar qual será o fim dessa intricada rede de intrigas que parece um labirinto construído por duas grande mentes.
Gostou da breve sinopse da obra original? Legal, né? Agora…pegue toda ela…entregue a uma equipe norte americana para uma adaptação em live action…e vejam eles jogarem TUDO NO LIXO! E assim, nasceu Death Note, a adaptação da Netflix.
Não é a primeira e, dificilmente, será a última vez que uma obra japonesa ganha uma adaptação Hollywoodiana que caga em cima de toda a obra original. Estão aí pra provar o longa em CG Final Fantasy: Spirit Within de 2001, Dragon Ball Evolution, Street Fighter ( tanto o com Van Damme quanto A Lenda de Chun-li), Tekken, Hokuto no Ken (sim, tem uma adaptação americana HORRENDA estrelada pelo Gary Daniels) e, mais recentemente, Ghost in the Shell, que transformou a história filosófica do anime de 1995 (eles nem de longe se basearam no mangá original, que é bem inferior ao anime de Mamoru Oshii, em minha fecal opinião) em um longa de ação genérico dos anos 80. Ah, vale ressaltar que a equipe de produção da vindoura animação dos Cavaleiros do Zodíaco para a Netflix é composta quase que em sua totalidade por americanos…temo fortemente o resultado…
Honestamente, o diretor Adam Wingard não fez nenhuma filme que me saltasse aos olhos. O seu filme mais recente, A Bruxa de Blair, é genérico, cheio de problemas e totalmente esquecível, infinitamente inferior ao original de 1998. Mas sua escolha não me incomodou. Ele até tem uns enquadramentos interessantes que dão um climão de terror a coisa toda em alguns momentos. O elenco, pra mim, também estava ok. Ninguém me incomdou, nem o L negro pro qual tanta gente bateu o pé. O que incomoda mesmo…é a “adaptação” que as personalidades e, sobretudo, a história sofreu. Eu tinha acabado de ver UM MINUTO do filme e já tinha notado que ele fracassara miseravelmente!
Aparentemente, para os americanos, é INACEITÁVEL que um protagonista de um filme adolescente seja um cara genial, popular e que não sofre bullyng na escola, exatamente como é o Light original. Lembrem de Dragon Ball Evolution e seu Goku estudante que sempre era importunado pelos colegas valentões e não podia revidar. E Death Note usa a mesma porca e preguiçosa fórmula. Light é introduzido como um garoto inteligente por vender trabalhos escolares para seus colegas, além de ser um recluso social, o famoso “esquisitão”, e vitima de bullyng dos valentões. E temos mais uma descaracterização violenta ainda nesse minuto inicial com uma Mia (a versão americana da burrinha e fofinha Misa Amane) “bad girl”, que bebe, fuma, fala palavrão e, pelo pacote do clichê, você já prevê que ela seja manipuladora, o que se prova previsivelmente verdade mais adiante. Ah, sim, o caderno já cai na cabeça dele nos minutos iniciais do filme.
Temos, então, a introdução de Ryuk em uma cena que deveria ser de terror mas acaba tendo elementos cômicos, como o grito esquisito do Light. Ele revela como o caderno funciona e mostra a Light como usá-lo, fazendo-o testar no “bully” oficial da escola, que acaba tendo sua cabeça estourada por uma escada em uma cena digna de cine-trash. Sério, parece que colocaram uma melancia na cabeça de um manequim. Aí o filme corre e descobrimos que a mãe de Light foi assassinada e o assassino foi inocentado no julgamento por ser um riquinho filhinho de papai (como no mundo real), e já sacamos que esse será o gatilho para a sua transformação em Kira. Dito e feito outra vez…
Light conhece Ryuk: no anime
https://www.youtube.com/watch?v=qfvaVTCDYXM
Light (com bochechas do Kiko) conhece Ryuk :live action japonês
Light conhece Ryuk: Netflix (o grito ridículo, infelizmente, não está na cena pois se passa pouco antes)
A grande diferença no modus operandi do Kira desta versão com relação ao original, é que o original matava apenas com ataques cardíacos inicialmente, só evoluindo pra outros tipos de mortes mais adiante. Na versão Netflix não! Ele faz questão que todos que tem seu nome escrito no caderno morram da forma mais violenta possível…e todo mundo acaba espatifado em cenas onde parecem ser feitos de melancia, tal qual a cabeça do valentão acima citado. Ah, e temos a introdução do L, claro. Com um ar um pouco mais piadista que o original, e um tanto quanto mais “enérgico”, já que quase não para quieto pra pensar por um minuto, o L desta versão não se distancia tanto do seu original. Pelo menos até metade do filme, quando ele despiroca de vez, mas falaremos disso mais adiante…
O filme tem a duração de 1:40hr e, talvez por isso, quiseram correr o máximo possível com a trama e isso deixa alguns acontecimentos rápidos demais, como o envolvimento de Light e Mia. Isso sem falar na total falta de sagacidade do Light dessa versão em comparação com a versão original. Se na obra original ele tenta agir na surdina o mais discretamente possível e acaba por receber o título de Kira apenas quando L anuncia para o mundo que é uma única pessoa a responsável pelo assassinato em massa de criminosos, na versão Netflix ele tem a “genial” ideia de “assinar” suas “obras” em japonês afim de confundir as autoridades. Se não me engano tem algo sobre assinatura de sangue nas paredes de celas no mangá, mas não algo cretino como aparece no filme.
