Então estou lendo o Monstro do Pantano

Uma história real. Ou não.

 

Lendo o Monstro do Pantano do velho pirado na privada. As obras encerram antes do fim do primeiro volume.

Empolgado com o ritmo do quadrinho, continuo até o final. A segunda edição também está na caixa, próxima. Penso “Por que não?” e começo a ler a segunda edição.

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A leitura prossegue bem e termino a segunda edição. Levou mais tempo do que esperava, Allan Moore era mais verborrágico no Monstro do Pantano. A animação para ler o resto ainda está presente. Vejo a caixa novamente. Todas as edições estão ali. Teria eu a ousadia?

Grandes homens se fazem pelos desafios que superam. E todos concordam que sou grande em vários sentidos. Não posso fugir a esse teste. Pego a terceira edição. Começo a leitura.

O corpo está desconfortável. Um desconforto na perna. Sinto uma agulhada na nuca, frio talvez. Prossigo.

Estou em História de Pescador, quando o desconforto se torna dor. Mas não posso largar agora, o Monstro está quase encontrando os vampiros molhados. Estou revesando o braço que segura o gibi.

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Um desses seria util.

Um latejamento na parte de trás dos olhos. Talvez seja meu cérebro tentando se distrair da dor na perna. Ou pode estar rejeitando Allan Moore. Mas não é possível, é Monstro do Pantano, não Lost Girls.

Termino a edição. O revezamento dos braços permitiu que os dedos mantivessem a sensibilidade, mas, mesmo assim, quase não noto a textura do papel quando pego a quarta edição.

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Minha mente se divide em duas. Uma continua lendo, empolgada, chegando finalmente à Revelações. A outra parte parece ser mais racional e está apavorada com o efeito no meu corpo. Não me movo mais, a parte empolgada da mente diz que o menor movimento vai quebrar o ritmo da revista. A parte racional resolve me abandonar. Diz que vai para a Síria, onde é mais tranquilo.

 

Continuo revezando os braços, mas já não consigo identificar qual braço está segurando a revista. Ambos estão dormentes. Estou suando.

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Avisos loucos dançam na minha mente. Ouço a voz do Godoka “Vai acabar criando uma hemorroida.” Não dou ouvidos à voz. Não escuto os médicos da minha cabeça. Muitos processos por imperícia. Lembro de Lição de Anatomia, no Livro Um, eras atrás, ao que parece. A ironia me escapa e se esconde no armário do espelho. Prometo a mim mesmo caçá-la e fazer um chapeuzinho com a pele dela.

Estou lendo Fim quando o gato entra. Ou talvez sempre tenha estado aqui. Talvez eu sempre tenha estado aqui. Toda minha vida foi uma ilusão, como um balde fugidio.

Não ouso parar de ler. Estou ouvindo meus batimentos cardíacos, soa como uma espécie de Carlinhos Brown do sistema circulatório.

Não sinto mais dor, talvez haja um limite para quanta dor podemos sentir antes dos neurônios pararem de registrar a sensação.

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Não me lembro de pegar a sexta edição. Mas continuo a leitura, movido por pura determinação em terminar. Não me sinto mais humano. Sou uma máquina de ler gibis de terror vegetal escrito por ingleses barbudos nos anos 80. Uma máquina bem específica.

 

Estou vendo o dialogo entre o Monstro e um planeta vivo fêmea. Não é exatamente um dialogo, parece um tipo de estupro cósmico, como se o planeta tivesse aplicado um Boa Noite Cinderela continental no Monstro. Sinto algo também, como se um raio gerado pela eletricidade estática de milhares de hamsters reencenando a última cena de Riki-oh num tapete persa.

 

Estou inconsciente no chão.

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Desperto depois de um tempo indeterminado. O gato está me olhando. Me julgando, sem dizer nada. Se dissesse alguma coisa, eu o venderia.

A revista está aberta, o Monstro do Pantano de volta à Terra. Posso ter lido alguns capítulos durante o desmaio. O barulho do gato andando está alto demais. Pelo menos ele consegue mexer a perna. A minha pode estar gangrenada.

Não há dor. Nem movimento. Nem nada. Estou só no universo. Apenas eu, o gato e Monstro do Pantano 6.

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Não posso deixar terminar assim. Se o cosmo alcançou a entropia, pelo menos vou terminar a leitura. Ainda caído, movo minha mão até o gibi e consigo ler as últimas páginas. O chão frio zomba de mim, mas não me impede de cumprir minha tarefa e meu destino. Tudo terminado.

Minha mente está em paz, apesar de meu corpo estar destruído. Noto que a realidade ainda existe. Talvez possa retomar minha vida. Olho para cima. Não tem papel.

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Minha mão se move para uma edição Pecado Original. Parece um destino adequado para essa revista.

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