Evangelho de Sangue

Um dia apropriado para este post.

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Recentemente estávamos discutindo no Facebook eu e Luc Luc, lá do Baile dos Enxutos e Multiverso (parabéns, garoto) quanto à qualidade de Hellraiser, o livro de Barker que foi usado de base para um dos melhores filmes de terror dos anos 80, inclusive já resenhado aqui no site. Se eu não me engano o Caio Egon também tava na conversa. O argumento do amiche foi que Hellraiser não o fez sentir aquele medo que ele esperava ao ler, e concordo, o livro  realmente funciona mais como um roteiro do que um livro. Bem, esse  problema não se repete em Evangelho de Sangue.

O livro não é exatamente uma continuação de Hellraiser, mas sim uma continuação da saga do Sacerdote do Inferno, apelidado carinhosamente pelos fãs como Pinhead. Na trama, cansado com a estagnação e decadência infernais, o Sacerdote traça um plano elaborado para subverter a atual ordem, mesmo que isso signifique acumular uma pilha de cadáveres pelo caminho, tanto de humanos quanto de seus semelhantes. Para que seja lembrado, o Sacerdote escolhe um humano para ser a testemunha dos acontecimentos, e esse humano é Harry D’amour.

D’amour é um ex-policial que tem um passado íntimo com o sobrenatural. Desde criança possuía dons e sensibilidade para perceber um mundo que os outros não enxergam. Um dia, durante o trabalho, o inferno encontra D’amour, o que resulta na morte de seu parceiro pelas mãos de um demônio. Atordoado com o acontecimento, ele abandona a força policial e começa a trabalhar como detetive particular, agindo inclusive em casos sobrenaturais. D’amour não está sozinho, sendo auxiliado por amigos como Caz e Norma.

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Norma é cega desde o nascimento. Cega para o nosso mundo apenas, já que desde pequena ela possui o dom de ver e se comunicar com os mortos. Há anos que ela se empenha em ajudar as almas confusas a fazer a travessia para o além, o que muitas vezes inclui a ajuda de D’amour para ajudar a resolver alguns assuntos pendentes dos mortos. Caz é um tatuador, especializado em símbolos de proteção e detecção sobrenatural. Ele é o responsável por todos os selos e amuletos que cobrem o corpo do detetive.

Um trabalho de rotina para Norma e um cliente recém falecido leva Harry até Nova Orleans. O que parecia algo simples acaba literalmente se tornando o inferno quando o detetive acaba tendo contato com uma caixa Le Marchant, dispositivo que abre as portas do submundo e condena a alma do usuário a uma eternidade de dor nas mãos dos membros da Ordem de Gash, os sacerdotes conhecidos como cenobitas. Esse encontro acabará levando Harry e amigos em uma missão até os confins do Inferno.

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Apesar de se valer do sobrenatural, os textos de Clive Barker são muito mais voltados para um terror extremamente gráfico, capaz de causar náusea e desconforto até nos leitores mais calejados. A sua escrita é baseada em ação e diálogos ricamente envolvidos por uma carga descritiva grande sem ser repetitiva ou maçante. Hellraiser foi concebido como um roteiro a ser vendido e adaptado como filme, o que não é o caso do Evangelho de Sangue, o que garante a este último uma solidez que talvez falte no outro livro.

Outro ponto positivo é que aqui temos a obra de um autor mais maduro, e consequentemente mais experiente. O Clive Barker que escreveu este livro não é mais a jovem promessa do terror, e sim um autor de livros (e outras formas de arte) que teve tempo o bastante para amadurecer as ideias e produzir um ótimo livro, apesar da pressão de trabalhar com um personagem que não é apenas seu e que teve uma evolução à parte das ideias de seu criador, mesmo que a grande maioria das continuações cinematográficas e quadrinhos de Hellraiser seja um amontoado de porcaria.

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Em termos editoriais, esse é mais um daqueles livros que dá gosto ter na prateleira. O tratamento dado pela Darkside para a obra está muito acima do que estamos acostumados. A edição conta com uma capa dura ilustrada com uma maravilhosa arte com o Sacerdote do Inferno estilo arte sacra, o que pode causar um pouco de desconforto e mal entendido para os que não conhecem a obra. O interior é em papel pólen, com páginas negras separando cada parte do livro. O livro também conta com dois marcadores de página, um em papel cartão, desses tipo brinde, ilustrado com a arte da capa e outro marcador em fita escarlate, semelhante aos marcadores de bíblia.

Obviamente todo esse cuidado tem um preço, e o preço do livro transita em torno de 55 reais, bem salgado para os que não conhecem o autor ou estão se aventurando nesse tipo de leitura pela primeira vez. No frigir dos ovos, Evangelho de Sangue é um ótimo livro e uma excelente continuação para a saga de Pinhead, mesmo não sendo a melhor coisa escrita por Barker (Livros de Sangue S2). Recomendado para fãs do autor, dos filmes e de obras de terror, mas não para o leitor casual.

Godoka
31/10/2016