O Homem Do Castelo Alto
E se reclamar de review de livro vai ter mais dois!
A alguns dias, o Marcel lá do Caralinhos Voadores postou no Facebook um elogio sobre a série de mesmo nome. Indaguei se tinha algo a ver com o livro e ele disse que sim, e é assim que os livros que estão na pilha de espera para serem lidos passam pra frente. Ainda tive a sorte de encontrar um box pela metade do preço, que além desse livro contém Realidades Paralelas e Os Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, que o Sorg resenhou recentemente lá no BdE.
A premissa do livro parece simples: como seria o mundo se o Eixo (Alemanha, Japão e Itália) tivessem saído vitoriosos da Segunda Guerra Mundial? Seria uma desgraça completa? Haveria algo de bom?
O livro não se utiliza de um evento ou personagem principal, muito pelo contrário. Vários personagens de posições sociais e visões diferentes ajudam a construir um cenário muito rico e detalhado como se fosse uma colcha de retalhos, o que pode desanimar um pouco o leitor mais acostumado a linearidade.
Dentre muitos personagens, gostaria de destacar alguns. Robert Childan é um negociante de antiguidades, trabalha com artefatos da morta Civilização Americana. Cartões de beisebol, tampas de garrafas de leite, cartazes de convocação da Guerra Civil, raros relógios do Mickey Mouse, tudo para agradar sua clientela, a elite japonesa que adora colecionar tais itens, mesmo que seu conhecimento de tais objetos seja apenas superficial, talvez artificial. Childan é o dominado perfeito, que procura assimilar e repetir o costume de seus mestres em busca de reconhecimento. Trata mal as pessoas em situação de inferioridade pois é assim que os japoneses fazem. É a prostituta cultural perfeita, como muitas pessoas que encontramos por aí.
Tagomi é um empresário de sucesso, faz parte da divisão de informações e possui altos contatos. Possui uma admiração acética por artigos da cultura americana. É um homem profundamente marcado pela cultura de seu país de origem, não revela emoções, pois isso seria sinal de insegurança e imaturidade. Uma pobre alma a beira de um colapso devido ao estresse cotidiano e a pressão social, mas ainda assim procurando manter uma postura fria, analítica e baseada nas prováveis reações de todos ao seu redor.
Frank Frink é um trabalhador padrão, cansado de trabalhar como um cachorro e ganhar uma miséria. As coisas ficaram piores depois de Juliana o ter abandonado, mas o que uma mulher como aquela iria ficar fazendo com um fracassado como ele, um judeu que teve que mudar de nome e aparência para não ser enviado para os fornos na Alemanha? Em uma sociedade que busca no milenar oráculo I Ching as respostas para dilemas do dia a dia, talvez em Frank que essa obsessão e incapacidade de tomar decisões por si só seja mais marcante. E por mais que o oráculo aponte um horizonte favorável, o medo e desconfiança sempre deixam Frink (originalmente Fink) com um pé atrás.
Juliana Frink é o oposto de Frank, pra que tanto medo se você não sabe o que vai acontecer amanhã? No momento Juliana se sustenta dando aulas de judô, arte que aprendeu anos atrás. Mas isso não é definitivo, na verdade nada na vida de Juliana parece duram muito tempo. Talvez uma mulher forte e independente não tenha espaço em um mundo de submissão. Mas talvez a sua vida ganhe um pouco de agitação com o surgimento do misterioso Joe Cinadella.
Phillip K. Dick utiliza de seus personagens para contar as diferenças de um mundo governado pelo fascismo. A sua narrativa é minimamente descritiva e muito humana, perfeita para um leitos como eu que não suporta descrições intermináveis por coisas que parecem sem importância (chupa Tolkien). Além disso, o desenrolar da história é um tanto parado, mais focado em angústias pessoas ou situações de tensão do que em ação propriamente dita.
Além disso, a visão de um mundo que está começando a colonizar os planetas vizinhos, mas que ainda dá os primeiros passos em relação à televisão por exemplo é fantástica. Pode parecer estranho para nós, mas é apenas uma visão de prioridades diferentes. Os avanços na medicina não são tão incríveis, ao contrário da engenharia, além disso a pior faceta dos nazistas é mostrada aqui e ali, como o fato do continente Africano ter sido dizimado. É estranho como certas coisas parecem assustadoras e próximas, fatos iguais com protagonistas diferentes.
Foi um belo choque de repente parar uma sequência de livros escritos por Bernard Cornwell (que utiliza a ação de maneira soberba) e começar este livro, provavelmente a isso se deve a dificuldade inicial de entrar no clima. Mas ainda assim é um livro ótimo, recomendo a todos. A edição da Aleph é sólida, e acho que não tem uma palavra melhor para descrevê-la. Papel de qualidade, sem muita coisa extra no conteúdo além da história e uma capa de dar dor de cabeça se você olhar por muito tempo. Se alguém se interessar o livro está a venda nesse link, e o box nesse link.