Outro momento totalmente absurdo e que joga todo o conceito marcante de “gato e rato” da trama original no lixo sem dó nem piedade, se dá no primeiro confronto direto entre L e Kira, onde L acusa Light de ser o Kira sem papas na língua e, quando Light dá uma desconversada e você pensa que ele vai embora…ele volta e praticamente grita “SOU EU MESMO, E DAÍ? VAI ENCARAR? NÃO AGUENTA DEZ MINUTOS DE CADERNADA COMIGO!” e você tem que continuar engolido a seco se quiser chegar até o final do filme.E, acreditem, esse nem é o momento mais absurdo do filme ainda…
O filme segue em ritmo de idiotice, com um Light todo felizão e abobalhado, longe da seriedade do original, uma Mia (Misa) com a personalidade manipuladora que deveria ser do Light, com um L cheio das piadotas (“descanse suas nádegas” foi de lascar…) e com um Ryuk que, durante TODO O MALDITO FILME, NÃO APARECE UM MINUTO COM A CARA FORA DAS SOMBRAS! Eu não desgostei do visual do Ryuk, e sabe por que? POR QUE EU NÃO O VI! Tá certo, tá certo…o rosto dele é visível ainda que em meio as sombras, mas o Ryuk não ficava se escondendo o tempo todo. Confesso que achei o conceito dele como uma criatura mais soturna interessante até, mas só denota como as personalidades dos personagens estão bagunçadas já que, mesmo sendo um Deus da Morte, Ryuk sempre teve momentos como alivio cômico na obra original. Ah, e a interpretação do Willem Dafoe é ótima, inclusive, se não quisessem fazer o personagem em CG, bastava pintá-lo de branco, pois é a cara do bicho…
Agora sim, estamos chegando aos momentos finais do filme e o absurdo dos absurdos toma conta do cabaré! Após traçar um plano para tentar descobrir o nome de L através de seu tutor, seu protetor, seu “Alfred”, Watari, Light acaba descobrindo que foi traído por Mia e que Watari acabou sendo morto pelas tramoias da garota. Sabendo da morte de seu amigo e com a total certeza de que Light é Kira, L pega um REVOLVER, entra em uma VIATURA, e sai a caça de Light em uma cena que joga todo o conceito intelectual do personagem na residência do caralho! L perseguindo Light com uma arma futurista em mãos ao som de um techno-retrô me fez ter a impressão de que eu estava assistindo a uma cena do novo Blade Runner. Essa foi a cena mais sem nexo dentro de toda esta “obra prima”…
Ao fim do filme, temos uma reviravolta onde o Light original tem um lampejo dentro do Light da versão Netflix e mostra que ele já previa uma série de acontecimentos de um maneira absurda (sim, o mangá/anime é bom mas força a amizade em vários momentos, não nego). O filme termina com Light quase triunfante, seu pai descobrindo que ele é, de fato, o Kira e L levando bronquinha das autoridades de uma maneira que lembra um desenho animado da Hanna-Barbera, mas acaba virando o jogo no último segundo e deixa o filme com o final em aberto, tipo o pião que ninguém sabe se parou de fato em A Origem. Se bem que, dado o instinto assassino deste L na absurda cena de perseguição com a arma, o final é até previsível. Para coroar com chave de fezes, os créditos trazem rápidos flashbacks com erros de gravação enquanto toca The Power Of Love (ou You Are my Lady, se preferir) do Air Supply que, para nós, brasileiros, é mais conhecida por “Como Uma Deusa” da cantora Rosanah. Sim, é isso mesmo que você leu…
Por fim, Death Note da Netflix é um erro feio e rude que joga toda a trama de um dos mangás/animes de maior sucesso mundial em um filmeco de merda que não se preocupa em respeitar nada nem ninguém. A trama genérica e previsível talvez agrade a quem não conhece a obra original, dado que seu conceito (um caderno da morte) é interessante. Mas, para os fãs do original, não apenas é um abominação…é uma ofensa. Caso você deteste Death Note mas adore Dragon Ball, Ghost in the Shell, Street Fighter, Tekken e Hokuto No Ken e viu suas versões americanas, vai entender o que quero dizer. Enfim, sempre haverão o mangá, anime, e os quatro live action japoneses (os dois primeiros adaptam fielmente a obra original enquanto o terceiro conta uma história solo do L e o quarto, e mais recente, conta uma nova história). Em caso de dúvida, fique com eles.
Nota:2,0
PS: Essa não é a primeira adaptação ocidental de Death Note em live action. Meu amikinhu, Caio Egon, revelou-me tempos atrás que Death Note ganhou uma versão canadense chamada Devil’s Diary que é MUUUUUUUIIIIITOOO diferente do original, já que se trata de uma garota que acha o caderninho assassino no cemitério mas não tem nada de “Death Note” na capa e acaba por usá-lo como um diário. Certo dia, escreve que queria que a megera da escola fosse atropelada…e ela o é! A partir daí, ela descobre que o dário tem o poder de fazer mal a quem ela desejar. Não tem Ryuk, apenas o espirito demoníaco do caderno que possui a garota, transformando o filma não apenas em uma cópia sebosa de Death Note como faz um mix com O Exosrcista. O filme pode ser encontrando completo no Yuoutube em inglês e sem legendas, caso você tenha a coragem de encarar, mas deixo o trailer abaixo pra você sentir o cheirinho do chorume. Ah, e por alguma razão que desconheço, está com o título de Teenager’s Diary, mas é o mesmo filme.
PS 2: Ah, eu já ia esquecendo! Creio que Takeshi Obata sentiu uma perturbação na força, pois até o poster exclusivo que ele desenhou para o filme ficou tosco. Olha a cara desse Light…parece o desenho de alguém que ainda está aprendendo…