As Crônicas de Artur
Obrigado, Coruja.
Há algum tempo atrás, acho que uns dois anos, perguntei para nosso querido, elegante e desaparecido redator qual saga escrita por Bernard Cornwell eu deveria ler para conhecer o trabalho do autor. Meu poder aquisitivo e a promoção da Submarino limitava a resposta em duas opções, uma era o box das Crônicas Saxônicas,em edição econômica e com os seis primeiros livros da série, ou o box da trilogia as Crônicas de Artur, em formato normal (não econômico) e com a história completa. Graças a uma explicação rápida do Coruja, optei pelas Crônicas Saxônicas, decisão da qual nunca vou me arrepender (Uhtred S2 eternos).
Mas o destino é inexorável.
E o destino quis que com o tempo eu começasse a namorar alguém tão apaixonada por livros quanto eu, que conhece Cornwell e resolveu me presentear com as Crônicas de Artur. Não tenho exatamente o costume de ler livros muito grandes, e cada um dos três volumes possuem em torno de 500 páginas cada, mas nesse caso haviam três coisas da qual eu não consigo recusar: um presente, uma boa dica de livro e uma obra do Cornwell. Talvez pra não me desencorajar que eu fui presenteado com um novo livro só depois de terminar o anterior. Boa tática.
Apontado várias vezes como os melhores livros do autor (inclusive ele mesmo fala que esses são as suas criações favoritas), a trilogia é composta por O Rei do Inverno (1995), O Inimigo de Deus (1996) e Excalibur (1997). A história não é contada diretamente na visão de Artur, mas de Derfel Cadarn (pronuncia-se Dervel), um garoto servo do druida Merlin que se tornou cavaleiro, amigo e confidente de Artur. A época de glórias de Derfel se foi há muitos anos, e o antigo guerreiro hoje vive como um idoso monge leal (nem tanto) ao mesquinho Bispo Samsun. Através dos anos a figura de Artur, bem como seus companheiros de batalha foi se tornando menos real e mais fantasiosa. Um dia Derfel recebe da princesa Igraine a tarefa de escrever a história de Artur como realmente foi.
Dividido entre o dever para com o seu povo e o anseio de uma vida simples, um guerreiro justo, tanto amado e odiado e que nunca foi rei, por mais que esse tenha sido o desejo de muitos à sua volta. Cabe a Artur proteger a Britânia dos saxões, e garantir que no futuro o trono seja entregue a seu sobrinho Mordred, mesmo que essa seja a pior das atitudes. A Britânia de Artur não é exatamente o reino cristão das lendas, muito longe disso, a religião dos três deuses em um ainda floresce em meio a uma maioria pagã, e essa convivência na maioria das vezes não é nada pacífica.
Outro ponto forte dos trabalhos do Bernard Cornwell é criar bons coadjuvantes, a lista aqui não é pequena e vai desde personagens com participações ocasionais durante toda a obra como sem boas maneiras Cullwch e o númida Sagramor, até por personagens possuidores de uma pequena trama, como o trágico Tristan. Além desses já citados, minha predileção também recai sobre Galahad, meio irmão do odioso Lancelot, a feiticeira Nimue (uma excelente personagem feminina, diga-se de passagem) e o rei saxão Aelle. Se eu começar a puxar da memória algumas passagens do livro acredito que essa lista pode acabar ganhando mais alguns parágrafos.
Guardando o melhor para o próximo tópico, um dos atributos que faz Cornwell um bom escritor é o cuidado na pesquisa antes de escrever os livros. Mesmo com uma fonte escassa de material que possa ser chamado de confiável acerca do assunto (afinal, estamos falando de uma lenda que se passa por volta do século V d.C.), existe uma evidente preocupação em retratar a vida na época antiga, tanto as maneiras e hábitos de lordes quanto de camponeses, passando por moradias, vestuário, tecnologia e armamentos. Grande parte disso é percebida nos posfácios de cada livro, onde o autor cita suas fontes, as variações em cada uma da história e o que teve que inventar ou adaptar.
Mas, na minha opinião, a cereja do bolo em qualquer um de seus livros é a ação, e aqui não poderia ser diferente. As batalhas narradas pelo autor sempre atingem um nível épico, mesmo que sejam dez pessoas de cada lado do embate. A imersão se inicia antes do embate, em alguns casos esse momento pode ter a duração de dias, o clímax regado a sangue, álcool, lâminas e excremento. Algo que acontece aqui e em Crônicas Saxônicas é o fato de que a ação durante a batalha é tão intensa que não importa se aquele coadjuvante super foda no meio da batalha acaba morrendo, isso não é abordado de maneira longa e floreada, mas como uma morte durante um confronto no qual os outros personagens não podem se dar ao luxo de fazer drama, lágrimas serão derramadas pelo amigo morto apenas se alguém sobreviver pra tal. Não é um desleixo ou descaso do autor, e sim uma maneira de demonstrar como as coisas deveriam ser no momento. Perdi a conta de quantas vezes tive que ler as curtas passagens sobre a morte de algum personagem só pra cair a ficha.
Algo normal de acontecer em livros intermediários é a queda (mesmo que leve) de qualidade, transformando algum volume apenas em um ponto de ligação, algo pelo qual você tem que passar para chegar no desfecho, isso simplesmente não ocorre em O Inimigo de Deus. Nesse volume se concentram duas das minhas partes favoritas, que são a adaptação da tragédia de Tristão e Isolda e a busca pelos Tesouros da Britânia, culminando na descoberta do Caldeirão de Clyddno Eiddyn, que na minha opinião só rivaliza coma jornada de Derfel até a Ilha dos Mortos. O desfecho da saga se dá em Excalibur, que narra de maneira geral uma busca sem fim por redenção e esperança e culmina em um final de lavar a alma e marejar os olhos.
O box da trilogia custa por volta de 75 reais, porém entra em promoção com uma certa frequência. É um tipo de literatura recomendado a todos os amantes de livros, além de ser um pontapé inicial ótimo para se conhecer o autor, mesmo não tendo sido o meu e, repito, não me arrependo de tal fato. Um dia, não em breve, espero poder resenhar outros livros do autor que estão aqui na fila de leitura (tanto comprados quanto emprestados).