Agora sim, é hora de apontar dedos!

Na primeira parte deste post, dei meu ponto de vista sobre o por que os quadrinhos de super-heróis eram tão simplórios nos primórdios e falei um pouco da importância deles na formação de autores consagrados dos quadrinhos “modernos”. Nesta segunda parte, vou falar um pouco dos vícios comuns nas publicações de 30,40,50,60 e 70, muitos dos quais são os causadores da estranheza e do desgosto de muitos leitores que conhecem estas histórias  nos dias de hoje. Então, comecemos com o básico em uma HQ: os desenhos. Mas não qualquer desenho…me refiro a:

1-DESENHOS RUINS

Muitos antes de Jack Kirby redefinir o modo de se fazer quadrinhos de super-heróis com seus desenhos dinâmicos com figuras imponentes e super-poderosas, haviam Joe Shuster, Bill Finger e Bill Everett, desenhistas do Superman, Batman e Namor, respectivamente. Muita gente pode bater o pé e sair em defesa de qualquer um deles mas, antes disso, deixem-me explicar uma coisa: Eles são apenas exemplos exatamente por serem os mais facilmente reconhecíveis nesse meio e na época em questão, que seriam as décadas de 30 e 40. No entanto, haviam muitos outros desenhistas que tinham o mesmo “estilo” tão comum aos três. E o que eu quero dizer com “estilo” entre aspas? Bem…isso:

Desenhos simples, duros, anatomicamente esquisitos, sem dinamismo e com alguns truques pra esconder o máximo de imperfeições possíveis, como Joe Shuster, que sempre desenhava o Superman não com as mãos na cintura…mas ATRÁS delas afim de escondê-las, dada a dificuldade em desenhá-las. E antes que alguém diga “Ain, Hellbolha, mas era o estilo da época”, deixe-me lhe apresentar um desenhista contemporâneo a todos eles. Senhoras e senhores, lhes apresento Alex Raymond, criador do Flash Gordon.

O traço do Raymond é coisa linda de se ver, independente da época! Ah, mas não precisam tacar pedras também. Muitos desses desenhistas melhoraram com o tempo, como Bill Everet, por exemplo, que pode ser visto desenhado a primeira história do Demolidor que está na Coleção Paladinos Marvel Nº01 que está nas bancas, lá o traço dele está muito mais dinâmico e detalhado, possivelmente reflexos do trabalho de Jack Kirby na Marvel, que se tornou referência. Quanto ao Joe Shuster, justiça seja feita, ele não tinha um traço feio. Pode ser que o volume de trabalho e os prazos influenciassem, mas se você jogar no Google Imagens “Joe Shuster Art” vai ver duas coisas: 1- Ele tinha um traço bacana, simples, mas muito legal. 2- Ele tinha uma tara por desenhar putaria sadomasoquista…inclusive, envolvendo o Superman!

2- STAN LEE E O “MARVEL WAY” DA REDUNDÂNCIA.

Você, muito provavelmente, já ouviu falar do tal “Marvel Way” de se fazer quadrinhos. Caso não, deixe-me explicar como funcionava está “fantástica técnica” criada por Stan Lee: O jovem Stanley Lieber (sim, este é o verdadeiro nome de Stan Lee) escrevia um plot básico, MUUUUITO BÁSICO MESMO, algo mais ou  menos assim.

O Quarteto Fantástico está no edifício Baxter quando vê algo cruzando os céus em alta velocidade. Eles entram no Fantasticarro e, depois de uma perseguição, acabam descobrindo que se trata do Surfista Prateado, o qual está gravemente ferido. O Surfista revela que Galactus está voltando. Galactus aparece, o Quarteto o enfrenta e,  após combater seu novo Arauto, Bouçonarord, o qual se revela o algoz do Surfista Prateado, eles o derrotam e expulsam Galactus da Terra com o Nulificador outra vez. 

E…pronto!

O resto ficava a cargo do desenhista pra desenvolver essas cinco linhas de texto por 20 ou 25 páginas. Após o desenhista criar toda a história visualmente, as páginas voltavam pra Lee que criava os diálogos em cima dos desenhos. E, por alguma razão, Lee sentia necessidade de descrever o que já estava claro nos desenhos. Ou seja, quando o desenho mostrava o Surfista Prateado ferido, a narração dizia “O Surfista prateado jaz mortalmente ferido” até que o Quarteto Fantástico chegava e alguém dizia “Vejam! É o Surfista Prateado! E ele parece estar ferido!”. E assim Stan Lee criou a redundância nos quadrinhos. Ah,mas devo dizer que haviam uns desenhistas que faziam coisas tão toscas que, as vezes, essa explicação era até bem vinda pra entender o que estava acontecendo…

As edições do Spawn do MacFarlane eram dos anos 90, mas precisavam de um estudo pictórico as vezes…

3- “ESTE HERÓI VAI MORRER!”

