O Despertar de Cthulhu Em Quadrinhos
Quando se espera pelo pior o que vem é lucro.
Tive que conferir aqui quando escrevi a análise de O Rei de Amarelo, e está quase completando três meses que ela saiu. Pensei que tinha sido a mais tempo. Durante esses meses, eu sempre olhava pra minha estante pensando qual seria a minha próxima leitura e eu sempre via a lombada dessa publicação ali em verde vivo, se destacando entre outros itens da coleção. Provavelmente eu já teria lido há bastante tempo se a baixa qualidade nos roteiros em O Rei de Amarelo Em Quadrinhos não tivesse drenado completamente a minha curiosidade.
Uma pena, pois aqui a história é diferente.
Confesso que comecei a ler a coletânea de oito histórias baseadas no universo insano criado por H.P. Lovecraft sem muita empolgação, quase que por obrigação. A primeira história, O Salmo do Sangue Antigo já foi o bastante para capturar a minha atenção, com um enredo bem enxuto e bem trabalhado e uma arte competente, ambos a cargo de Dudu Torres. Não me lembro da última vez que tomei susto ao ler um quadrinho, coisa que aconteceu logo na segunda página dessa história. Nesse ponto eu já estava começando a criar expectativas pelo resto do trabalho.
Os Tambores de Azathoth é a próxima e, provavelmente a melhor história dessa publicação, tanto no roteiro de Antonio Tadeu quanto na arte de LuCAS Chewie (não, a grafia não está errada), no enredo, o físico Oppenheimer, responsável pelo desenvolvimento da bomba atômica lançada lançada nas cidades civis de Hiroshima e Nagasaki começa a ter sonhos e visões perturbadoras, que o fazem buscar auxílio de um já velho e cansado Aleister Crowley, antigo místico inglês conhecido pelos mais jovens hoje graças à música de Ozzy Osbourne..
Macio, com roteiro de Airton Marinho também é um dos pontos altos desta publicação, mesmo com os desenhos de Marcio Castro não chamando muito atenção, mas o que não me agrada na sua estética acaba me enchendo os olhos em narrativa e construção de página. A história se passa em um cidade pobre e pequena em algum lugar que dá a entender ser na região Norte ou Nordeste do Brasil. Após um morador local assassinar quase todos os membros de uma família incentivado por uma vereadora local e fanática religiosa, uma epidemia de larvas de moscas atinge quase todos os seus moradores, gerando ferimentos horríveis.
Sob A Insana Luz é, em minha opinião, a história mais fraca do encadernado. Com roteiro de Caiuã Araújo e arte de Márcio de Castro, acompanhamos dois detetives que recebem como missão investigar o desaparecimento de um grupo de cientistas que foi até uma pacata cidade do interior para analisar a água do rio que abastece a cidade. Eles pararam de mandar notícias à universidade logo após a queda de um meteorito nos arredores do seu lugar de pesquisa. A ideia inicial da história é boa, mas parece que faltou algo no desenvolvimento.
Chlithmaek’ Tyivh, de Lucas Pereira (arte e roteiro) funciona como um espelho para Macio, temos uma história visualmente muito bem trabalhada, porém com um roteiro não exatamente à altura. O conto narra uma expedição à uma tribo isolada no meio da floresta amazônica feita apenas por um experiente antropólogo já conhecedor da tribo e a sua jovem aluna. A tribo está se preparando para um festival da fertilidade em ao rio que os provê, porém a insanidade começa a tomar conta da tribo.
A Língua da Fé retoma o nível das primeiras histórias, narrando como um homem desesperado pela perda do emprego, álcool e perda do convívio familiar escapa do suicídio quando responde ao chamado na tevê de um culto que aparentemente é evangélico. Os dias passam e a vida do homem começa a voltar nos eixos, com um novo emprego e uma nova chance dada pela ex esposa. Porém o culto não é o que parece, e não apenas a sua alma como também a de seus entes queridos estão perdidas. O roteiro aqui é assinado por Raphael Fernandes e a arte fica por conta de Samuel Bono.
O Caso da Truta Salmonada, com roteiro de Jun Sugiyama, é um história que eu não consegui curtir por puro preconceito meu: eu não consigo gostar de desenho em estética mangá feito fora do Japão. Longe do trabalho executado por Hilton P. Rocha e Daniel Bretas ser ruim, é muito bom por sinal, mas eu não consigo gostar. O enredo, passado todo em uma noite num restaurante japonês, é galgado em insanidade e um pouco de claustrofobia, território mais que conhecido para os que já tiveram o prazer de ler as obras do mestre do terror cósmico.
A história que fecha esta publicação é O Que Dorme, com roteiro de Bárbara Garcia e Elias Aquino. Uma pacata cidade de economia baseada na produção do café de montanha passa a ser atormentada por um terrível cheiro pútrido que parece vir do alto da montanha. Alguns dias após o começo dessa manifestação praticamente toda a cidade é acometida pela insônia, e depois de dias de privação de sono os moradores que sobreviveram à provação estão completamente loucos e mal percebem o surgimento das edificações que desafiam a lógica surgirem ao longe.
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O tratamento gráfico da publicação é nos mesmos moldes da outra já resenhada aqui no site, com papel couché de ótima qualidade e artes em preto, branco e verde ao invés do amarelo presente em O Rei… . A arte da capa mais uma vez conta com uma belíssima arte de João Pirolla extremamente detalhada, além do verniz encaixado que confere um ar de elegância ao quadrinho.