Ah, a dramaticidade…os quadrinhos de super-heróis dos anos 60 e 70 ADORAVAM capas dramáticas, bem como cliffhangers (ganchos para as histórias da próxima edição) mais dramáticos ainda. Não era nada incomum encontrar histórias que terminavam com um personagem desacordado e com um vilão prestes a desferir um golpe fatal com uma promessa de continuação assustadoramente dramática, do tipo “Flash torceu o pé ao pisar em um caroço de manga e agora não há escapatória para o velocista escarlate, pois o guarda de trânsito está para assinar a maior multa jamais vista. Dessa vez, não há saída!”. Aí, na edição seguinte, o guarda descobria que não havia mais tinta na caneta e o Flash era salvo pelo fim do expediente do guarda maligno.

Piscou, perdeu!

4- AMEAÇAS DE DESTRUIÇÃO EM ESCALA GLOBAL…PERO NO MUCHO.

Outa coisa comum era o nível de ameaça exagerado que os vilões da vez recebiam nas capas das revistas. Como as capas, sempre o mais dramáticas possíveis, costumavam trazer os personagens falando pequenos textos descritivos do que estava na edição, não era difícil vê-los citar os vilões que estampavam a capa como  a última bolacha do pacote em termos de ameaça destrutiva, por mais merdão que o vilão fosse.

Vamos usar o exemplo do Flash e do guarda de trânsito novamente. A capa seria o guarda de trânsito em primeiro plano visto de costas com o Flash diante dele, encolhido e dizendo com olhar assutado “Oh, céus…se ele aplicar essa multa, toda a humanidade estará CONDENADA!” com o “CONDENADA” sempre em caixa alta-mesmo. E, se na semana que vem o vilão fosse o livro com o código de trânsito, ele certamente seria a nova ameaça global, por mais que fosse só…um livro.

5- NUNCA DIALOGUE COM OUTRO HERÓI. PARTA SEMPRE PRA PORRADA!

Hoje em dia heróis de digladiando entre si se tornou só mais uma terça-feira nas HQs. Mas isso não é novidade. Eles já se estranhavam desde que os primeiro crossovers começaram a ocorrer, antes de surgirem os super-grupos, como  a Liga da Justiça e os Vingadores. E quando dois heróis se encontravam, parecia que a palavra “dialogo” sumia de seu vocabulário, pois parecia ser muito mais fácil ir pra porrada por “motivos de por que sim” do que explicar a situação que os levou ao conflito. Ou, quando uma das partes tentava se explicar, elas nunca iam direto ao assunto, sempre gaguejando e fazendo rodeios ao invés de ser claro e direto. Segue um exemplo de como eram essas cenas:

Após receber a noticia falsa de que o Homem-Aranha roubou a esmola de um cego, Capitão América vai em seu encalço. No entanto, Peter Parker, alter ego do herói aracnídeo, tem uma foto com o verdadeiro culpado em plena ação. O Capitão encontra o Aranha e o derruba com um poderoso golpe de seu escudo. O Aranha cai e tenta explicar o mal entendido ao sentinela da liberdade.

–Escute, Capitão! Está cometendo um erro!

-Não, Aranha! Você cometeu um erro!

-Capitão, você não entende!

-Sim, eu não entendo…não entendo como alguém que era um herói pôde descer tão baixo.

-Mas Capitão, eu…

-CHEGA! Não quero ouvir mais suas desculpas! Você vem comigo, por bem…ou por mal!

-Capitão, espere!

-Está bem…darei essa chance para que se explique.

-Você não entende…

-…

-Eu…eu…não…

-…

Eu…foto…bandido…

-…

-Culpado…inocente…

-…

-Ah, quer saber? Deixa pra lá! Vamos simplesmente trocar tapas sem fundamento lógico! A quem queremos enganar? Sempre foi assim e sempre será!

-DEFENDA-SE, ARANHA!

No entanto, por mais antiquado e datado que isso pareça, é usado até hoje e, inclusive, pode ser visto em um certo filme onde um certo herói vestido de morcego enfrenta uma versão soturna e carrancuda de um herói que deveria ser o simbolo da esperança cujo nome das mães de ambos rima com “carta”…

E fiquem ligadinhos pra parte 3, onde falaremos sobre como as HQs clássicas influenciaram as novelas mexicanas, como criar uma saga em criar uma saga e como os robôs sofrem neste mundinho de gente de colante…Até a próxima!